Porto Alegre: uma eleição sob a sombra da abstenção eleitoral
por Rodrigo Mayer
De acordo com a pesquisa Quaest de 17 de outubro de 2024, Sebastião Melo (MDB) é o favorito para vencer as eleições de Porto Alegre no próximo domingo. Segundo a pesquisa, o atual prefeito tem 52% das intenções de voto contra 30% de Maria do Rosário (PT).
A campanha do segundo turno foi marcada pelo forte embate entre os candidatos e pelo uso de seus padrinhos políticos. Maria do Rosário explorou o descaso do atual mandatário na prevenção de enchentes, bem como a atuação de Melo durante a tragédia. A candidata petista também focou na maior participação do Estado nos assuntos da cidade, em oposição à gestão do emedebista, que privilegia a atuação do mercado.
Já Sebastião Melo enfatizou os feitos de sua gestão e argumentou que outras localidades também sofreram com as chuvas e que Porto Alegre não foi um caso isolado. Ao despersonalizar a tragédia, o candidato buscou despolitizar o tema – tanto que acusou, de forma pejorativa, a petista de explorar o tema politicamente enquanto ele estava ocupado, trabalhando – e, assim, não ser culpabilizado por não ações que intensificaram a catástrofe. O sucesso de despolitização da tragédia das enchentes na capital gaúcha é um indicativo do esvaziamento da política pelos próprios políticos, o que se reflete na própria sociedade.
No primeiro turno, Porto Alegre foi a capital com maior abstenção do país, com 345.544 eleitores não comparecendo às urnas, número ligeiramente superior à votação do primeiro colocado, Sebastião Melo, que obteve 345.420 votos.
O que motivou tamanha abstenção? Uma hipótese seria a de que a polarização afastou eleitores moderados, que não se veem representados pelos extremos e não conseguem identificar uma alternativa viável para além dos polos.
Esta visão, apesar de corriqueira, possui alguns problemas. O primeiro é colocar a candidatura petista em um extremo no qual nem a candidata, nem o partido se encontram. Melo também não é um candidato de extrema direita, mas conta com o apoio da família Bolsonaro e de outros setores da direita populista radical. Neste caso, é importante frisar que a direita brasileira não fez um muro de contenção contra o extremismo de direita, mas se alia a ela como forma de crescer eleitoralmente.
Outro problema é apresentar a polarização como algo somente negativo, um fator que deve ser combatido em nome de maior moderação e do fortalecimento de outras opções. Neste ponto, é importante questionar o porquê de as opções não conseguirem competir eleitoralmente e os motivos para recusar alternativas mais “moderadas”.
A polarização possui sim uma face negativa – a negação do outro –, mas também é um instrumento importante para que o eleitor consiga identificar as diferenças entre os candidatos e seus planos de governo.
Portanto, a grande abstenção na capital do Rio Grande do Sul não pode ser reduzida ao discurso fácil da polarização e da falta de alternativas ao eleitorado. Sua origem pode ser explicada pelo cansaço do eleitorado em relação à classe política – e até mesmo à política na totalidade –, o que explica a alta taxa de abstenção e as dificuldades dos outros concorrentes em capitalizar frente às rejeições de Sebastião Melo e Maria do Rosário.
Para a candidata petista, a atração do eleitorado que não compareceu ao pleito do primeiro turno é fundamental para ter chances de vitória. Devido à alta rejeição de seu nome, Rosário precisa mobilizar o descontentamento da população com a gestão do atual prefeito e, principalmente, diminuir a resistência sobre seu nome, resistência, aliás, construída bem antes do pleito de 2024.
Outro desafio da candidata está em atrair os eleitores de Juliana Brizola que, segundo a pesquisa Quaest de 17 de outubro, se encontram divididos entre ela e Melo (35% e 38%). A vantagem do candidato do MDB na transferência de votos da candidata do PDT demonstra o teto baixo da candidata petista e a necessidade de atração de eleitores que não votaram no primeiro turno.
Melo, por sua vez, precisa mais evitar a desmobilização de seu eleitorado do que atrair os ausentes. Em que pese as críticas da campanha petista, a campanha do atual prefeito teve êxito em minimizar os efeitos das enchentes sobre sua candidatura ao despersonalizar o tema e, assim, eximir o prefeito de suas responsabilidades durante a tragédia.
O favoritismo de Melo vem pela avaliação positiva que o prefeito tinha antes das enchentes, mas também pelo sucesso de sua campanha em convencer parte do eleitorado e que não havia nada o que fazer para evitar as enchentes.
A alta abstenção em Porto Alegre e o sucesso de não politizar a catástrofe ambiental que a cidade atravessou mostram que a apatia do eleitorado também é causada pela tentativa de despolitizar o debate público por grupos políticos.
Rodrigo Mayer é professor de Ciência Política da Universidade Estadual de Londrina.
Este artigo é parte das análises produzidas pelo Observatório das Eleições 2024, iniciativa do Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação (INCT IDDC).
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