Indefinição na reta final do segundo turno em Natal
por Anderson Cristopher dos Santos
O segundo turno em Natal está configurado como uma disputa entre governo e oposição. Nem sempre isso acontece: em 2012, por exemplo, dois oposicionistas disputaram o segundo turno na capital potiguar – Carlos Eduardo Alves (então PDT) e Hermano Morais (MDB).
Na atual disputa, o candidato situacionista, Paulinho Freire (União Brasil), aparece na liderança praticamente em todas as pesquisas realizadas no segundo turno. Uma das exceções é a pesquisa mais recente do instituto Seta, divulgada no dia 23 de outubro, em que Freire seria derrotado por Natália Bonavides (PT) por um placar de 51% a 49%.
Dizer que Paulinho Freire lidera as pesquisas de segundo turno conta pouco sobre a atual disputa: é mais relevante informar que esta parece ser, como sugerem os dados, a disputa mais acirrada desde 1996.
Em 1996, Wilma de Faria (na época, do PSB) derrotou Fátima Bezerra (PT) por pouco mais de três pontos percentuais. Faria sucedeu o seu afilhado político Aldo Tinoco (na época, do PSB), de quem posteriormente afastou-se politicamente e a ele fez oposição.
Tinoco, por sua vez, derrotou Henrique Eduardo Alves (MDB) no segundo turno das eleições de 1992 por uma vantagem de 0,4 ponto percentual, ou 961 votos.
Em 1992, o candidato da situação derrotou o candidato da oposição por mínima margem. Já em 1996, duas candidatas de oposição enfrentaram-se em um segundo turno acirrado.
O que há em 2024 é uma disputa entre direita e esquerda, situação e oposição. A disputa acontece entre o candidato do ex-presidente Bolsonaro e a candidata do presidente Lula. É uma disputa entre um homem maduro e uma mulher jovem.
As regras do segundo turno levam automaticamente a uma polarização entre as candidaturas, mas os perfis dos concorrentes também ressaltam esta situação.
A despeito da configuração atual do segundo turno, parcela do eleitorado parece estar desinteressada: dados da pesquisa Quaest do início do segundo turno apontam que 71% dos ouvidos se diziam pouco ou totalmente desinteressados pelas eleições. Infelizmente, inexistem dados mais atuais sobre o ânimo do eleitorado.
Um indício de persistência deste desânimo está na trajetória quase linear e equilibrada nos percentuais de intenção de votos de ambos os candidatos, com um discreto crescimento da candidata de oposição nos últimos dias sobre os indecisos.
As campanhas possuem óbvias linhas de comunicação quanto às suas próprias chances de vitória: Paulinho Freire aponta que lidera o segundo turno de ponta a ponta, enquanto que Natália Bonavides anuncia seu crescimento e eventual virada.
Qualifico a liderança de Paulinho Freire como inercial. O candidato não apresenta crescimento nas suas intenções de votos, mas mantém-se em patamar razoavelmente elevado na maioria das pesquisas. Cabe dizer que Freire obteve 44% dos votos válidos no primeiro turno, a consideráveis 16 pontos percentuais da segunda colocada.
O candidato da situação construiu uma coligação robusta, resultando na utilização de 56% do tempo de rádio e TV disponível para os candidatos no primeiro turno. A Natália Bonavides coube 31% do tempo disponível.
Considerando-se os votos obtidos pelas legendas e pelos candidatos a vereador dos partidos apoiados por Freire, percebemos que seu domínio político foi amplo no primeiro turno: os partidos que formam a coligação de Freire para prefeito obtiveram 54% dos votos sufragados para o Legislativo. Os partidos que formam a coligação de Bonavides, por sua vez, obtiveram distantes 19% dos votos para o Legislativo. Cabe lembrar que as coligações não se estendem às eleições legislativas, mas a somatória permite visualizar o suporte político de cada candidato.
Observa-se com facilidade que Freire desfrutou de uma ampla base de apoio que se refletiu nas urnas, tanto na eleição para o Executivo quanto para o Legislativo, indicando também capilaridade dos seus candidatos a vereador.
No segundo turno, o tempo de rádio e televisão é igualmente distribuído entre os candidatos e pode-se dizer que há mais paridade de armas. É evidente que o empenho político do prefeito por seu candidato oferece vantagens competitivas a Freire, mas também há empenho político da governadora Fátima Bezerra em favor de sua candidata.
Esta talvez seja a mais provável explicação para a liderança inercial de Paulinho Freire, combinada com o desinteresse de parcela da população, sobre o que já me referi anteriormente. Apoiadores de Freire podem alegar que o candidato já está em um patamar elevado, e esta seria a maior razão para a sua estabilidade. Considero este um argumento plausível e amparado por uma parcela de pesquisas eleitorais realizadas no segundo turno.
A propaganda negativa tem sido utilizada pelas duas candidaturas, na perspectiva de aumentar a rejeição do adversário e atrair os indecisos.
Para a atração de indecisos, o Partido dos Trabalhadores também recepcionou o presidente Lula em um comício na Zona Norte da cidade, região com menor renda per capita e de pior desempenho de Natália Bonavides no primeiro turno. Nesta reta final, o PT recepcionará o prefeito reeleito do Recife, João Campos (PSB), acenando ao eleitorado jovem e, possivelmente, de centro.
Em disputas acirradas, o comparecimento às urnas pode ser decisivo, tanto quanto as tomadas de decisão de última hora. Este será o caso se os candidatos obtiverem índices muito distintos entre segmentos do eleitorado.
Candidatos com maiores intenções de votos entre os segmentos menos escolarizados da população tendem a ser mais afetados pela abstenção. A escolaridade é um importante proxy, pois reflete as condições objetivas de vida, o que inclui a distância entre a residência do eleitor e a seção eleitoral, e se reflete nelas. Um fator importante para a abstenção é o custo associado ao deslocamento até a seção eleitoral – não apenas financeiro, mas também de tempo gasto para a concretização do sufrágio.
Atendendo aos pedidos das autoridades eleitorais, a prefeitura de Natal já assegurou passe-livre e frota regular de ônibus em toda a capital no próximo dia 27 de outubro.
Outro aspecto da abstenção é a desatualização dos cadastros eleitorais, incluindo os eleitores que mudam de residência. Este tende a ser um problema relevante quando recadastramentos e atualizações não são periodicamente realizados.
Especialmente após as eleições de 2022, os institutos de pesquisa tentam desenvolver cálculos de “likely voters”, como o instituto Quaest.
Em Natal, pouco mais de um quarto do eleitorado possui até o ensino fundamental completo. O eleitorado que possui ensino médio completo ou incompleto chega a quase três quintos. A vantagem de um determinado candidato no segundo segmento pode sacramentar a vitória nas urnas, seja pela maioria numérica quanto pela menor taxa de abstenção do segmento, que é quase 50% menor do que o primeiro.
A reta final tem se pautado por mobilizações de rua e por propagandas negativas nas inserções de rádio e TV e nas redes sociais. A última pesquisa DataVero, divulgada no dia 22 de outubro, apresenta uma taxa de rejeição conforme esperado para eleições de segundo turno: rejeição de Bonavides sete pontos percentuais maior que a de Freire (44 a 37%), espelhando a distância na intenção de votos estimulada (47 a 41% em favor de Freire).
A vantagem de Freire é explicada pelo apoio que obtém de uma parcela do segmento que aprova o governo do presidente Lula (17% deste eleitorado, ou 8 pontos percentuais, de acordo com a última pesquisa DataVero). Entre os que reprovam Lula, Freire obtém 80% das intenções de voto, contra 6% de Bonavides.
Este dado está em sintonia com o quadro geral observado em todo o segundo turno: os eleitores que reprovam o governo Lula tendem a aprovar a gestão do prefeito Álvaro Dias, desaprovado em outros segmentos. Na falta de uma categorização melhor, pode-se considerar que Freire capta o voto bolsonarista, que parece ser mais idealista. Pesquisas mais aprofundadas para compreender este comportamento eleitoral são necessárias.
Os últimos dias de campanha já são marcados pelas investidas de ambos os candidatos aos eleitores indecisos. Mais de 90% dos indecisos possuem até o ensino médio completo, de acordo com a pesquisa DataVero.
Reitero que a vantagem entre os mais escolarizados pode ser determinante. Na atual quadra, o candidato da situação está bem posicionado, mas isso pode mudar à medida que o eleitor reflete sobre o seu voto e discute com familiares e amigos. Decisões de última hora acontecem em virtude do número de indecisos, mas também em virtude de um estado anterior de desinteresse do eleitorado, que busca se informar melhor e pode repensar o seu voto.
As pesquisas de véspera podem reiterar o acirramento, a ponto de ser imprevisível o resultado das urnas, como já aconteceu duas vezes nos anos 1990 na capital potiguar.
Anderson Cristopher dos Santos é professor do Instituto de Políticas Públicas da UFRN e doutor em Ciências Sociais pela UFRN.
Este artigo é parte das análises produzidas pelo Observatório das Eleições 2024, iniciativa do Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação (INCT/IDDC).
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