O 2° turno Campo Grande: o protagonismo feminino e da direita
por Daniel Estevão Ramos de Miranda
A capital de Mato Grosso do Sul nunca elegeu uma mulher para a prefeitura. Em 2024, porém, Campo Grande é uma das duas únicas cidades do Brasil a ter duas mulheres no 2° turno (a outra é Ponta Grossa – PR) e a única capital nessa condição.
Além disso, o 1° turno de 2024 foi o mais competitivo da história de Campo Grande: a atual prefeita Adriane Lopes (PP) ficou em primeiro lugar, com uma vantagem de apenas 2,11% em relação a Rose Modesto (União), a qual, por sua vez, teve apenas 3,6% a mais de votos do que o candidato do governo do estado, Beto Pereira (PSDB). Coincidência ou não, o segundo resultado mais apertado da história dos primeiros turnos ocorreu em 2016: Marquinhos Trad (PSD), cuja vice era a atual prefeita Adriane Lopes, foi para o 2° turno com uma vantagem de 7,9% em relação a Rose Modesto, à época filiada ao PSDB.
O resultado de 2024 surpreendeu um pouco, não pelo seu desenho geral, pois praticamente todas as pesquisas indicavam que a disputa seria acirrada, mas sim pelo fato de Adriane Lopes ter chegado em primeiro lugar. A própria prefeita reafirmou, em mais de uma ocasião, sua surpresa com tal resultado e, obviamente, o utilizou como demonstração da força de sua candidatura.
Tal candidatura foi reforçada, ainda, por apoios de peso: a senadora Tereza Cristina, maior liderança do PP em MS e fiadora da candidatura de Adriane Lopes, conseguiu angariar os apoios do governador Eduardo Riedel (PSDB) e de Jair Bolsonaro (PL). A estratégia de Adriane Lopes nesta eleição foi construída em dois pilares: um pragmático, pela afirmação de que teve pouco tempo à frente da prefeitura da cidade; outro ideológico, de alinhamento claro à direita bolsonarista, mesmo não tendo o apoio oficial de Bolsonaro no 1° turno. Avaliando que tal estratégia foi bem-sucedida, a atual prefeita vem reforçando ainda mais aqueles pilares, principalmente o ideológico, tentando associar Rose Modesto à esquerda.
Rose Modesto, por sua vez, construiu sua campanha em basicamente três bases: sua experiência política e administrativa (já foi vereadora, vice-governadora, deputada federal entre outros cargos); sua posição mais ao centro, que lhe permitiria diálogo com lideranças de todo o espectro político. E, por fim, o de ser a candidata contra as máquinas: federal, representada na candidatura de Camila Jara (PT); estadual, que apoiou Beto Pereira (PSDB); e municipal, encarnada na candidatura de Adriane Lopes. Diante da vantagem obtida por Adriane Lopes no 1° turno, Rose Modesto teve que se deslocar mais para a direita no 2° turno, afirmando e reafirmando ser conservadora em várias entrevistas.
A direita bolsonarista em Campo Grande se dividiu: enquanto a senadora Tereza Cristina apoia Adriane Lopes, por um lado, Capitão Contar (PRTB) e João Catan (PL) apoiam Rose Modesto. Por outro lado, a esquerda, representada majoritariamente pelo PT, declarou neutralidade no 2° turno, mas membros importantes seus vêm fazendo forte campanha anti-Adriane Lopes, o que já assinala seu alinhamento.
Com relação às pesquisas, há para todos os gostos: em algumas, Rose Modesto tem larga vantagem; em outras, é Adriane Lopes quem lidera com folga. Contudo, as duas empresas que conseguiram captar melhor as tendências do eleitorado no 1° turno, a Quaest e a Atlas, apontam empate técnico. A julgar pelo perfil das candidatas (mulheres e conservadoras), pelos apoios (dividindo a direita) e pelos recursos financeiros disponíveis para cada uma delas, a tendência é que o resultado do 2° turno seja muito apertado.
Com relação aos possíveis impactos desse resultado, desenha-se um cenário político-partidário mais plural do que o esperado no início do pleito: o PSDB permanece hegemônico no interior, mas sem o domínio da capital. Uma vitória de Adriane Lopes fortalece ainda mais a senadora Tereza Cristina e o PP no cenário regional, consolidando-a como a grande liderança bolsonarista do estado, ao lado dos deputados federais do PL. Uma vitória de Rose Modesto, por sua vez, implicará no fortalecimento de mais uma agremiação de direita, o União Brasil.
Logo, em ambos os cenários, a centro-direita e a direita em conjunto saem fortalecidas destas eleições. Porém, as divisões e disputas internas neste campo, já muito claras e intensas em 2024, dificilmente serão superadas no curto e no médio prazos, armando-se uma estrutura de competição eleitoral com muitas fissuras, por entre as quais a esquerda regional pode encontrar espaço para tornar o sistema político sul-mato-grossense ainda mais plural, para além das direitas.
Daniel Estevão Ramos de Miranda é professor no curso de Ciências Sociais da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS).
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