Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Operação psicológica militar: a construção da mitologia Olavo de Carvalho, por Wilson Ferreira

Mesmo depois de morto, a operação psicológica continua: “Olavo de Carvalho deixou um legado”, para racionalizar (ou normalizar) as alopragens políticas de Bolsonaro e seus agregados. 

Operação psicológica militar: a construção da mitologia Olavo de Carvalho

por Wilson Ferreira

Como uma biruta de aeroporto, Olavo de Carvalho, falecido esta semana aos 74 anos, sentiu a mudança dos ventos geopolíticos: o tour global das “primaveras” da guerra híbrida da dupla Obama-Biden. E o Brasil seria o próximo alvo. Estancado na periferia do conservadorismo brasileiro, Olavão viu a oportunidade de surfar na onda alt-right norte-americana e virar um elemento na psyOp do golpe militar híbrido: foi levado ao estrelato como o “guru de Bolsonaro” e “ideólogo da extrema-direita brasileira”. De início, incensado pela grande mídia como “brilhante pensador” e faixas “#Olavo tem razão” nas manifestações verde-amarelas. Para depois, passar para a fase “o guru da ala ideológica do Governo” para blindar uma suposta “ala técnica” das políticas neoliberais. Mesmo depois de morto, a operação psicológica continua: “Olavo de Carvalho deixou um legado”, para racionalizar (ou normalizar) as alopragens políticas de Bolsonaro e seus agregados. 

“Qualquer autoridade civil, de qualquer dos poderes da República (…) tem livre acesso às unidades militares, para visitação ou para solenidades. No caso específico de Bolsonaro, o mais provável é que por já haver servido enquanto militar da ativa em unidades paraquedistas permanece o vínculo afetivo e pessoal com as brevetações (cerimônias de formatura)… Não cabe à Instituição julgar atitudes ou manifestações políticas de parlamentares”.

Dessa forma a assessoria de imprensa do Exército deu de ombros às exortações políticas do então deputado federal e candidato à presidência em um dos 11 eventos que participou dentro de instituições militares em 2018. Recepcionado aos gritos de “líder!” pelos aspirantes a oficiais da Aman (Academia Militar das Agulhas Negras), o candidato disse: “Parabéns para vocês. Nós temos que mudar este Brasil ok? Alguns vão morrer pelo caminho, mas estou disposto a, em 2018, seja o que Deus quiser, tentar jogar este Brasil para a direita. O nosso compromisso é dar a vida pela pátria, e vai ser assim até morrer”.

Assim deu início essa operação semiótica simultânea de (a)“normalização” de um candidato militar num sistema supostamente democrático que emergiu depois de duas décadas da ditadura militar; e (b) de uma sistemática estratégia de apagar os rastros ou as digitais do Partido Militar ou PMiG, Partido Militar Golpista (com todas as características de um partido como memória histórica e vocação institucional, Base ideológica, Pautas corporativas, Formação contínua de lideranças, Base eleitoral e militante etc. – clique aqui) que ocupou a cabeça, membros, entranhas e alma da máquina do Estado.

Essa operação ficou visível só a partir de 2018. Na verdade, a operação de transformar um obscuro deputado do Baixo Clero, saudoso da tortura e da ditadura militar, num candidato manchuriano começou em 2014. A partir do instante em que Dilma Rousseff foi reeleita – sobre isso, clique aqui.

Desde que o chefe do Executivo afirmou que “quando acaba a saliva, tem que ter pólvora” ao se referir à Amazônia em 2020, a grande mídia acelerou a operação psicológica da construção da imagem do presidente como um “golpista” cada vez mais politicamente isolado. 

Ou, pelo menos, como um membro que faria parte de uma suposta “ala ideológica” do Governo, para se contrapor a uma “ala técnica” liderada pelo superministro (Economia+Fazenda+Planejamento) Paulo Guedes e a “equipe econômica”.

Como este humilde blogueiro vem apontando, o rendimento semiótico dessa narrativa de “alas” que dividiria o governo é alto:

(a) O destaque dado pela mídia das falas de personagens aloprados do governo (“manchurianos” enterteiners) como a ministra Damares Alves, o ex-secretário da cultura Roberto “Goebbles” Alvim, o ex-ministro das relações exteriores Ernesto Araújo, o ministro da Saúde Marcelo Queiroga et caterva, com seus shows diários de negacionismo, anticomunismo e messianismo, reforça essa ideia da “ala ideológica”.

(b) Se existe uma “ala ideológica”, existiria seu oposto no governo: a “técnica”. Que reforça a imagem de uma suposta “tecnicidade” das políticas econômicas. Na verdade regida pela ortodoxia ideológica do neoliberalismo periférico;

(c) Dessa maneira, a grande mídia blinda o núcleo duro das políticas neoliberais destinadas à periferia geopolítica global – fiscalismo, monetarismo e Estado mínimo).

(d) Quando essa política econômica “dá ruim” (inflação, desemprego, exclusão social etc.) a culpa é da “ala ideológica” cujos arroubos “autoritários e golpistas” deixariam os “mercados nervosos”, afastando os “investidores”. 

(e) Em última instância, esses manchurianos enterteiners reforçam a operação psicológica de desmoralização da política e dos políticos para o distinto público – por exemplo, a CNN joga no ar a seguinte manchete: “Eleições de 2022 afetam dólar no Brasil” (03/01/2022). Em outros termos: política + ideologia = crise ≠ economia + tecnicidade = ciclo virtuoso, desenvolvimento.

Existiria uma “ala ideológica”?

Mas a construção da narrativa da “Ala Ideológica” que apague as digitais do golpe militar híbrido do PMiG deve necessariamente ter uma “cosmogonia”: de onde vieram todos esses “negacionistas”, “autoritários” e “golpistas”? É necessária uma narrativa inicial que descreva o pecado original, assim como no Gênesis bíblico.

O freela Olavo de Carvalho

E a origem de tudo estaria na figura do astrólogo e filósofo autodidata Olavo de Carvalho. Na semana da sua morte, aos 74 anos nos EUA, por todos os lados do espectro midiático (da esquerda à direita) via-se a expressão “o guru do bolsonarismo”. Mais improvável que a própria figura de Olavo de Carvalho, é ver a própria mídia progressista caindo nessa psyOp militar: a construção da mitologia do “guru”, como se aquela figura, um mashup de pastiches filosóficos e esotéricos, fosse uma espécie de Rasputin de um presidente elevado à condição de Czar.  

Depois de desistir de empregos no jornalismo nos anos 1970, Olavo de Carvalho começou a trabalhar como freelancer e aceitava trabalho onde aparecia, como, por exemplo, colaborador da revista esotérica Planeta. Colaborava com artigos principalmente sobre Astrologia. De trabalho em trabalho, de cursos em cursos autodidatas que oferecia, chegou aos seus últimos anos nos quais aceitou seu último trabalho freela, dessa vez oferecido pelas operações do PMiG (Partido Militar Golpista): encarnar o papel de ideólogo da alt-right tupiniquim e “guru Rasputin” que supostamente fez a cabeça de Bolsonaro. 

Mesmo no seu autoexílio nos EUA e ofertando cursos de filosofia e política online, aos poucos começou a ser incensado pela grande mídia, para começar pelo biógrafo do patrão Roberto Marinho, o jornalista Pedro Bial, desde os idos de 1996, numa entrevista na Globo em que o chamou de “polemista por excelência”.

Guerra cultural e guerra híbrida

Para ganhar ainda mais espaço na mídia tradicional no primeiro grande espaço no ano 2000: na revista Época das Organizações Globo, pelas mãos de Augusto Nunes para substituir a coluna do jornalista Franklin Martins.

Embora considerasse Julius Évola (associado profundamente ao nazismo e proponente do “Tradicionalismo”, visão de mundo popular nos círculos de extrema-direita alternativa de Steve Bannon) um “tradicionalista mentiroso”, a “visão” de Olavo de Carvalho era idêntica ao do pensador esotérico italiano: não há realização do progresso no mundo contemporâneo, mas uma crise da civilização, o adentrar da barbárie. Porque resultado do fortalecimento da “consciência coletivista” cujas ideia de igualdade era intrinsicamente perniciosa. 

Portanto, não é por menos que Olavo fagocita a questão da “guerra cultural” da alt-right norte-americana: primeiro, pela sua visão paranoica digna do contexto de O Pêndulo de Foucault, do Umberto Eco: cria uma narrativa de que precisamos buscar algo escondido, misterioso, que ninguém havia pensado antes dentro dos pensadores clássicos – de que haveria um grande complô dentro dos departamentos de Filosofia para esconder uma conspiração para destruir a civilização Ocidental; e segundo, tão esperto quanto uma biruta de aeroporto, percebe os ventos geopolíticos da aplicação dos conceitos de guerra híbrida da dupla Obama-Biden nas relações internacionais… e o Brasil como o próximo alvo do tour das “primaveras” promovida desde a primeira década desse século.

E, principalmente, como as Forças Armadas do Brasil absorveram o conceito de guerra híbrida do Departamento de Estado norte-americano: como se o País estivesse sendo alvo, sim, de táticas híbridas. Mas não dos EUA, mas do “comunismo viral” que se infiltrou em agências globais como a ONU e ONGs.

Continue lendo no Cinegnose.

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