11 Tópicos: como a nova religião hegemônica mudou o Brasil, por Walter Falceta

A nova religião de Pindorama faz muito bem aos Estados Unidos, e muito mal ao Brasil. Nela, Jesus é um elemento cada vez mais secundário.

11 Tópicos: como a nova religião hegemônica mudou o Brasil

por Walter Falceta

1) A mensagem humanista que vinha subversivamente na contracapa do catecismo católico está se esvanecendo. O mote de fé predominante no Brasil já é o evangélico, especialmente o de viés pentecostal.

2) Esse humanismo solidário, natural do ministério do carpinteiro, recuperado timidamente por João XXIII e o Concílio Vaticano II, foi aniquilado pelo Papa João Paulo II e seu sucessor, Cardeal Ratzinger, empenhados numa paranoica luta contra o “comunismo”.

3) No caso do Brasil, essa interferência desastrosa da Santa Sé desmontou e desabilitou as dioceses mais progressistas, enfraquecendo o papel apostólico dos bispos à esquerda. As Comunidades Eclesiais de Base, aglutinadoras do pensamento humanista, foram paulatinamente destruídas pela nova ordem. Restaram dessas experiências, grupos de resistência mistos e laicizados, como o MST, nascido no berço da Pastoral da Terra.

4) Sem viva interlocução com o divino, parcelas enormes da população, especialmente nos rincões rurais e periferias, lograram encontrar diálogos na indústria da fé evangélica. A Teologia da Prosperidade ganhou milhões de adeptos. A igreja se tornou também o lugar onde o jogador de futebol pede um gol, onde a moça do telemarketing “negocia” com Deus a compra de um Onix usado.

5) Os evangélicos sabem muito bem como fazer da fé um negócio de mercado. Nessa questão, replicam o pensamento calvinista como mola propulsora do capitalismo. Nem precisaram ler “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”, de Max Weber, pois são resultado direto de spin-offs do protestantismo puritano para exportação

6) Essa matriz calvinista faz do lucro um dever. O ganho pessoal valida a escolha divina. Dão-se bem os predestinados. É a base de um modo de vida individualista, egoísta e competitivo. Há quem diga que Calvino era um asceta e deturparam suas ideias. Ainda assim, sua visão da relação entre homem, trabalho e patrimônio serviu de base para solidificar a mentalidade e a práxis política burguesa.

7) No caso do pentecostalismo, soma-se a essa filosofia a ideia de que o Espírito Santo intervém diretamente nas questões humanas. A conquista da posse material advém, portanto, de uma relação devocional mística com a divindade. É uma troca mágica de natureza individual, que não depende da pratica da caridade, fundamento da interação confessional católica.

8) A fé evangélica pentecostal também contaminou o catolicismo. De um lado, as relações de troca, “penitência x graça”, de um Padre Marcelo. De outro, a estetização glamourosa da revelação divina por meio dos padres galãs cantores, como Alessandro de Campos.

9) No caso dos evangélicos pentecostais, aposta-se dia e noite na relação de “corpo”, no in-group, no antigo “nós contra eles”. Milícias como os “Gladiadores do Altar” são referências dessa versão miliciana da fé. São jovens uniformizados, fanaticamente robotizados, emulando a tropa convencional de um exército. Como precisam de um inimigo, ao qual atribuem os mais bárbaros defeitos, elegem de preferência as crenças afro-brasileiras e indígenas.

10) Nas pesquisas, o credo evangélico pode não aparecer formalmente como o mais praticado no Brasil. Ainda não. Mas efetivamente é o que reúne o maior número de fiéis praticantes. E são os postulados dessa fé que hoje balizam a ética informal e algo como um reformado direito consuetudinário. Essas ideias estão nos tribunais, nos times de futebol, nos ministérios e, sim, nas conversas do tios da padaria. Os pastores mandam. Qualquer bobagem dita por um pregador Claudio Duarte vira referência de conduta. Todas as fake news de púlpito ganham imediato status de verdade inquestionável.

11) A nova religião de Pindorama faz muito bem aos Estados Unidos, e muito mal ao Brasil. Nela, Jesus é um elemento cada vez mais secundário. Afinal, não interessa fazer propaganda de um carpinteiro cabeludo, que andava com pescadores renegados, que fazia “SUS” no deserto, que defendia “adúlteras”, que ceava com prostitutas, que contestava a elite hipócrita dos fariseus, que valorizava as mulheres e, sobretudo, que “dava pau” nos especuladores do templo. A religião pilar no fascismo nacional não se demoraria a investir contra o Cristo que deliberasse retornar à Terra. Solidário, generoso e dado a partilhas, seria novamente pregado na cruz.

Redação

7 Comentários

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  1. Só colocaria no ultimo parágrafo, por um processo injusto, sem provas, direcionado, inquisitor e com o cumprimento da pena em segunda instância.
    Mas se ele fosse absolvido no STF? Pediriamos desculpas e vida que segue.

  2. “Solidário, generoso e dado a partilhas, seria novamente pregado na cruz.”:

    Siiiimmmmmm.

    Seria.

    Se estivesse disposto a “salvar” alguem.

    Essa eh a maldicao dos evangelicos.

  3. De fato, a ultima vez que abordei o mesmissimo assunto que ja estou denunciando por 2 decadas foi no comeco do mes passado, e porque americanos NAO sabem que evangelico eh arsenal de guerra, fui particularmente venenoso:

    https://m.youtube.com/watch?v=7UOkjClvK2o

    Estou nos comentarios. Mais uma vez: evangelicos dos EUA simplesmente NAO SABEM que sao ARSENAL DE GUERRA em outros paises.

  4. Será que eles se manteriam coesos depois de 15 anos de desconstrução no Jornal Nacional? O próprio poder público depois dessa enxurrada de tres lustros de mirianbonnersanderbergsmerdovais não enquadraria os ediresantiagosmalacraias?
    Edir, versiculo 171 paragrafo 1°: “O Espírito Santo não quer que você bata palmas. Ele quer que você bote a mão no bolso”

  5. O povo está cansado. Digo o povão, aquele que levanta cedo, enfrenta transporte público lotado na ida e no retorno do trabalho.
    Sociedade brasileira é bem complexa, qualquer pessoa com boa formação e ‘antenado’ com a realidade cotidiana sabe disso.
    Bem agora, vamos ao ponto abordado pelo texto. Me parece que superestimam a força das igrejas neopentecostais (não que possam ser subestimadas). Mas a realidade é bem complexa.
    Estas igrejas somente computam no número de seus membros aqueles que passam à fazer parte, frequentar um templo. Nunca aqueles que saem. E quem conhece um pouco o meio evangélico, sabe que a mudança de igreja, ou melhor dizendo, denominação, é muito comum. Exemplificando: o crente frequentava a Igreja Universal. Em dado momento, passa a frequentar a Renascer em Cristo. Ou qualquer outra ramificação.
    Assim, a movimentação de fiéis de uma igreja para outra é frequente. Oras, as disputas entre pastores de diferentes igrejas são mais comuns que pensamos. Se alfinetam entre si. E alguns fiéis vão na onda.
    Existem muitas igrejas que abrem e por inviabilidade (econômica?) fecham; seus fiéis vão buscar outros templos religiosos.
    Temos também aqueles que deixam de frequentar por decepção (religiosa, política) uma igreja.
    Uma coisa é clara para mim, todos exemplos acima, quando perguntados qual a religião, se dizem evangélicos, mesmo que não frequentem uma igreja no momento. O censo é o espelho disso.
    Outro ponto; as seitas evangélicas tem avançado na classe média. Tanto que o discurso de algumas igrejas foi se modificando para abranger esse público. E lamentável, a classe média brasileira deixa um pouco à desejar. Talvez por deficiências educacionais. Oportuno um texto aqui no blog, tratando sobre o desastre brasileiro na educação. Privada, justamente onde parte considerável da classe média matricula seus filhos.
    Observo que análises sobre evangélicos ainda estão longe realmente do esse meio realmente é. Bem, essas seitas de uma certa forma refletem a complexidade da sociedade brasileira.
    São percepções minhas, católico, casado com evangélica (hoje não frequenta nenhuma igreja…).
    Agora, simplificar como vejo algumas análises, chegando ao absurdo de tratar esse público como passivos, com obediência cega à um líder, é de lascar…

  6. Um artigo revelador , e que mostra a face maligna do pentecostalismo evangélico. É uma religião de base puramente capitalista que se aproveitou do vácuo de poder gerado pela própria Igreja Católica, que agora amarga uma grande perda de seguidores e de poder consequentemente. É lamentável e extremamente importante é perigoso.

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