A “blitzkrieg” de Bolsonaro, por Ricardo Cappelli

É um erro avaliar os movimentos de Bolsonaro pelos paradigmas que nortearam o jogo político desde a redemocratização. Nunca tivemos um governo de extrema direita como estamos experimentando.

A “blitzkrieg” de Bolsonaro

por Ricardo Cappelli

Qual foi a reação do Capitão quando vazou sua fala sobre “os Paraíba”?
Atacando o politicamente correto, fez piada sobre a cabeça dos nordestinos, atacou “aquele cara” Flávio Dino, constrangeu Rui Costa no caso do aeroporto e disse que os governadores do nordeste querem dividir o país.
Em seguida, demoliu a comissão sobre mortos e desaparecidos políticos declarando: “ mudou, o governo é de direita”. Passou o trator por cima do INPE. Quando o chanceler francês esboçou pautar a questão ambiental, cancelou a reunião e foi fazer uma “live” cortando o cabelo.
O que fez o presidente quando a OAB defendeu o Estado Democrático de Direito? Atacou os conselhos profissionais, ironizou o assassinato pela Ditadura do pai do presidente da Ordem e mandou romper o contrato de seu escritório de advocacia com a Petrobras.
Por fim, a PF solicitou e a juíza autorizou a transferência de Lula para um presídio. O ex-presidente só não está em Tremembé porque o STF, num lampejo garantista, impediu.
Para ficar mais claro o raciocínio, vamos voltar no tempo. Bolsonaro disse que não haveria partidos na Esplanada. Todos diziam que seria questão de tempo ele recuar. Já estamos em agosto e nem sinal da volta do famoso presidencialismo de coalizão.
A reforma da previdência caminha de vento em popa, a comissão especial da reforma tributária já está montada, partes da Petrobras estão sendo vendidas com aval do STF e outras privatizações estão a caminho.
É um erro avaliar os movimentos de Bolsonaro pelos paradigmas que nortearam o jogo político desde a redemocratização. Nunca tivemos um governo de extrema direita como estamos experimentando.
FHC montou um governo chamado de neoliberal pela esquerda. Lula assumiu, manteve o tripé macroeconômico e levou um Tucano para a presidência do BC. Não vai aqui nenhuma crítica aos ex-presidentes.
Fica apenas uma constatação: apesar das nuances, mais fiscalista, mais social, mais nacionalista e etc., nenhum dos dois questionou os paradigmas. Paulo Guedes chama os dois de sociais democratas. Ninguém ousou dizer com todas as letras o que Bolsonaro disse: “estou aqui para destruir”.
Conselhos profissionais, agências reguladoras, jornais, estatais “sagradas”, leis ambientais, auto-escola para tirar carteira de habilitação, terras indígenas, ong´s e até tomada de três pinos, fora! Mudou, agora é direita!
O presidente marcha em sua revolução permanente, uma verdadeira “blitzkrieg”, deixando seus adversários permanentemente impressionados, respondendo por impulsos.
A cada declaração “Não é possível!”, “Onde ele vai parar?”, ele dobra o número de tanques e aumenta a velocidade, decapitando por puro sadismo algum jornalista pelo caminho.
Ao radicalizar, Bolsonaro arrasta conscientemente o eixo da política para a extrema direita, subindo muros de contenção em torno de seu eleitorado.
Um eleitor de FHC poderia depois votar em Lula. Alguém imagina um bolsonarista votando na esquerda? São choques diários de ódio e fake news demarcando o território.
A conta é simples. O presidente tem 30% de ótimo e bom. Cerca de um terço da população aprova suas declarações. Se mantiver este eleitorado cativo, ou mesmo algo perto disto, fecha a porta pela direita e se mantém competitivo. Desde que a esquerda faça o jogo dele.
A cada pancada de Bolsonaro ele reza por uma resposta radical vinda da esquerda. A sedução dos pólos é imensa, é prazeroso se sentir amado por sua bolha. Na atual conjuntura, numa disputa entre pólos radicalizados, quem seria favorito?
A travessia será longa. O desafio é conjugar resistência serena e firme com a máxima amplitude. Não parece haver outro caminho.
Redação

5 Comentários

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  1. “Ninguém ousou dizer com todas as letras o que Bolsonaro disse: ‘estou aqui para destruir’.”

    Exato. Bolsonaro, como profundo privatista que é, pretende destruir todas as instituições estatais, públicas e democráticas. Isso é compulsivo: basta lembrar de seus atos quando estava no exército.

    Mais tarde, já na Câmara, percebendo a estatura do Congresso em relação à sua pequenez, fez o que todo pequeno faz: trabalhou não para o Congresso e sim para se dar bem pessoalmente, ele próprio e sua família (incluindo aí as milícias).

    Bolsonaro e golpistas reclamam, dizem que não se enquadrarão, que não se engessarão pelo politicamente correto. Só que o que se exige não é o politicamente correto (seja lá o que isso signifique), é o minimamente civilizado.

    Não tem como confundir: se se deseja Democracia, as pessoas podem propor qualquer coisa exceto destruir a Democracia, já que é, ela própria, a garantia de Liberdade. Quem pretende viver em sociedade tem que ter claro que leis restringem, que não existe esse negócio de “liberdade é fazer tudo o que der na telha”, como querem os privatistas. Fazer tudo o que dá na telha é isso aí, que estamos vendo: barbárie e vandalismo, vence o mais agressivo, mais destruidor, franco atirador estadunidense.

    Não gosta de regras, que se isole. Ou isso ou a sociedade o isolará ou se destruirá a si mesma.

  2. Não parece haver outro caminho, diz Ricardo Cappelli. Ele está reafirmando o dito em 29/04/2019 neste GGN.
    Naquela artigo de abril, ele apontou claramente o obstáculo: “Ao aprisionar o PT consigo em Curitiba, Lula (…) embota a possibilidade de construções políticas mais amplas, caminho pra alteração da correlação de forças”.
    Para a união dos democratas contra o fascismo só falta convencer Lula e a corrente dominante do PT. Ou não ?

  3. Por enquanto ainda não temos, de Bolsonaro, o exercício cruel do poder…
    o que o povo perdeu até agora nem foi notado

    mas assim que começar a faltar comida na mesa para os filhos nos grandes centros urbanos, acredito que alguém vai ter que apresentar uma solução que não esta quase apatia política e institucional que temos hoje diante de tanto uso indevido do poder ou uso só para destruir o que o povo já conquistou com outros governos, incluindo os de direita

    não podemos esquece que faltar comida para os filhos na cidade é diferente de faltar nos sertões

  4. Que é isso cumpade? A conclusão é que “na atual conjuntura, numa disputa entre pólos radicalizados, quem seria favorito?” E que nós devemos fazer uma “resistência serena e firme com a máxima amplitude”.

    Ora, isso significa que para o autor a polarização é ruim! Como se ela fosse artificial, produto de mau-comportamento ou manipulações midiáticas, e não produto de uma disputa gigantesca sobre o rumo político do país!

    Vamos deixar claro: o país está polarizado porque 1) houve um golpe de estado em 2016 (anulação de 54 milhões de votos e remoção de governo à força); 2) Lula, o maior líder político do país, foi preso pela operação lava-jato (que hoje todos sabemos muito bem o que é) num processo absurdo, sem crime e sem provas; 3) Foi realizada uma eleição totalmente fraudulenta, que infelizmente a esquerda validou com sua participação;
    4) O governo produzido por todas as aberrações citadas anteriormente que implantar uma ditadura militar no país ELOGIANDO ABERTAMENTE OS PORÕES DA DITADURA!

    É óbvio que a polarização é a expressão de uma divisão brutal que existe na sociedade sobre o rumo a ser seguido, e enquanto persistir essa divisão, a polarização só vai aumentar. Essa idéia de que se vai construir um centro político novamente com “resistência serena e firme com a máxima amplitude”, como você diz, é uma ilusão total. A corda está perto de arrebentar, na verdade. O país está como uma panela de pressão, todos, os bolsonaristas, a esquerda, a burguesia, a mídia, as intstituições, todos estão sob forte pressão.

    Na verdade, vamos olhar para nossa própria história: a ditadura militar só foi derrubada com a mobilização operária nas ruas e em greves gerais. Ou seja, esse tipo de gente só se derrota com REAÇÃO ATIVA nas ruas, isto é, com força popular, e não com resistência passiva de congresso e rede social.

    Para mim e para muitos o caminho é claro: manifestações de rua semanais com a bandeira fora Bolsonaro. Não precisam ser todas grandes, mas precisam ser constantes.

  5. Parabéns pela lucidez e, cada vez mais, capacidade de fazer a analise concreta da realidade concreta, Capelli. O capetão está em sua cruzada contra o socialismo e os socialistas. Mantém admirável apoio de amplos setores, baseado no anti-petismo, uma doença infantil sem cura aparente… A longa ‘travessia’ é o que nos inquieta, por que não se sabe se para o melhor ou pior dos destinos… Saudações e mãos à obra nos desafios da temperada luta de classes do século XXI, com ainda mais flexibilidade tática e firmeza em princípios, sobretudo àqueles, cujos pilares dizem respeito a liberdade e a humanidade.

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