Fernando Horta
Somos pela educação. Somos pela democracia e mais importante Somos e sempre seremos Lula.
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A licença poética, o merecimento e a violência, por Fernando Horta

A licença poética, o merecimento e a violência

por Fernando Horta

Em 1864, Lincoln fez um conhecido discurso em Baltimore onde ele demonstra a força das narrativas. Lincoln afirma que a ideia “liberdade” é uma ideia vazia sem o contexto e, para mostrar isto, ele fala dos lobos e as ovelhas. Se um lobo evocasse a liberdade seria certamente a liberdade de matar, de predar, de impor violência, enquanto a liberdade evocada pelas ovelhas seria exatamente no sentido oposto. Para as ovelhas, a ideia de liberdade seria viver sem a opressão, sem a violência e o medo. Lincoln demonstrava a importância dos contextos mais do que das ideias abstratas.

Mais ou menos na mesma época (1846), do outro lado do Atlântico, Karl Marx escrevia a mesma coisa, de forma acadêmica. Em “A ideologia alemã”, Marx, em companhia com Engels, denunciavam o idealismo em oposição às realidades concretas. Em defesa da concepção materialista da história, Engels e Marx diziam não haver um “homem ideal”, assim como não havia “liberdade” em sentido abstrato, mas apenas aquelas que se dão ao disfrute material nos contextos humanos. Nem liberdade, nem bondade, maldade, violência … nenhuma noção despojada de seus contextos e condicionantes materiais poderia fazer parte de qualquer análise materialista da humanidade.

Em uma destas ironias que a Senhora História nos proporciona, quase dois séculos depois e uma quantidade imensa de livros não lidos, algumas pessoas acreditam que os dois personagens mencionados seriam, de alguma forma, polos irreconciliáveis numa discussão que leva – vejam vocês – a brasileiros (que nunca leram nem Marx, nem Lincoln) a reproduzirem padrões de ódio um pelo outro. Na mesma semana da morte de Marielle, quando desembargadoras e coronéis usavam a expressão “bem feito” ou “já vai tarde” para legitimar a selvageria, Lula fazia suas caravanas pelo país. Na semana seguinte, uma senadora cujo marido foi prócer da ditadura, parabenizava e incentivava a violência contra quem acompanhasse a caravana do ex-presidente. Ao mesmo tempo, um diretor de cinema brasileiro contava, na Netflix, uma história de como a Chapeuzinho Vermelho esquartejou e comeu o Lobo Mau, e o governador de São Paulo afirmava que Lula “colhia o que tinha plantado”.

É claro que as batalhas pelas narrativas são parte das lutas políticas. É claro que uma obra de arte tem espaço para a “licença poética”, e é também evidente que ninguém precisa concordar com a esquerda e apoiar caravanas pelo Brasil. Contudo, lembrando de Marx e Lincoln, é preciso que se verifiquemos os contextos.

Enquanto parte da esquerda brasileira reivindica resistência mais aguerrida e vistosa (e dentre eles, este que vos escreve), a posição de Lula tem sido estritamente institucional, apaziguadora e respeitosa. Não importa as barbaridades que contra ele sejam produzidas (e temos livros muitos já a este respeito), Lula se mantém negando o recrudescimento da violência, evitando que sua popularidade e apoios políticos sejam usados para propiciar confrontos, e com esperança nas instituições. Há quem classifique isto como um “republicanismo infantil”, doença que teria acometido também a ex-presidente Dilma, mas inobstante ao que se possa dizer, a postura de Lula é – do ponto de vista da legalidade – irretocável.

Do outro lado, como uma turba de fascistas insandecidos, todas as lideranças de direita (ressaltando-se as exceções de Fernando Henrique Cardoso e Reinaldo Azevedo) vêm elevando o tom das ameaças e apoiando atos de violência política, racismo, preconceito que já estão – há muito – no campo da selvageria. Bolsonaro, de quem não se espera muita coisa, tira fotos simbolicamente atirando na cabeça de Lula; a referida senadora – que dizia oferecer “testemunhos neutros” sobre a política nacional durante décadas no RS – bate palmas e incentiva o uso do relho contra opositores políticos. Destas duas figuras, a bem da verdade, não se pode querer qualquer tipo de raciocínio mais elaborado e, embora a suas atitudes sejam desprezíveis, estão dentro do que se espera de ambos em termos de capacidade intelectual e comprometimento civilizatório. Padilha e Alckmin, no entanto, foram sonoras desilusões.

Padilha deve se lembrar que “obras de arte” são reflexo de seus contextos e, sempre participam das construções de sentido políticos dos tempos em que elas são produzidas. Talvez, se ele soubesse ler (!), entenderia que as inversões de sentido que realizou em sua “minissérie”, longe de serem “licenças poéticas”, são “licenças políticas”. E, em um momento de acirramento das disputas e supressão da democracia, não se estão aceitando violações da empiria factual em troca de argumentos estéticos. Fazer de um capitão do BOPE um herói torturador no imaginário conservador da classe média já é ruim, mas distorcer discussões políticas e inverter sentidos de narrativa no meio do debate histórico-político é tão baixo quanto as narrativas sobre Marielle ser “mulher do tráfico”. O cinismo esteticamente palatável não faz de uma narrativa empiricamente verdadeira ou politicamente significativa. No fim, sobra apenas a baixeza ética do artista e sua inafastável pequenez.

O governador Alckmin, que parecia querer aglutinar o campo conservador civilizado ao redor de si, parece recair no bestial e no campo da selvageria. Alckmin, que fez o paulistano literalmente tomar merda (perdão pela palavra) na água, enquanto pagava bons dividendos aos acionistas da SABESP, deveria pensar que nem tudo o que se colhe foi plantado. De outra forma, não deveriam ser tomates o que arremessado em protestos contra o presidenciável do PSDB. E, embora a polícia de Alckmin e do PSDB tenha o maior índice de letalidade (mais matam gente) do mundo, ninguém no campo da esquerda desejaria ao presidenciável da OPUS DEI outra coisa que não uma vida longa e próspera.

A diferença, portanto, é gritante. Enquanto na esquerda as lideranças fortalecem as instituições, acreditam na constituição e agem totalmente dentro da legalidade e do padrão civilizatório que pensávamos ter o Brasil atingido como um todo, tudo o que a direita tem a oferecer é uma luta interna pelo apoio das bestas fascistas desenjauladas. Bolsonaro, Ana Amélia, Padilha, Doria, Alckmin e todos os outros incentivam todas as formas de violência ao mesmo tempo que – no uso de suas “licenças poéticas” – tentam afirmar que são democráticos e civilizados.

É claro que eu posso contar que o caçador matou o Lobo, a Chapeuzinho Vermelho, a Vovó e mais quatro ou cinco pessoas da vila porque estava defendendo a “liberdade” contra o comunismo. Lembrando Lincoln e Marx, no entanto, as manchas de sangue e os furos de bala denunciam exatamente quem atirou e quem foi vítima. E a Senhora História, apesar de irônica, tem boa memória e é difícil ser enganada.

Fernando Horta

Somos pela educação. Somos pela democracia e mais importante Somos e sempre seremos Lula.

8 Comentários

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  1. O seriado da netflix não

    O seriado da netflix não passa de doutrinação neoliberal escancarada.

    No seu último programa Jesse Souza falou que numa das primeiras cenas dessa série o persoagem do Selton Melo diz que a dívida pública pública e os juros não são  responsáveis pela míseria e tal… !!!!

    Doutrinação escancarada!!

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=HaNz_V7Np_c%5D

  2. Se a esquerda …

    Se a esquerda democrática e a direita liberal ficarem se demonizando cairemos no fascismo ou em um regime fechado de esquerda.

    Se querem sangue este é o caminha mais curto.

  3. Um texto que nos lembra duas

    Um texto que nos lembra duas coisas: o quanto a PALAVRA é ferramenta de persuasão levando pessoas a sentirem / reagirem de acordo com o discurso que compram,  e o quanto no Brasil de hoje, definitivamente vivemos num “mundo-matrix”, onde Padilhas, Alckmins, Globo, e até Bolsonaros, inoculam seu esgoto psíquico e ideológico nas mentes de milhões de pessoas…..  Como conseguem? Parece ficar óbvio que o nível de nossa Educação, tão miserável há séculos, não permitiu a formação de uma sociedade minimamente capaz de raciocinar sobre ideias, ideologias, e até sobre a realidade.  É como a história do ovo e da galinha: nossa classe média é reacionária e fanática porque é ignorante, ou é ignorante porque é reacionária e fanática?

  4. Só uma observação ao

    Só uma observação ao excelente post = FHC e RA realmente não estão estimulando os doidos a acendenderem o fósforo dentro duma casa cheia de gasolina, MAS é importante lembrar que ambos contribuíram muito para que os doidos espalhassem gasolina dentro da casa. Lembremos que RA não combateu com a veemeencia que tem hoje o vazamento ilegal permitido por Moro do aúdio entre Lula e Dilma que impediu Lula de ir pra casa civil e quem sabe impedir o impeachment de Dilma. Mas quis o destino (ou deus, no caso do religioso RA) que fosse justamente um grampo que fizesse cair em desgraça ( que coisa feia alguém que se diz tão corajoso não ter peito de dizer aos colegas de Veja que achava a capa com o seu querido Aécio um nojo ) e ter sido demitido de Veja e da JP e hoje ter que se contentar com BandNEws e RedeTV. 

  5. Tite pede licença… E adere alegremente ao Golpe!

    Será que só eu estou horrorizado com esta aventura política na qual embarcou nosso Técnico? Será ele tão ingênuo e inocente assim a ponto de não entender o que o Banco Itaú representa hoje? Simplesmente o maior cliente da Rede Globo e o patrocinador master/master da CBF? Quando ele tenta fazer uma preleção pré-jogo no vestiário com palavras de ordem tipo “a recuperação virá” ele tem a exata noção de que esse é exatamente o discurso do Golpe? Que decepção Tite… Pensando bem, decepção nenhuma!

  6. Explorando a ignorância e inocência

    Desde sempre a rede Globo (principalmente) cria narrativas aproveitando o roteiro das novelas, o jornalismo enviesado, programas de auditório e etc. explorando temas de moda e sinalizando doutrina em favor de teses globais às quais esta emissora serve. A NETFLIX não tem feito nada diferente, mas exagerou a dose e evidenciou a manipulação, coisa em que a rede Globo é mais discreta. Isso reforça mais ainda a necessidade de redemocratização dos meios de comunicação e, ainda, cortar vínculos – principalmente digitais – com a economia global colonizadora, pelo menos durante o tempo em que possamos preparar o povo para pensar por sim mesmo.

  7. Linhas tortas

    1 – Sobre “lideranças da direita”- FHC, até onde sei, não se pronunciou sobre o caso dos tiros no Paraná, e para alguém com sua preocupação em aparecer bem na foto de jornais internacionais, que condenaram o fato, segurar a vaidade para manter-se calado diante do descalabro é um sinal notório de “quem cala, consente”; Reinaldo Azevedo não é propriamente uma liderança da direita, da qual se apresenta como a exceção porque preza a própria inteligência e a vaidade profissional como jornalista – também após algumas rasteiras, como bem lembrado pelo comentarista Joel nesta seção do GGN. Sobre ele em particular, que não acompanho, li a opinião sobre o caso exclusivamente pela citação favorável neste post, e porque eu perguntei, em outro comentário que fiz a um post de rede social reproduzido neste GGN, quem na direita não teria apoiado a barbárie: no texto que li o sr. Reinaldo Azevedo não faz uma condenação da violência como um mal em si mas apenas uma declaração formal de que extrapolou um limite por ser crime e, do ponto de vista político, ser uma estratégia “xucra”, como ele costuma dizer para se diferenciar da sua turma/turba, mas reforça, por outro prisma, a lorota de que a violência é ruim porque dá ao PT e à esquerda uma aura de vitimização e aumentaria supostos consequentes ganhos políticos. Qual a diferença entre seu cinismo estratégico e analítico e a da direita xucra com a qual concorre e, especialmente por esse motivo, da qual se coloca ligeiramente deslocado no espectro ideológico? Não será o apelo à violência física brutal consequência direta e indireta e reflexo da campanha de violência simbólica pregada também por supostos civilizados, que ao fim e ao cabo, também demonizam a esquerda e alimentam um imaginário monstruoso que chega, no limite, ao que se presencia nas ruas há pelo menos 5 anos, tornado um fato político desde as famigeradas jornadas de junho de 2013? Alimentam as bestas e quando elas agem com autonomia conforme as mensagens introjetadas, os que não comemoram em público reclamam apenas porque se exagerou na dose e teve resultado inverso ao pretendido? A alegação do mencionado jornalista é de que a violência foi uma estratégia ruim porque deu à caravana um “sucesso” e repercussão que não teria de outro modo, ou seja, desculpe pelo trocadilho, os tiros desferidos teriam, estrategicamente, saído pela culatra, onde cabe a pergunta: e se a caravana, conforme a hipótese contrária dele, tivesse sido um sucesso de público e crítica por conta própria, e se os tiros tivessem resultado na intimidação e “escorraçamento” dos adversários – esta a intenção original, é bom não esquecer, que devido ao seu fracasso chegou aos tiros, uma ameaça há muito feita e concretizada depois de dias de provocação e episódios variados de violência comemorados e incentivados até por senadora eleita – teria sido justificada? Me parece que as alegadas qualidades de sobriedade do referido jornalista se devem mais à sua disputa interna com a, chamada por ele, direita xucra, em nome de sua vaidosa, e suposta, inteligência estratégica e jornalística do que sua diferença substancial da chamada turba; é mais um caso de forma que de conteúdo. 

    A gente percebe que o Brasil está mesmo no fundo do poço quando quem escreve em blogues progressistas tem como padrão de civilidade excepcional da direita um jornalista com esse tipo de argumento, o que não deixa de ser coerente com um país cujo iluminista da mais alta corte judicial, a serviço de uma empresa de comunicação, vira meme por seus bate-bocas em plenário dignos de reality show (misto de BBB e Casos de família). 

    2 – Sobre a decepção do autor deste artigo de opinião com o Kimneasta Patrulha e o santo do discurso oco de SP, se foi ironia eu não entendi. Se é verdade, eu realmente não entendo mais nada nesta famigerada polarização: o autor queria uma reação “mais aguerrida e vistosa” da esquerda e tinha ilusões sobre personagens como esses patéticos oportunistas da direita, que nunca enganaram ninguém minimamente atento e que têm em comum a exploração da violência, cada um para seus propósitos específicos, do cine(i)bope ao pcc, e a dissimulação de neutralidade como membrana para serem blindados pela mídia porcorativa enquanto lucram, de diversas maneiras, com a estetização, e despolitização, da violência urbana que por vias diretas e indiretas, ajudam a cronificar. 

     

    3 – Mais uma vez, a prova de que o povo que não lê, e pode ser analfabeto da cultura ocidental mas aprendeu a ler o mundo e as pessoas, parece saber a quem dar ouvidos: um líder que respeita as instituições, e em seu “republicanismo infantil”, tem feito muito mais pela democracia e pelo desenvolvimento do país em período de turbulência em que ele é literalmente o alvo da fúria classista, levando ao povo a mensagem de esperança e luta pacífica por seus direitos – com o que desvela o autoritarismo e a luta de classes à brasileira melhor que dezenas de acadêmicos marxistas, estratégia que o jornalista isentão-à-direita Azevedo alerta aos seus xucros que não amplifiquem -, do que “revolucionários” viris que mesmo citando Marx parecem não ter entendido a essência de suas idéias quando depositam suas ilusões em “idéias-de-carne-e-osso” que são a antítese da forma de pensamento daquele, que por linhas diretas, entortadas por alguns de seus intérpretes, concorda com Lula e o povo iletrado que o segue: 

    “”Não é a consciência do homem que lhe determina o ser, mas, ao contrário, o seu ser social que lhe determina a consciência.”

    “Os filósofos limitaram-se a interpretar o mundo de diversas maneiras; o que importa é modificá-lo.”

    (fonte: citador.pt)

     

     

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=vNfVo_5Delc%5D

    https://www.youtube.com/watch?v=vNfVo_5Delc

     

     

    Sampa/SP, 30/03/2018 – 17:13

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