A radicalização é necessária, o desespero não
por Francisco Celso Calmon
Não se corrige erros históricos com medidas aparentemente lógicas mas de consequências imprevisíveis.
Há pelo menos duas décadas a esquerda abandonou a formação e organização dos trabalhadores e estudantes. Divorciou-se das bases e como profissão de fé seguiu a cartilha da conciliação de classes.
A militância deixou de ser por ideologia para ser por cargo comissionado. Passou a caçar votos e viver de aparências. A esquerda cosmética avalia os resultados das ações pelas fotografias e não pelo saldo de organização e consciência.
Fomentar a organização e formação do povo em seus locais de moradia, de trabalho e de estudo, é uma receita antiga, e perene, abandonada pela esquerda de viés institucional-eleitoral.
Espaços deixados de ocupar e as igrejas dos mercadores da fé e da ignorância ocuparam e se tornaram uma força política reacionária.
Para disputar esses espaços, embora ainda existam espaços vazios, não deve ser uma disputa religiosa: qual o deus é o Deus, qual a interpretação correta das histórias religiosas e suas doutrinas, etecetera, não será criando células para combater esses templos, não será uma disputa de quem é melhor cristão, quem é o melhor seguidor de Deus. Não será com disputa religiosa, de consequência imprevisíveis, que a esquerda irá corrigir seu divorcio com as bases sociais.
Fomentar a organização, a formação e a protagonização do povo na construção do seu destino não passam por levar religião para a política. A história é farta em exemplos de que essa mistura só fez o mal à humanidade: guerras, torturas, perseguições ao conhecimento e às mulheres (as bruxas).
Conhecer a história do Brasil, construir a consciência de rejeição e ter a concepção científica da história é o método permanente de organizar as bases.
Na década de 1960 para fazer frente aos partidos comunistas foi criada uma organização de inspiração na doutrina social da igreja católica, a Ação Popular, que, aproximadamente, uma década depois tornou-se marxista-leninista.
O desespero está levando a raciocínios cartesianos.
O Papa Francisco está colaborando muito na luta revolucionária, mas não fará milagre de corrigir em meses o que durou décadas de erros.
Os brasileiros que acalentam consciência politica e sensibilidade humana não conseguem mais suportar o saco de maldades do governo bolsonaro.
Em diversos artigos afirmei e repeti, como mantra, que o projeto do governo é destruir a plataforma civilizatória construída do advento da Constituição cidadã até o golpe de 2016.
Para isso, se apoia nos militares subalternos à geopolíticas dos EUA, nas togas deformadas que manipulam leis como arma de guerra política (Laware) e as milícias como força armada auxiliar ao projeto nazifascista.
Muito se fala e escreve em construir uma(s) Frente(s) unitária de luta e fica-se girando na discussão do tipo de frente, sua amplitude e limites de composição, e pouco ou nada de avanço.
Por que uma frente tem que ser majoritária?
Se pensarmos numa frente parlamentar majoritária, num Congresso conservador e reacionário, teria que incluir a direita responsável pelo golpe de 2016 e suas consequências (reformas trabalhistas, da previdência, congelamento dos gastos na saúde e educação). Certamente não seria viável, se o propósito for estancar o projeto bolsonarista- nazifascista.
Se pensarmos numa frente pluripartidária, a maior dificuldade será definir o objetivo, o escopo, capaz de aglutinar a todos os partidos contrários ao bolsonarismo. Qual será a palavra de ordem unificadora?
Uns advogam no “Fora Bolsonaro”, outros no “Não ao neoliberalismo”, outros mais no “Abaixo o nazifascismo-bolsonarista”, e ainda os que só enxergam frentes pontuais e eleitorais.
Confunde-se frente política, com frente econômica e frente eleitoral. Se os conceitos de frentes já são parte da dificuldade, a concretização mais ainda. E a cada tentativa, que não passa de alguns dias, vai somando desgaste e fortalecendo o inimigo.
Se os partidos do campo progressista priorizam as eleições, cabe aos movimentos sociais de massa e entidades de estudantes, trabalhadores, de intelectuais, artistas, juristas, articularem uma frente que tenha o propósito de ocupar as ruas, incialmente, mas não só.
Havendo consenso na palavra de ordem, que deve ter a capacidade de mobilizar o povo, e do teatro de operações – ocupação das ruas, o movimento tenderá a crescer. Que o Chile nos inspire!
As eleições americanas também terão influxos aqui no Brasil. O candidato Bernie Sanders combatendo o sistema e galvanizando a juventude tende a polarizar com o fascista Trump.
A mídia golpista não dará a cobertura devida ao Chile, a campanha do Sandders, caberá a mídia alternativa fazer. Deveria todos os dias informar aos seus leitores o que está ocorrendo verdadeiramente no exterior.
A greve dos petroleiros pode espraiar por outras categorias e termos uma onda de manifestações contra a política antipovo e antinação do dragão da maldade, Paulo Guedes.
A luta pela anistia começou devagar, 1974, teve seu auge em 1978 e a conquista parcial em 1979. O movimento pelas Diretas Já, iniciou no parlamento, em meio a descrença da maioria, e se tornou um movimento massivo, nunca antes havido na história brasileira, e também não alcançou vitória imediata.
O documentário “Democracia em vertigem”, da bela Petra, está e continuará a ser um instrumento de denúncia, mobilização e formação do nosso povo e da opinião pública do exterior.
Chico Buarque, Petra Costa, o Papa Francisco, com as armas da crítica, estão ensinando a fazer sem esperar acontecer. A FUP com a greve dos petroleiros está ensinado o camimho.
A história ensina, mas é preciso querer aprender.
Francisco Celso Calmon é administrador, advogado, coordenador do Fórum Memória, Verdade e Justiça do ES; autor do livro Combates pela Democracia (2012) e autor de artigos nos livros A Resistência ao Golpe de 2016 (2016) e Comentários a uma Sentença Anunciada: O Processo Lula (2017).
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