A Silenciosa Morte da Democracia, por Alexandre Sant’Ana

Um dos autores mais lidos no mundo, o brasileiro Paulo Coelho, desabafou via Twitter que “se os terroristas que atacaram o Porta dos Fundos não forem imediatamente punidos, isso vai empurrar o país para conflito de proporções gigantescas”

A Silenciosa Morte da Democracia

por Alexandre Sant’Ana

Em 2016, uma igreja evangélica na Indonésia foi atacada com coquetéis molotov e quatro meninas ficaram feridas – uma delas, de 2 anos, não resistiu e faleceu. Obviamente, (como não poderia deixar de ser) o ataque covarde foi chamado de ato terrorista, causado por um “terrorista islâmico”, como definiu o site Gospel Prime[1], que, segundo o site cristão Portas Abertas, jogou uma “arma química incendiária”[2] sobre as crianças.

Quando o atual presidente do país levou uma facada durante a campanha, três entidades da classe dos delegados federais e civis de São Paulo não demoraram em classificar o ataque como um “ato de natureza terrorista” inadmissível dentro do Estado Democrático de Direito e “que afronta os princípios mais básicos da democracia”[3]. O próprio Bolsonaro gravou um vídeo no hospital afirmando ter sido vítima de um ataque terrorista orquestrado pelo PSOL[4]. Para o PSL então, em post compartilhado por um dos filhos do candidato, o atentado terrorista ao atual presidente poderia ser comparado ao trágico “11 de setembro” (no qual morreram 2977 pessoas)[5].

Levando em conta estas duas situações acima e a negação por parte da polícia civil carioca de chamar o atentado ao “Porta dos Fundos” de terrorismo,  surgem algumas questões: O que é terrorismo? Só é terrorismo quando morrem pessoas? Para ser terrorismo precisa envolver um político importante? Terrorismo só quando é cometido por um islâmico ou contra políticos e grupos de direita ou conservadores?

Para Guilherme de Jesus France, mestre em história, política e bens culturais, e em direito internacional, autor do livro “As Origens da Lei Antiterrorismo no Brasil”, classificar o ataque ao grupo “Porta dos Fundos” como terrorismo pode banalizar ainda mais o termo, já tão banalizado pela direita brasileira, que qualifica até o MST como organização terrorista. Ele cita os três requisitos básicos para um ato ser enquadrado como terrorismo: 1) ser previsto em lei; 2)ser motivado por xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião; 3) provocar terror social ou generalizado. Segundo ele, o ataque foi motivado por homofobia e contra a liberdade de expressão, que estão fora “das possíveis motivações (previstas em lei) para atos terroristas”. Mesmo não concordando em chamar de terrorismo, ele afirma que o atentado faz parte de um contexto maior de crescimento da violência oriunda da extrema direita contra minorias[6].

De acordo com o jurista Walter Faganiello Maierovitch – que não gostou do episódio de Natal do grupo de comediantes – “A melhor definição que se tem de terrorismo […] é a de um sociólogo italiano chamado Domenico Tosini. Ele diz que o alvo direto do ato de violência terrorista não é o alvo principal”. Por conta disso, o ataque ao “Porta” foi sim terrorismo, pois o alvo direto seria a “liberdade de expressão”[7].

Um dos autores mais lidos no mundo, o brasileiro Paulo Coelho, desabafou via Twitter que “se os terroristas que atacaram o Porta dos Fundos não forem imediatamente punidos, isso vai empurrar o país para conflito de proporções gigantescas”[8]. Também pelo Twitter, o blogueiro Felipe Neto seguiu a mesma linha, deixando clara a sua indignação com o “ATENTADO TERRORISTA cuja repercussão se deu em jornais do mundo todo” e chamando o Presidente e seu Ministro da Justiça de canalhas, pois o silêncio de ambos sobre o ataque seria “um incentivo para outros atentados”[9]. Sakamoto também atacou este silêncio, que “se espalha como um vírus, infeccionando a democracia e oferecendo a fundamentalistas religiosos, fanáticos políticos, racistas, fascistas, incels, milicianos ou imbecis mal-intencionados a certeza da impunidade para que imponham mais medo”[10].

Para Reinaldo Azevedo não existe dúvida: foi um ato terrorista e devia ser classificado como tal. Segundo ele, definir de outro modo é dourar a pílula e “infelizmente, há quem evite chamar a coisa pelo nome porque prefere que Moro fique longe da investigação — a exemplo do que vê no caso dos respectivos assassinatos de Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes”[11].

Terrorismo ou não, o ataque à produtora do “Porta dos Fundos” foi algo extremamente grave, repercutido até em mídias internacionais importantes, como o New York Times, nos Estados Unidos, o Independent, na Inglaterra, e o Clarín, na Argentina[12]. O ato covarde, sem dúvida nenhuma, além de homofóbico, representa um atentado à liberdade de expressão e deixa evidente que a extrema direita perdeu o medo; os extremistas estão sentindo-se livres para atacarem violentamente quem eles consideram inimigos.

Tudo isso em nome de Deus, desejando impor um tipo de ditadura teocrática e militar aos moldes de “The Handmaid’s Tale”. Em 1984, ano do lançamento do livro, o enredo parecia algo totalmente distópico e distante da realidade, mas o modelo está cada vez mais perto de nós, pois no contexto atual cresce “a projeção de ódio contra muitos grupos” e “extremistas de toda denominação expressam seu desprezo às instituições democráticas”[13]. Pior de tudo é a lentidão destas mesmas Instituições Democráticas no enfrentamento a este autoritarismo conservador. O Presidente e seu Ministro da Justiça permanecerem calados, ou deputado de extrema direita apoiando o ataque, (infelizmente) não surpreendem mais. Entretanto, existem outras instituições que deveriam proteger o Estado Democrático de Direito e não é de hoje que elas também permanecem caladas demais, encolhidas no canto e com o rabo entre as pernas. Deste modo silencioso, nossa fraca Democracia – já tão defeituosa e desigual – permanece doente e correndo sério risco de morte.

Alexandre Sant’Ana – Historiador

[1] https://www.gospelprime.com.br/familias-perdoam-islamicos-queimaram-filhas/

[2] https://portasabertas.org.br/noticias/cristaos-perseguidos/criancas-ainda-se-recuperam-um-ano-apos-ataque

[3] https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/delegados-veem-ato-terrorista-na-facada-em-bolsonaro/

[4] https://www.brasil247.com/poder/do-hospital-bolsonaro-diz-que-facada-foi-terrorismo-e-acusa-psol

[5] https://www.cartacapital.com.br/politica/para-psl-facada-em-bolsonaro-se-compara-a-atentado-de-11-de-setembro/

[6] https://www.nexojornal.com.br/expresso/2019/12/26/O-ataque-ao-Porta-dos-Fundos.-E-a-defini%C3%A7%C3%A3o-de-terrorismo

[7] https://noticias.uol.com.br/colunas/chico-alves/2019/12/26/jurista-maierovitch-sobre-ataque-ao-porta-dos-fundos-e-terrorismo.htm

 

[8] https://revistaforum.com.br/brasil/paulo-coelho-faz-alerta-apos-ataque-a-bomba-contra-o-porta-dos-fundos/

[9] https://revistaforum.com.br/politica/felipe-neto-bolsonaro-e-moro-sao-canalhas-cujo-silencio-sobre-porta-dos-fundos-incentiva-outros-atentados/

[10] https://noticias.uol.com.br/colunas/leonardo-sakamoto/2019/12/27/silencio-de-bolsonaro-e-moro-soa-como-endosso-a-ataque-ao-porta-dos-fundos.htm

[11] https://reinaldoazevedo.blogosfera.uol.com.br/2019/12/27/ataque-ao-porta-foi-terrorismo-mas-ninguem-quer-moro-na-investigacao/

[12] https://veja.abril.com.br/mundo/imprensa-internacional-repercute-ataque-a-produtora-do-porta-dos-fundos/

[13] https://brasil.elpais.com/brasil/2017/05/12/eps/1494603374_701338.html

Redação

5 Comentários

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  1. Guilherme de Jesus France é um perfeito idiota, porque enumera que só é considerado atentado terrorista quando a motivação for “…2)ser motivado por xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião;”, para depois concluir que a ação contra a produtora do “Porta dos Fundos” foi motivada por homofobia e contra a liberdade de expressão… Argumento extremamente falacioso, de quem quer tentar encobrir sua concordância com o atentado! Lógico que esta besta é um cristão e quer “defender” seu deus!
    O “Porta dos Fundos” já interpretou homossexuais em inúmeros outros episódios, com os mais diversos personagens, jamais sendo alvo de qualquer ataque violento. O que diferencia o presente caso é que o alvo da insinuação de homossexualidade é Jesus Cristo, então a motivação foi sim religiosa… Ou para o imbecil só se considera motivação religiosa quando um ateu ou descrente ataca uma religião ou símbolo religioso? Então, casos em que religiosos atacam ateus ou descrentes no deus deles, não se configura mais motivação religiosa?
    O ataque não foi nada contra a liberdade de expressão ou homossexualidade, mas sim uma represália pelo fato do “Porta dos Fundos” ter “maculado” a figura de Jisus Crespo, apresentando-o como homossexual…

  2. Discordo fortemente do titulo: ” A Silenciosa Morte da Democracia”. Na minha opinião a democracia está morrendo entre gritos e uivos.
    Quanto a Deus, há muito já pulou fora deste inferno em que se transformou o Brasil.
    Mas há uma pequena esperança pois, algumas vezes, a bomba explode no saco do terrorista.

  3. Quanto à motivação religiosa, parece que não há dúvidas.
    Já o Delamanto, no Jornal da Cultura, falou que falta o item “3) provocar terror social ou generalizado”.
    Eu e muitos estamos aterrorizados.
    Sugiro que façam um abaixo assinado para reafirmarmos nossos sentimentos.

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