A tal da demanda efetiva – por que a Economia deve crescer?, por Nathan Caixeta

Ora, se o crescimento econômico é imprescindível, anotada sua ausência na longa montanha russa da Economia Brasileira ao longo do século, o que faz a Economia Crescer?

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A tal da demanda efetiva – por que a Economia deve crescer?

Homenagem ao mestre e amigo José Augusto Ruas

por Nathan Caixeta[1]

Os anos que se passaram desde a grande recessão de 2014, deixaram o Brasil com o ar insosso de quem nem respira, nem morre com a agonia de mais de 14 milhões de desempregados. A Pandemia nos fez suplicar por mais de 6 milhões de vidas ceifadas pelo vírus mortal, número que seria superado, caso a pressão do povo pela vacinação não tivesse atropelado o culto à anticiência praticado pelo Governo Bolsonaro. Findamos mais um ano, sentados nas gigantescas mesas de bar que se tornaram as redes sociais. Os temas dos mais variados fazem as pessoas grudarem os olhos nas telas dos celulares como calmante cotidiano contra as desilusões do dia-a-dia.

Na mesa de bar dos economistas, peço logo uma caninha para acompanhar os debates recentes sobre a escalada da inflação para qual toda explicação é válida até ser superada pelo medo de que o sonho da estabilização terminou. O arranjo macroeconômico que permitiu alinharmos, aos tropicões, a inflação às metas do Banco Central foi para o espaço. Indexados eram os preços e ativos financeiros, segurados pelas cambalhotas de uma conjuntura internacional favorável, e indexados permaneceram, sem capacidade de retorno aos patamares anteriores. Nosso Banco Central agiu como mulherengo assustado que ao ser pego na noite, confunde o chapéu de palha com as próprias calças, metendo os pés pelas mãos e chutando as taxas de juros aos patamares mais aviltantes. Deixando a bola de cristal para os economistas, me preservo dizendo: o problema da inflação nunca nos deixou sossegar, senão nos momentos em que a indexação seguia os termos bem comportados  do cenário internacional, dos preços de insumos essenciais à produção e dos preços administrados pelo governo. Contudo, como ladrão da meia-noite, a indexação reaparece sem nunca ter deixado seu posto, como prática que conecta o rentismo e a especulação financeira aos preços dos bens básicos.

Feitas essas considerações, vejamos como as interpretações dos economistas sobre o retorno da atividade econômica no pós-pandemia falharam ao achar que acertariam em algum momento. Os seguidores do ministro Paulo Guedes, confiavam na decolagem imaginária, na magia da recuperação em “V”, falsamente prenunciada pelo último trimestre de 2020, abortada quando a realidade chegou à Terra Brasilis. Outros, menos animados, viam como única saída a recuperação da Economia Internacional a partir do ambicioso Plano Biden que morreu na praia.

É hora de falarmos da tal Demanda Efetiva, conceito negado pelos confiantes defensores da Teoria das Expectativas, segundo os quais a efetivação das reformas de Guedes, somadas ao turbilhão especulativo da Bolsa de Valores trariam juntas o ânimo para a reativação dos Investimentos. No entanto, conforme verificado nos últimos dados divulgados pelo IBGE, nosso “novo normal” parece mais o antigo estado de coisas que nos acostumamos: crescimento mixo, desemprego e redução dos direitos sociais pela asfixia do orçamento trazida pelo Teto de Gastos.

No entanto, quem é essa tal de demanda, por que efetiva, perguntavam os economistas ortodoxos, em 1936, quando visavam as páginas da Teoria Geral de John Maynard Keynes? Opa! Nada de pânico, talvez fosse possível espremer o tal conceito mal compreendido em duas retas bem ajustadas, eliminando pela prática do rigor matemático a incerteza. Quando Michal Kalecki publicou resultados semelhantes em sua “Teoria da Dinâmica Econômica”, em 1954, não era mais possível esconder. Antes ainda, Joseph Schumpeter já havia publicado em sua “Teoria do Desenvolvimento Capitalista”, interpretação semelhante. Antes de todos, o velho Marx brindou os olhos atentos com as sementes do que viríamos a conhecer como Demanda Efetiva quando realiza no terceiro volume d’O Capital, um verdadeiro exercício de macroeconomia marxista. Deixo essas referências clássicas para aqueles interessados em se aprofundar no assunto, pois o que trarei a seguir é apenas um breve resumo esquemático.

Por que a Economia precisa crescer?

Estava no quarto ano da graduação, quando o amigo e professor José Augusto Ruas, o popular “Zeca”, lançou ao grupo de amigos que se reuniam na sala da coordenação do curso de Economia para surrupiar um cafezinho, tal pergunta aterradora que nos fez revistar todo o inconsciente do que havíamos aprendido até então. Sem resposta, como todo bom mestre salvando seus pupilos do constrangimento, explicou: “A Economia precisa crescer, porque na ausência do crescimento, ela anda para trás”.

Encucados, absorvemos a resposta como quem tenta ligar a simplicidade da resposta com a complexidade que ela trazia ao ser simplificada por quem respeita o bom conceito Aristotélico: “a boa definição é aquela que abarca tudo que pretende exprimir, sem nada abarcar fora disso”. Em bom português é o ato do ferreiro que de tanto forjar a lâmina, mais a corta com os dedos do que tem por ela os dedos cortados, pois o conhecimento assim expresso alcança a sua versão mais sublime: a transmissão, sem rodeios, fórmulas complexas, ou penduricarias de falsa erudição.

Sem aviso, a frase desferida pelo professor como daquelas pérolas que guardamos para vida, preservando-a na caixa-forte das lições que marcam o aprendizado, escondia em si o “Princípio da Demanda Efetiva”. Ao invés de reconstruir os argumentos de Marx, Keynes, Kalecki e Schumpeter, retornarei ao método Aristotélico para retirar do bom conceito seu sentido primeiro, desamarrando seus feixes, como quem abre uma caixa por dentro, procurando descobrir por suas fendas o conteúdo que abriga.

Ora, se o crescimento econômico é imprescindível, anotada sua ausência na longa montanha russa da Economia Brasileira ao longo do século, o que faz a Economia Crescer? Certamente não são as bravatas lançadas pelo governo no exterior, tão pouco o desempenho da Bolsa de Valores. As expectativas dos agentes econômicos, famílias, empresas, bancos e o próprio governo mudam com tamanha facilidade que resumir ao estado de confiança a rota para o crescimento é como jogar dados com um ilusionista, isto é, acertamos ao errar, ou erramos de tanto tentar. Assim se comportam os economistas, analistas dos grandes bancos, especialistas comandantes de fundos de investimento, sem falar nos sábios convocados para opinar no Boletim Focus. Ao contrário, é na frágil e falimentar astúcia do conhecimento humano que se inicia o Princípio da Demanda Efetiva.

Todos nós estamos submetidos à ignorância, quanto ao passado, pois não reunimos todos os dados para recompô-lo com fidelidade, tanto em relação ao futuro para o qual assumimos a solenidade do esquecimento, nos valendo apenas dos vestígios do presente, tão assustadores e mutáveis que aceitamos como certo apenas o amargo do café matutino. Tudo mais é incerteza irremediável contra qual nem os mais complexos modelos econométricos conseguem lutar. Como Keynes anotou em seu Treatise on Probability: mesmo o mais completo mapa de probabilidades é incapaz de fornecer qualquer certeza sobre o futuro, pois as interações humanas transformadas em variáveis numéricas sofrem da incontornável interdependência. O que fazer então, se ao consumir ou investir, necessitamos de certo grau de previsibilidade? Daí invocamos a tática do espelho, se assim posso parafrasear a explicação do mestre Maynard: “tomamos o futuro como reflexo do passado, confiando que, tudo mais constante, nossa ignorância possa ser absorvida pela sabedoria das multidões”. Afiançamos nossas ações na opinião da maioria, como quem vira uma dose para acompanhar a turma. Pois se os cálculos são inerentemente imprecisos, necessitamos da âncora das convenções sociais para nos guiar, quase sempre para o mesmo destino.

Não por menos, baseamos os nexos sociais na forma geral da riqueza, o dinheiro, convencionalmente reconhecido como aquilo capaz de adquirir, ou se transformar em qualquer coisas, pois persiste a convenção de que “eu aceito, tu aceitas, nós aceitamos” e assim prossegue desde as sociedades mais primitivas. Contudo, o que diferencia os tempos dos faraós, príncipes, reis e senhores daquilo que chamamos de capitalismo? Lá como cá, o dinheiro existe e nele fiamos nossa esperança socialmente compartilhada.

No capitalismo, entretanto, o dinheiro se torna o pressuposto das relações sociais, na substituição das armas, exércitos e territórios pela riqueza como sinônimo de poder. O poder mais elementar, de prover a própria subsistência é monopolizado por quem detém o dinheiro, portanto, os meios para fazer mais dinheiro, contratando àqueles que nada detém para deles retirar o trabalho que transforma elementos dispersos em mercadorias vendáveis. Daí nasce, da primazia do dinheiro sobre o trabalho, o poder da riqueza que transformou o homem movido pelos ritos da tradição, no individuo movido pelo saldo da conta bancária.

O dinheiro é capaz de transformar a incerteza compartilhada por todos, ou em tranquilidade absoluta, ou em ataques de pânico somente acalentados pela alienação do consumismo. Enquanto as convenções sociais constroem a ponte entre o passado e o futuro, o dinheiro cumpre a função de fixar tal ponte no presente, trazendo o “espirito animal” como denominava Keynes para impulsionar aqueles que detém a riqueza a abandona-la temporariamente, esperando que no futuro, o dinheiro volte com acréscimo, seja por meio do trabalho alheio, ou na forma de juros. Entretanto, as relações sociais são sempre sistêmicas e pensá-las do ponto de vista individual é o mesmo que analisar um temporal a partir de uma gotícula de água caída do céu.

Sistemicamente, o que move a economia, portanto, o que produz crescimento, é justamente a disposição da classe que detém a riqueza em se desfazer dela e  se lançar ao futuro desconhecido do investimento. Ao contratar trabalhadores, emprestar dinheiro, ou apostar no universo de títulos financeiros, todos os detentores da riqueza perseguem o mesmo objetivo (fazer mais dinheiro), por meios diferentes, mas intrinsicamente conectados. O empresário que se põe a investir, adquirindo máquinas e força de trabalho, olha para frente avistando as possibilidades de venda das mercadorias que quer produzir. O emprestador de dinheiro, notadamente os bancos, concedem recursos para que os empresários se aventurem na produção, cobrando uma taxa sobre aquilo que os empresários pretendem ganhar. Aqueles que adquirem títulos financeiros, adiantam recursos para os empresários, apostando que se efetivadas as expectativas de venda, o valor incialmente adiantado e compartilhado anonimamente com outros apostadores, seja acrescido pelo sucesso do empreendimento. Bom essa é apenas metade da história.

Para que o circuito mágico do dinheiro seja bem sucedido, três situações devem contribuir, acompanhadas de um adendo especial: O gasto de um forma a renda de outro. Um compra, outro recebe. Primeiro, os  salários pagos pelos empresários aos trabalhadores devem se converter em consumo, justamente dos bens que produziram com o próprio trabalho. Quando mais propensos ao consumo são os trabalhadores, mais a renda é capaz de circular, formando os lucros do empresário. O salário gasto pelo empresário é a renda do trabalhador e seu gasto é a renda do empresário. Entretanto, se assim permanecesse, no fluxo circular entre produção e consumo, ficaríamos eternamente na era da transmissão mecânica à manivela.

A segunda e terceira condições rompem o fluxo circular, conforme assinalou Joseph Schumpeter: a união entre a inovação tecnológica e o crédito que conectam os empresários, os emprestadores de dinheiro e os adquirentes de títulos financeiros, pois: imbuídos do ânimo inventivo da ciência ligada à administração empresarial, as tecnologias evoluíram de modo a ampliar as escalas de produção, criar necessidades de consumo jamais imaginadas e conectar o espaço-mundo. O crédito revelando a face multiplicadora do dinheiro, desprende o empresário da necessidade de poupar para investir, concedendo os recursos tanto para ampliar a produção como para colocar em curso suas investidas tecnológicas.

Desse modo, completa-se o curso ao redor da demanda efetiva, a qual retornamos para reunir todos os flancos abertos até aqui. Reunidos pelo mesmo espirito, de se desfazer do dinheiro para ganhar mais dinheiro, empresários, banqueiros e especuladores são acometidos da mesma incerteza, igualmente confiando no dinheiro e na opinião das multidões para acalentar as inseguranças que os cálculos bem ajustados não são capazes de absorver. Todos olham para frente, revirando as vistas para os vizinhos, pois se todos esperam que os investimentos realizados pela classe empresarial se convertam em lucros, se animam para investir, emprestar e adquirir títulos, caso contrário, recolhem o time de campo, contraindo o crédito, vendendo títulos e paralisando os investimentos e, desse modo, revelando a grande lição do principio da demanda efetiva: o nível de investimentos da Economia como um todo, define o nível de emprego, logo, o nível de renda de todos os participantes da sociedade.

Disto retiramos a conclusão que descarrilha até os dias atuais as teorias construídas pelos economistas convencionais para explicarem o desemprego: são aqueles detentores da riqueza, comandantes do nível de investimento da Economia que definem o nível de emprego, logo da renda, e em última análise, que arbitram sobre suas próprias taxas de lucro, juros e remunerações financeiras. É porque a distribuição da riqueza é desigual que existe desemprego, subitamente involuntário, pois os comandantes da riqueza afetados necessariamente pela incerteza, movem-se junto com a maré: se não espera-se que a riqueza investida vire mais riqueza, seus detentores se recolhem na liquidez oferecida pelo dinheiro, lançando os trabalhadores ao desemprego, à fome e à miséria.

De volta ao Brasil

Voltando a Banana Republique, nosso nível de investimentos não se encontra paralisado de então, mas reflete a paralisia da Economia Brasileira desde que chegamos ao fundo do poço com a recessão entre 2014-16. Os efeitos pandêmicos sobre a economia assombram mais pela desigualdade produzida, pela falta de comida na mesa das famílias do que pelos rodopios da taxa de crescimento e de inflação. Ao longo de 2021, retornamos ao patamar pré-pandêmico, com maior concentração de renda e um complicado quadro inflacionário. O refresco concedido pelo Auxilio Emergencial se esgotou, e o infame Auxilio-Brasil que substituiu o Bolsa-Família nem de longe é capaz de sustentar as intenções eleitoreiras de Bolsonaro em retomar o crescimento. Keynes certamente recomendaria que o Estado tomasse a frente na recuperação da demanda efetiva, assim como fizeram na China, Europa e EUA. Mas na administração de Paulo Guedes, nem na Faria Lima suas promessas colam mais. Esperemos pelo próximo governo, pois sem Estado, não há capitalismo que dirá saída espontânea e mágica da estagnação. Retornando à lição do bom amigo: se a Economia não cresce, ela anda para trás.


[1] Graduado em Economia pela FACAMP, Mestrando em Desenvolvimento Econômico pelo IE/Unicamp e Pesquisador do Núcleo de Estudos de Conjuntura da FACAMP (NEC/FACAMP).

Este texto não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

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