Assédio eleitoral, por Jorge Luiz Souto Maior

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Do blog da Boitempo

Os trabalhadores têm sofrido os males do denominado “choque de gestão empresarial”, que, baseado no argumento da necessidade competitiva, procura extrair maior produtividade no trabalho por meio da imposição de metas, quase sempre impossíveis de serem cumpridas. Tudo se faz ligado a uma estratégia que é de fato a de não permitir que os trabalhadores percebam que se trata na verdade da continuação da mesma lógica extrativa de mais valor relativo de sua “força de trabalho”, trazendo como benefícios paralelos, e talvez de forma ainda mais importante, o reforço da alienação e da reificação.

Ao se transferir para o trabalhador a responsabilidade plena pelo seu destino na empresa, visualizado a partir de sua aptidão para entregar a quantidade de serviço esperado, estimula-se uma atitude individualista e ao mesmo tempo concorrencial, vez que sua produção é posta em comparação com outros empregados submetidos às mesmas metas.

Para criar a aparência de um trabalho coletivo, os empregados são divididos em equipes, que também são comparadas a outras. Assim, cada membro se vê responsável pelo futuro de seu colega de equipe e sobre todos se debruça o peso do sucesso do empreendimento.

Ou seja, os trabalhadores são fragilizados e assim são mais facilmente explorados porque têm menor possibilidade de compreender o contexto do processo de trabalho, sobretudo depois que, historicamente, lhes foi retirado o poder do conhecimento tecnológico.

Na realidade atual do processo de produção operou-se a transferência para os trabalhadores do risco que é próprio do empreendedor.

Além de uma postura individual, os trabalhadores assumem a posição do capital, cobrando produção uns dos outros, o que facilita, sobremaneira, a tarefa dos chefes de equipe, do capitalista e do sistema produtivo como um todo.

Dentro da estratégia de gestão incluem-se táticas de dissimulação, como a difusão de que a empresa se preocupa com os Direitos Humanos e o bem-estar de seus empregados, que passam a ser chamados de “colaboradores”, para que não se vejam como explorados. Em contrapartida pelo cumprimento das metas oferece-se aos trabalhadores a promessa do recebimento de prêmios, sempre acompanhados de planos de saúde, notadamente para tratamentos psicológicos.

Tática importante neste contexto é a de vez por outra elogiar o trabalho do empregado, sem deixar de fazer menção à necessidade de que aquele resultado continue sendo alcançado, fazendo com que a “conquista” nunca tenha, de fato, um efeito conclusivo.

Tudo isso vem acompanhado do terrorismo da eterna crise econômica do capital, que deixa todos os trabalhadores sob constante ameaça do desemprego. “Mostrar a porta da rua” aos trabalhadores e, sobretudo falar da realidade daqueles que lá estão, é uma tática relevante para manter o rebaixamento moral dos trabalhadores, facilitando a submissão, que, sendo economicamente necessária, pode atingir padrões de maior perversidade, que permite ao empregador exigir metas mediante a mera promessa de preservação do emprego, que pode, até, se desenvolver com o desrespeito abertamente assumido dos direitos trabalhistas, vistos, despudoradamente, como encargos que dificultam a vida da “coitada” da empresa, que se apresenta como uma entidade que tem “responsabilidade social” porque cuida do meio-ambiente e que faz um grande bem para a “sociedade” – este ente abstratamente concebido e que quase sempre é referido para justificar repressões à classe trabalhadora – ao “dar empregos” e estimular o desenvolvimento econômico, ainda que sua lógica seja sempre a de privatizar os lucros e compartilhar os prejuízos.

Neste contexto, o sistema produtivo capitalista se apresenta como benfeitor, sem defeitos, dissimulando-se por completo a origem da reprodução do capital.

A conseqüência de tudo isso é que as análises em torno dos problemas sociais e econômicos são transferidas para os organismos produtivos e destes para os trabalhadores, onde, de fato, estaria a causa das patologias, tanto pessoais quanto sociais, sendo que apenas nesse momento e para essa finalidade, de serem culpabilizados, os trabalhadores são humanizados.

Esse é contexto no qual os ambientes de trabalho produzem, de fato, relações baseadas em assédio moral, que se apresenta como a pressão psicológica dissimulada, organizada estruturalmente, para dificultar a compreensão do processo produtivo e destruir toda forma de resistência dos trabalhadores, que restam fragilizados e desprovidos de auto-estima, sendo que quanto mais eficientes forem os métodos utilizados menor será a possibilidade de percepção do processo, que chega a atingir o ponto de o próprio trabalhador se declarar culpado pela situação, que não raramente se completa com a aquisição de doenças graves e, no extremo, pelo suicídio.

O que isso tem a ver com a recente eleição presidencial? Tudo!

Comecemos pelo fim. Qual o resultado concreto do processo eleitoral? O que se viu ao final foi uma distensão muito grande entre as pessoas, chegando mesmo a dividir famílias. Neste sentido pode-se perceber que foi eficiente a tática de transferir para os eleitores a responsabilidade pelos problemas do país, como se votar em um candidato ou outro tivesse o efeito de avalizar tudo que estes, ou seus Partidos, fizeram ou prometem fazer.

Para que as pessoas assumissem tal postura foi desenvolvida uma campanha midiática sem precedentes de um convencimento tal que na verdade cumpriu o papel de tornar cada eleitor uma espécie de cúmplice dos erros cometidos pelos governantes – já que os dois candidatos já assumiram essa posição e representam Partidos que estão no poder.

Foi assim, por exemplo, que os eleitores, dependendo do lado adotado, foram forçados a assumir para si lógicas das propagandas eleitorais, como as de que corrupção não é tão importante se algo de bom se fez; que corrupção não é grave, pois sempre existiu; que só é condenável a corrupção que os outros fazem; que o que se fez no passado não importa; que os erros do presente são irrelevantes diante das promessas para o futuro; que o desemprego é um problema de gestão (e não de estagnação do capitalismo); que o assistencialismo social é solução para o capitalismo (ou que o assistencialismo é a causa dos problemas do capitalismo); que o desenvolvimento econômico é uma questão de ajuste fiscal; que a troca dos governantes é essencial para a realização de mudanças (ou que a manutenção dos governantes é primordial para dar continuidade ao processo de mudanças que o país precisa) etc…

Discussões desenvolvidas na órbita da aparência, sem adentrar temas cruciais do debate para compreensão do modelo de sociedade, como, por exemplo, os que dizem respeito ao processo de produção (tratando, sobretudo, da questão da terceirização); à participação dos trabalhadores na renda produzida; à distribuição da riqueza; e, sobretudo, à titularidade dos meios de produção…

Os debates, desenvolvidos na linha da aparência, serviram, portanto, para dissimular a concretude dos problemas do capitalismo – que é, queiramos, ou não, gostemos, ou não, o modo de sociedade em que nos inserimos. A atuação política, que seria essencial para a produção do conhecimento e para a formação de convicções, ainda que relativas, serviu só para gerar preconceitos, ódios cegos e divisões fundamentalistas, baseadas não em argumentos, mas em factóides, em montagens e em versões parciais dos fatos e da história, que chegaram ao ponto de táticas de terrorismo bestializadas, tais como, “se o PT ganhar o Brasil vai virar Cuba”; “se o PSDB ganhar vai voltar o neoliberalismo da década de 90”; “que o PT está promovendo uma revolução socialista” (encarando-se isto de forma positiva por alguns e negativa por outros) etc.

A produção intelectual foi trocada pela arte do disfarce, conforme revelavam, a cada dia, de forma extremamente pertinente, as crônicas de José Simão na Folha de S. Paulo.

Dentro do contexto da dissimulação eleitoral, muitos eleitores se viram obrigados a assumir posições sem consciência e sem convicção. Viram-se, ainda, na contingência de expressar, publicamente, apoio a um ou a outro candidato, com desprezo da racionalidade, pautando-se unicamente pela lógica do mal menor, fingindo irrelevantes aspectos negativos que, em outro contexto, seriam muito graves, isto quando não, incorporando a lógica da dissimulação, aderiram a um lado, sem revelar os verdadeiros motivos. E, perceba-se, a expressão é esta mesma, “adesão”, vez que falidos os processos de construção democrática, participativa e coletiva, das diretrizes partidárias.

No geral, o processo eleitoral pretendeu nos tornar mais desinformados e mais distantes de análises imanentes, o que, no fundo, talvez seja mesmo a função da democracia burguesa.

Lembre-se, a propósito, o quanto os candidatos fizeram questão de pontuar suas falas na primeira pessoa, “eu”, vangloriando-se do que fizeram e destacando o que farão, se eleitos fossem, mas sempre em questões periféricas e com certo desprezo até mesmo à própria democracia, vez que se referiam a instituições que não criaram sozinhos e que não poderão criar sem as vias democráticas formalmente institucionalizadas, ao mesmo tempo em que, nas questões relevantes, despessoalizavam o discurso, dizendo que promoveriam um “amplo debate” com a “sociedade” a respeito.

Essa forma de diálogo serviu também para potencializar a fragilização da cidadania, que se viu reduzida a uma participação indireta no ato simbólico do voto, posto eletronicamente no contexto de um processo dissimulatório, correspondendo, no campo das relações de trabalho, que é central nesse modelo de sociedade, a um roubo do protagonismo da classe trabalhadora, ou, mais propriamente, da luta de classes, e pretendendo, por consequencia, o esvaziamento da relevância da ação política direta, como se verificou nas mobilizações de junho de 2013 e como sempre se vê nas greves dos trabalhadores.

Pois bem, passado o massacre da eleição, que neste sentido pode ser identificado mesmo como um assédio eleitoral, é hora de retomar o processo de construção da consciência em torno da lógica supressiva da condição humana a que todos estão submetidos no modo de produção capitalista, que se impulsiona pelo consumismo, pela concorrência, pela aparência (física e cultural), pela padronização, pelo individualismo, pela submissão, pela fragilização subjetiva, pela inviabilização da ação coletiva, pela desinformação, pela dissimulação, pela banalização da injustiça e pela repressão…

Ao contrário do que o assédio eleitoral tentou induzir, a racionalidade humana não deve ser conduzida pelo mal menor e os problemas da realidade social não decorrem de “defeitos intrínsecos” pessoais, situando-se, isto sim, em um modelo de sociedade que precisa ser questionado abertamente, com honestidade intelectual e coragem, dada a inafastável angústia que o processo de desalienação resulta.

Não se trata, aqui, de falar da relevância dos laços familiares, do amor ao próximo, ou coisa que o valha. Aponta-se, isto sim, para a emergência de, curado o trauma da eleição, superar, de uma vez por todas, o momento histórico dessa aparente dicotomia entre o PT e o PSDB e das cargas dissimulatórias que trazem, para passarmos a discussões concretas do modo de produção da sociedade capitalista, pois este é, afinal, o método necessário que a classe trabalhadora possui para se identificar enquanto tal e, assim, lutar contra o assédio estrutural a que está submetida.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

9 Comentários

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  1. Discurso de Lewandowski no dia de ontem que passou despercebido

    Como Nassif não tem dado atenção ao “Clipping do dia” a e ao “Fora de Pauta”, vai aqui mesmo o forte e importante discurso do presidente do STF sobre o resultado das eleições:

    Em discurso, Lewandowski deixa claro que não há terceiro turno

    Presidente do STF deseja ‘parabéns’ aos brasileiros pela paz durante as eleições e reafirma que caberá ao Judiciário garantir a governabilidade dos próximos eleitos, ‘no que lhe diz respeito’

    O presidente do Superior Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, manifestou-se em discurso na sede do Tribunal Superior Eleitoral, em Brasília, após o fim da apuração dos votos da eleição presidencial, para desejar “os parabéns” ao povo brasileiro. “De forma ordeira e pacífica, o povo brasileiro escolheu seus governantes para os próximos quatro anos. Foram eleições extremamente disputadas, acirradas, mas que os cidadãos souberam conduzir com civilidade”, destacou Lewandowski.

    A fala do ministro foi curta, pouco após o presidente do TSE, Dias Toffoli, fazer anúncio sobre dados técnicos das eleições: de acordo com ele, apenas 0,5% das urnas precisaram ser substituídas e o país registrou apenas 1.052 ocorrências “em um universo de 142 milhões de eleitores”. “Agora, o TSE assegurará a posse de todos os eleitos, e, ao judiciário, caberá afiançar a governabilidade dos eleitos no que lhe diz respeito. Vivemos em estado de democracia plena”, ressaltou Lewandowski.

    http://www.redebrasilatual.com.br/eleicoes-2014/em-discurso-apos-apuracao-lewandowski-deixa-claro-que-nao-ha-terceiro-turno-6385.html

     

    1. espero mesmo que o stf

      espero mesmo que o stf ,mantenha firmeza democrática,

      já que pelo jeito os tucanos virão com essa conversa

      de judicialização da política,

      como fizeram e fazem costumeiramente,

  2. Por ser da classe media/media-alta paulistana

    e não professar o voto tucano, tenho sido pressionado, gozado e as vezes agredido verbalmente por semanas em todas as reuniões familiares e de amigos. Foi muito desagradável, mas aprendi a me sair das encrencas sem grande custo.

    Mas com a vitória de “minha candidata” estou recebendo via face, whatsapp e afins inúmeras provas de grosseria e agressividade como nunca me aconteceu. 

    Foi até o cúmulo de um sobrinho do lado de minha esposa, médico no Tucanistão (interior de SP) mandar um whatsapp extremamente ofensivo para meu filho (que por limitações neurológicas não entende bem do que trata a politica), para repassar para o pai e a mãe!

    A classe media do Tucanistão endoidou, como endoidaram as famílias Frias, Marinho e Civita.

    Eu até fiquei com medo de colocar um adesivo da Dilma por que na minha rua um jovem xingou uma moça cujo carro tinha um adesivo destes…

    O fim do mundo. Daqui a pouco vão listar as pessoas que tem que sair de casa com uma estrela vermelha na roupa. E tem judeus, do povo que sofreu historicamente tantas humilhações dos poderosos da época, que participam e até lideram essas marcas de boçalidade.

    Estou desmarcando minha participação a vários eventos (churrascos etc…) por que meu nojo já me incomoda.

    Mas depois de passado o ápice da imbecilidade, quem eu poderei olhar com respeito?

     

    1. Este ódio que para muitas

      Este ódio que para muitas pessoas é inexxplicavel que tenha brotado até em pessoas próximas e aparentemente inteligentes, tem um sentido, um meio e um fim. É preciso fazer inúmeros seminários e fóruns de debate, para estudar este ódio em sua profundidade. É crucial. É condição sine qua non para a saude política e até mental do povo brasileiro. Entender como o ódio fio promovido e instalado, reconhecer um a um todos os agentes instaladores do ódio e debater sobre possiveis caminhos de desconstrução do ódio em todos os seus aspectos.

    2. Lionel

      Esse artigo do Luis Carlos Souto Maior é excelente para enviar para todas as pessoas que de uma ou outra participaram dessa eleição. Não os confronte, não radicalize (sei que às vezes é bem dificil), mas argumente de forma bem educada, deixando a cada um seu livre arbitrio, claro. Acho que muitos de nos sofre com familiares e amigos mais radicais, mas daqui ha algumas semanas, quando o natal e o ano novo chegarem, tudo isso ficara para tras. Minimize esses ataques bobos e se mostre muito paciente e didatico com esse radicais, fomentados pela imprensa brasileira. 

      Um abraço.

  3. Coação de sempre

    Não é assédio eleitoral somente, más sim de todos os tempos. Na contratação os termos a serem assinados

    ja exigem uma submissão absurda. O ambiente de trabalho,chefias truculentas, as insinuações e ameaças

    de dispensa, as inúmeras “tecnicas”de forçar o aumento de produção, vão se configurando um clima de mundo

    cão.  Enfim trata se de uma realidade que nada tem de nova. Posso afiançar que firmas tidas como de

    primeira linha conseguem transformar oprerários em um verdadeiro bagaço, no prazo de uns cinco anos,

    a ponto de ninguem mais querer contratá los. O elemento chega aprumado  e bem disposto e sai de

    lá arqueado e envelhecido. Muitos desses explorados não são melhores do ponto de vista humano do

    que os patrões de escravos, pois com o tempo os puxa sacos, os servis por natureza e os muito dóceis

    passam boamente a merecerem o título de colaborador. Lamentável, pois não existe obsessão  unilateral .

  4. Eu não contrataria o autor do

    Eu não contrataria o autor do texto para trabalhar em minha empresa, nem seria empregado de empresa sua, porque saberia que esta iria à falência em pouco tempo…

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