Bolsonaro conseguiu: brasileiros não respeitam mais o isolamento, por Gustavo Conde

Bolsonaro - perdão pela grosseria - conseguiu ideologizar o isolamento, a única forma de prevenir uma escalada de mortes por coronavírus.

Carvall

Bolsonaro conseguiu: brasileiros não respeitam mais o isolamento

por Gustavo Conde

Bolsonaro – desculpem o vocabulário chulo – sabe o estrago que ele faz saindo todos os dias cercado de seguranças em Brasília, visitando padarias, farmácias e centrinhos comerciais.

Ele conta, em primeiro lugar, com a subserviência do nosso jornalismo – que o segue, fotografa, divulga, critica e faz o serviço de graça para sua comunicação política.

Em segundo lugar, ele consolida o trabalho que vem fazendo de maneira impecável nos últimos anos: ele ideologiza a civilização.

Bolsonaro – perdão pela grosseria – conseguiu ideologizar o isolamento, a única forma de prevenir uma escalada de mortes por coronavírus.

O resultado está diante dos nossos olhos: o brasileiro não respeita o isolamento. Se culturalmente já seria difícil convencer o brasileiro a ficar dentro de casa, com esse estímulo semiótico diário dado pessoalmente pela presidência da República torna-se tarefa impossível.

Quem fica dentro de casa somos nós, esquerdistas fanáticos, opositores ao governo, paneleiros do mal.

Bolsonaro – perdão pela falta de educação – está rindo à toa. Ele desfila na nossa cara e ninguém irá impedi-lo, pelo contrário: os jornais e mídias ‘alternativas’ adoram destacar as fotos com ele caminhando pelas ruas de Brasília. Dá um ibope danado.

A fronteira entre divulgar o que ‘precisa’ ser divulgado e o oportunismo irresponsável de propagar o comportamento exótico de um presidente com problemas de sanidade e caráter, foi implodida pela falta de capacidade técnica do nosso jornalismo.

A imprensa faz questão de continuar sendo o retrato da face mais obtusa da nossa sociedade, reativa, simplória e sem um pingo de ambição em produzir e/ou aprimorar as técnicas de cobertura e redação.

Bolsonaro – desculpem o linguajar – conta com essa imprensa para perpetuar seu poder de influência sobre a população brasileira, inclusive a que o rejeita: a tensão entre presidente e imprensa faz com que o consumidor de informação tenha de optar entre um e outro.

É a verdadeira ‘polarização’, essa palavra que essa mesma imprensa, de maneira inocente (e burra), quer jogar no colo da esquerda.

Em outros tempos, esse acirramento da polarização entre presidente e imprensa resultava em impeachment.

Hoje, resulta em descrédito da imprensa.

Não é difícil entender por quê: o embate entre imprensa brasileira e esquerda é real, tem suas bases em fatos e dados empíricos de concepção de mundo.

O embate entre extrema direita e imprensa brasileira é falso, superficial, pois eles compartilham, na prática, as mesmas visões de economia, Estado e sociedade.

Bolsonaro – com o perdão da palavra – é proficiente nessa ‘gestão dos contrários’. Ele quer ser ‘macetado’ diariamente pela imprensa pois sabe que isso lhe coloca em alta conta por parte significativa da população que abomina o jornalismo.

É o que lhe basta.

É curioso ver como aceitamos tudo isso, depois de experimentar mais de uma década de democracia real, com governantes reais e participação concreta da população.

Mas também é curioso ver a que nível chegamos em termos de ingenuidade leitora na arte de codificar o processo político que nos esmaga (o alerta vale para a esquerda).

Bolsonaro – lamento a expressão – não sai à ruas para dar o exemplo contrário ao isolamento. Ele quer chocar a esquerda, tirá-la do sério, surpreendê-la mais uma vez para que ela enuncie, do alto de sua ‘superioridade moral’: “ele não me surpreende”.

É o esfarelamento dos processos de interpretação, renovado a cada instante, a cada lance, por esse efeito colateral da impostura e do ódio que habita o ‘Palácio do Planalto’ (outra velharia arquitetônica-semiótica desconectada de seu tempo e de sua razão de ser).

Há ainda mais uma ironia, cujo merecimento nos roça o ceticismo pequeno-burguês: antes da pandemia, Bolsonaro mal se dispunha a colocar os pés nas ruas.

Cancelou a maioria dos atos públicos do governo por medo de ser vaiado e hostilizado, uma vez que o governo não apresentava qualquer sinal de retomada econômica.

Tão logo as ruas se esvaziaram em função da quarentena, ele recobrou sua ‘coragem’ e passou a desfilar publicamente com rara desenvoltura e entusiasmo.

As ruas ideais para o desfile de um presidente anti-povo são assim: semi-desertas.

Este indivíduo – cujo nome aterroriza a alma – prosseguirá com suas saídas, que serão cada vez mais intensas, seguindo o ritmo do empilhamento de cadáveres que se aproxima.

O governo segue retardando as estatísticas da pandemia brasileira, sob olhares incrédulos da imprensa e da classe média que se recolhe porque pode se recolher.

O atraso deliberado – e criminoso – em fazer chegar o benefício de seiscentos reais aos brasileiros trabalhadores está absolutamente conjugado com a política genocida do Ministério da Saúde, que capitula diante da presidência, mesmo tendo o dobro de popularidade.

Pergunta técnica: quem liga para o Datafolha a essa altura dos acontecimentos e da dominância semiótica avassaladora de um presidente sustentado por nossos pavores?

Bolsonaro – não mais me desculpo desde a última menção passada em branco que o leitor atento deve ter estranhado – permanece e vai dispensando as sentenças explicativas.

Ele foi imunizado politicamente por nossa covardia estrutural que, desde sua apologia apaixonada a um torturador em pleno Congresso Nacional, vai lhe estendendo o tapete vermelho-sangue para seu icônico desfile nas ruas desertas, que esfrega nas nossas caras o quanto somos vulneráveis e bem comportados – como o próprio gado que lhe serve.

Redação

13 Comentários

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  1. É isso!
    Vivenciei isso ontem em BH ao sair para realizar compras quinzenais nos mercados de bairro: as pessoas estão, definitivamente, desconsiderando a Pandemia. Bolsonaro conseguiu. As pessoas aglomeram-se, desrespeitam as regras de distanciamento, se tocam, marcam baladas. Bares abertos, lojas de roupas abertas, caminhadas nas avenidas…

    Hoje, ao ver partes do “Jornal Hoje”, da Rede Globo, vi as cenas de Bolsonaro caminhando pelo Distrito Federal, desrespeitando a legislação distrital, e me perguntei o motivo da emissora mostrar aquilo…

    …A conivência e a subserviência da imprensa brasileira…

  2. E bozo não lamentara o aumento de mortes. Afinal, como ele decretou, todos morrem!
    Mas ele e família tem ventiladores à rodo. Entao, se morrer algum deles, não será em agonia ansiando pelo ar que nao vêm, como certamente morrerão muitos dos que ainda lhe dão ouvidos, ou que são pagos para fingir que dão.

  3. Um animal irracional desfilando sua estupidez pelas ruas enquanto seus seguidores aplaudem a idiotia, a falta de caráter, a desonestidade de um falso mito. Parabéns, bolsominions! Mais idiotas do que vocês só o seu “mito”.

  4. E ainda tem “analistas” que pregam em alto e bom som que as nossas instituições estão funcionando. Funcionam tão bem que não conseguem conter um presidente que está literalmente guiando parte da população – e a mais pobre – para a morte ou então para sequelas do vírus, pois ainda não se sabe com certeza se ele pode ou não infectar uma pessoa que já foi contaminada e se ele pode ficar para sempre no organismo e aparecer quando este ficar com menos imunidade, como a herpes.

  5. Poeticamente…
    imprensa ter colaborado para eleger Bolsonaro foi como ter pisado e sujado a Lua

    Um grito de estrelas vem do infinito
    E um bando de luz repete o grito
    Todas as cores e outras mais
    Procriam flores astrais
    O verme passeia na lua cheia
    O verme passeia na lua cheia
    O verme passeia na lua cheia

    dos Secos&Molhados

  6. Ele é um genocida !!!! Não há meio termo, ele está levando a morte milhares de brasileiros, os mais humildes e mais expostos. Que venha em breve um novo tribunal de Nuremberg para julgar seus crimes contra a humanidade.

  7. O autor atribui a Bolsonaro uma inteligência estratégica que ele não tem. Este “equívoco” não é sem motivo: visa fazer o autor aparecer como sumidade, como inteligência brilhante, muito mais capaz de perceber a realidade do que toda a intelectualidade da esquerda, mesmo que para isto tenha que reforçar com falsos poderes a aura do “mito”.
    Lamentável.

  8. Conde. Quando vc diz que a imprensa e os meios de comunicação divulgam o presidente e os suas saidinhas genocidas, ao fotografa-lo, filma-lo etc E portanto patrocinam sua política. Me fez lembrar aqueles jogos de futebol em que uma pessoa invade o gramado para aparecer. O jogo, normalmente é paralizado e não filmam a pessoa. O comentarista na televisao rapidamente trata de informar que o “invasor” não será divulgado, para não estimular este ato e para não dar a ele o que ele quer, divulgação. Está claro que o jornalismo brasileiro, quer sim divulgar o presidente e seu método genocida. Senão, usaria, o método já conhecido, dos jogos de futebol.
    Exite hoje uma ética, onde não é tolerável divulgar um transgressor do circo mas é permitido divulgar o circo como arma de guerra.

  9. Gustavo , admiro a clareza e a profundidade do seu pensamento . E lamento , como você , a falta de fibra que permite que essa situação absurda continue .

  10. Exato! Sempre perfeita a análise do Conde! Já que mostrou, falo da Globo, pois outras são totalmente suas empregadas, deveria ter falado , claramente, sobre qual norma legal deveria lhe ser imputada! Quem deveria/poderia através de qual dispositivo contrapor tais atos praticados! Assim, criaria uma consciência de ação e obrigação nós mais diversos setores da sociedade , principalmente nas instituições que devem protege-la!

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