Boulos, as esquerdas e a resistência, por Luis Felipe Miguel

E o PSOL avançou um pouco, mas continua um partido pequeno. Tem cinco prefeituras num universo de mais de 5.500 municípios.

Boulos, as esquerdas e a resistência

por Luis Felipe Miguel

Guilherme Boulos é um grande quadro, ninguém duvida disso. Pelo pouco que pude ver e segundo todos os depoimentos, fez mesmo uma belíssima campanha.

Mas é preciso olhar com objetividade o resultado. Ele não furou o teto da esquerda – fez um ponto percentual a mais e 250 mil votos a menos do que Haddad tinha feito em 2018 na cidade de São Paulo.

E o PSOL avançou um pouco, mas continua um partido pequeno. Tem cinco prefeituras num universo de mais de 5.500 municípios. Se repetir para deputado federal a votação que fez para vereador (1,67% dos votos válidos nacionais), não consegue superar a cláusula de barreira em 2022.

Por isso me incomoda o triunfalismo e, ainda mais, a avidez com que alguns amigos do PSOL parecem dispostos a invocar, muito prematuramente, o hegemonismo que sempre criticaram no PT.

Boulos parece estar sendo empurrado – contra a sua vontade, até onde posso ver – para uma posição de Lula do PSOL: ponto de convergência de correntes muito díspares entre si, símbolo maleável que cada uma adapta segundo sua conveniência e depositário único e mítico de todas as esperanças.

Lendo algumas análises, parece que Boulos foi eleito imperador do universo – e não derrotado para a prefeitura de São Paulo.

Menos, gente, menos. Essa leitura obscurece pelo menos três pontos essenciais da análise da conjuntura.

(1) A esquerda, como um todo, continua debilitada e com dificuldade de enfrentar a direita unida (bolsonaristas, tucanos etc., reunidos em torno do mesmo projeto antipopular de fundo e usando todas as muitas armas de que dispõem).

(2) O antipetismo continua forte – e ele não se volta apenas contra o PT, mas contra a esquerda como um todo. “Antipetismo” é o nome de fantasia da criminalização de toda a esquerda. As eleições de novembro deixaram isso bem claro. Julgar que um candidato à esquerda com outro rótulo partidário escapa dele é ingenuidade.

(3) A direita que deu o golpe de 2016 não está pronta para deixar que a esquerda retome o poder pelo voto. Desse ponto de vista, a ilusão do “Boulos vai ganhar em 2022” é tão danosa quanto era o “Lula vai ganhar em 2018”. Só vamos ganhar, com quem quer que seja, se tivermos força na sociedade para bloquear os muitos golpes que virão.

Essa continua sendo a tarefa – organizar a resistência, organizar o movimento popular. Boulos – que não está nem um pouco preocupado em lançar provocações contra o PT, muito pelo contrário – mostra saber disso. Vale a pena ouvi-lo, mais do que apenas exaltá-lo.

 

Luis Felipe Miguel

4 Comentários

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  1. “…Como costumo dizer: o brasileiro não sabe distinguir o que é esquerda ou direita. Não sabe qual a diferença entre Lula e o presidente Jair. Não sabe nada de nada em política, economia, mas gosta muito de arrotar sabedoria…” Ah! Estas Elites da Pretensão e da Hipocrisia. Realmente o problema é a opinião dos Brasileiros?! Tão cheios de si, que não aceitam a mediocridade nem na humilhação acachapante da derrota. O erro, este, são sempre os outros. Pobre país rico. Mas de muito fácil explicação.

  2. A Origem.
    “Ninguém chuta cachorro morto”.

    “Ninguém joga pedra em árvore que dá bons frutos”.

    “Quem desdenha quer comprar”.

    A recente onda de ataques ao PT, que copia tantas outras por sua temporalidade, ou seja, sempre após as eleições, revela, ao contrário do que pretendem, que o partido ainda incomoda.

    O teor de fraudes nas análises atuais é tão tóxico, que eu penso duas vezes antes de adentrar este ambiente.

    Temos de todo tipo de estelionato analítico, desde os mais empolados, lavrados pelos “cientistas” que sabem o javanês, até outros ditos menos qualificados.

    O resultado é um caldo de senso comum horroroso.

    Qualquer imbecil que se dedica a qualquer tipo de pseudo-ciência, justamente aquelas chamadas de sociais, poderá dizer que nenhum fenômeno político-social poderá ser tratado sem um distanciamento histórico que permita um olhar amplo, e claro, uma equidistância (nunca neutralidade) do observador em relação ao seu objeto.

    Olhando por números, o PT está aonde poderia estar, dadas as circunstâncias atuais e as escolhas de seus dirigentes.

    Analisar o PT requer um esforço mais delicado e um pouco mais de inteligência.

    O primeiro erro nas “análises” é confundir PT com os governos que ele participa, geralmente como pólo concentrador dos capitais políticos.

    O PT continua a ser o maior partido da esquerda mundial em número de filiados, e sua ramificação pelo país o coloca entre um dos maiores partidos do país.

    O PT é uma das principais forças políticas do Congresso, sendo certo que sua bancada na Câmara Federal está entre as três maiores.

    O PT desde 1982 experimentou crescimento constante, que só foi interrompido não pela dinâmica das disputas políticas chamadas de normais, mas por um período obscuro de lawfare, golpes e toda sorte de violência simbólica.

    Mesmo assim, com seu principal nome preso pelo juiz que iria fazer parte do governo do principal adversário do PT, e agora vai trabalhar para a empresa que “recupera” a empresa que ajudou a destruir, o PT fez mais de 45 milhões de votos para presidente, com um nome de pouca expressão nacional, apesar de ter sido prefeito da capital paulista.

    Hoje, nas eleições recentes, o PT manteve seus seis milhões e novecentos e poucos votos auferidos em 2016, apesar de ter sofrido derrotas nas maiores cidades.

    A disputa pela hegemonia da narrativa está acirradíssima, e por certo é patrocinada pela mídia, que agora descobriu a mesma pólvora de sempre, os “novos esquerdos de centro”, que eu também chamaria de cristãos-novos (como se chamavam os judeus convertidos à força, para não morrerem na fogueira da Inquisição Ibérica, que durou entre os séculos XV e XIX).

    Já tivemos Marina Silva, Ciro, Eduardo Campos, Marcelo Freixo, etc, etc.

    Toda eleição a direita consagra uma “alternativa” para substituir o PT na interlocução com o eleitorado chamado mais progressista.

    Eles misturam ingredientes caros à direita, como pautas identitárias que aplacam culpas pequeno burguesas, certo charme intelectual, e claro, só sobem ao palco se recitarem algum tipo de anti-petismo e suavizarem seus discursos, deixando a “espinhosa” questão econômica para os “sábios do mercado”.

    Neste espectro, não há uma homogeneidade, claro.

    Porém, via de regra, salvo raríssimas exceções, estes quadros políticos se revelaram opções muito mais conservadoras que as próprias concessões que o PT fez para governar o caos capitalista.

    Vamos de novo à História.

    O Partido dos Trabalhadores sempre foi rejeitado pelas suas bandeiras históricas, e pela sua intensidade política interna, que gerava enorme energia política resultante da fricção de corrente políticas que iam da extrema esquerda da Convergência Socialista e O Trabalho até a direita da Democracia Radical, de José Genoíno.

    Tudo isso equilibrado pelo enorme campo chamado Articulação.

    Apesar disso, ou melhor, justamente por isso, sempre renovou seus quadros e arejou seu ambiente externo pela atração permanente de quadros mais jovens, que nesta idade estão mais afetos às teses políticas chamadas “impossíveis” (mas nunca menos importantes), rejeitando a conservação política das moderações e alianças.

    O tal corte geracional que o Alemão (Jacques Wagner) disse no blog ontem, mas que ele mesmo não sabe o que é, ou pior, combate com sua planificação política de dissensos internos ao partido.

    Este balanço dava vida ao PT, e o tornava uma experiência original, mesmo em meio a um conservadorismo extremo da sociedade brasileira, que flui e reflui ao sabor dos ventos de expansão e retração das tentativas políticas de dotar este país de um tipo mais ameno de capitalismo.

    Em 1988, apesar de seu pouco peso relativo na cena política, e consequentemente no jogo institucional, o PT soube encontrar brechas para propor e mobilizar a opinião pública para inserir alguns tópicos modernizantes no pacto constitucional.

    Ao mesmo tempo, cedeu e ajudou a cevar um monstro (nas palavras de Sepúlveda Pertence, jurista que assessorou parlamentares nas questões jurídicas na Constituinte de 88), que atende pelo nome de Ministério Público.

    Um erro de cálculo, uma vitória de Pirro que condenou o PT a crescer politicamente na classe média urbana, estruturando sua ação política com a milícia policialesca do Ministério Público, auxiliando na criminalização da política, no denuncismo, enfim, na avacalhação da política.

    O ápice desta estratégia equivocada foi o golpe em Collor, que marca a inflexão crucial no período pós ditadura, que une o jornalismo-cangaceiro-miliciano ao recém nascido lawfare, que na época nem era assim considerado.

    Por isso repisamos a necessidade de um olhar histórico amplo.
    A partir daí, o PT inicia sua jornada de expurgos das correntes mais “radicais”, de expansão do “centro”, para se mostrar capaz de governar, sem enxergar que deste modo seria governado pelas mesmas ideias daqueles que sempre combateu.

    O erro grave, anotem bem, não é compor e aparar arestas dentro de governo multipartidários, com forças diferentes, ideologicamente diferentes.
    Isso é inerente a alianças e conjunturas.

    Nada disso.

    O início da agonia petista foi não manter a sua vida interna polifônica, de diferentes espectros, para então levar aos governos que compunha a possibilidade de tensionar as políticas públicas, aumentando assim seu poder de negociação, ao invés de já chegar à mesa diluído e domesticado pelas interdições ideológicas impostas pela direita e seu aparato de controle social.
    Quero fazer uma ressalva aqui, importante:

    Não é inédito na História que siglas nasçam e desapareçam, ou se diluam em outros campos políticos.

    O PT, como representante de um tipo de classe social e de um momento histórico específico (o trabalhismo pós ditadura) experimenta o desgaste próprio a sua identidade, ou seja, ao envelhecimento desta identidade.

    O fim do trabalho como a principal forma de organização social, com o advento do pós-capitalismo que bate às portas, é fator preponderante no abalo das formas de organização políticas e sociais que tinham-no (o trabalho) como referência principal.

    Paradoxalmente porém, o PT não encontra dificuldades apenas por sofrer este incidente histórico, mas por não ser capaz de compreendê-lo, e apresentar a única pauta capaz de lhe dar relevância política, ou seja, reagrupar sua agenda anti-capitalista.

    É contra esta possibilidade que a mídia e os demais coveiros do PT se levantam.

    Sim, porque a domesticação do PT está completa, ou quase, e cabe a pergunta:

    Se o PT já está domesticado, por que a direita não o aceita como força política legítima e capaz de gerir o capitalismo?

    Ora, porque estas forças sabem que ainda resta algum risco (considerável) de que a enorme capilaridade petista, e sua memória política popular (personificada em Lula) possam recuperar a combatividade para redirecionar os vetores da política nacional e mundial.

    A direita sabe disso, mesmo que até o PT não saiba, ou tenha esquecido, e segue apanhando sem saber ao certo o motivo, e às vezes, daqueles que menos espera.

    As fraudes da mídia conservadora ficam expostas quando as “alternativas” ao PT sempre têm o mesmo destino:

    Ficarem mais parecidos com a direita, principalmente na aceitação do receituário ultra-liberal, ainda que mantenha algumas questões “morais” no campo da “modernidade”.

    Este foi, como já dissemos, o fim de Marina, de Ciro, Freixo, e este é o caminho preparado Boulos e Manuela D’Ávila.

    O figuro atual da nova temporada fashion politik é edulcorar o “centro”.

    É uma encenação grotesca, já que olhando de forma honesta, nada se parece mais com o centro que o PT.

    O que querem então?

    Ora, impedir ou travar qualquer chance de debate que saia dos padrões já estabelecidos, e para isto é crucial aniquilar o PT.

    Desde o mais remoto rincão, até as maiores capitais a cantilena da “responsabilidade fiscal”, da “crise”, das “privatizações” é a mesma.

    Nenhum candidato do PT, ou apoiado por ele, saiu destes limites e ousou nada diferente, e junto com tudo isso, nenhum candidato da chamada esquerda ousou atacar os “partidos do judiciário”, ao contrário: a disputa é para dizer quem é mais “honesto”.

    Enfim, o PT não perdeu as eleições de 2020, o PT apenas continuou a se misturar com os conservadores, e neste campo, por óbvio, o PT desaparece, e junto com ele todos os outros da esquerda.

    Lembremos que durante o curto período do PT nos governos federais, todas as forças que eram consideradas mais à esquerda não criaram nenhum espaço de tensão para puxar o governo de coalizão para este lado.

    Ao contrário, atacaram o governo de coalizão com o mesmo arsenal teórico da direita.
    Aqui mesmo, neste blog, as queixas do editor do blog em relação aos erros da Dilma têm sempre por base uma referência teórica que é conservadora, nunca anti-capitalista: erros fiscais, de gestão, maus humores femininos, etc.

    O capitalismo é um sistema que se estrutura na desigualdade, mas deseja sempre a uniformidade dos estamentos políticos, para estabelecer regras que tenham um único objetivo:

    Garantir seu funcionamento e sua reprodução.

    Não é à toa que todas as vezes que esta equação foi ameaçada, as forças capitalistas patrocinaram golpes que eliminaram ou aplainaram os conflitos políticos e os partidos.

    Não é à toa que o ápice da concentração de riqueza mundial (e uma brutal desigualdade) coincida com a derrocada dos sistemas representativos pelo mundo, com a esmagadora abstenção de eleitores.

    É disso que se trata.

    Eliminar os últimos partidos que ainda ofereçam algum tipo de voz dissonante.

    Pouco interessa ao Capital se o nome deste partido é PT ou PXYZ.

    A tarefa deles é matar o sonho na origem, matar a ideia, se possível, com a auto-censura da vítima.

    Ação sem ideia é mero reflexo.

    O Capitalismo é um sistema de reflexos, quando a única ideia é a sobrevivência e reprodução do Capital.

  3. Flávio Dino diz que descartar Lula é “insanidade” e não há frente ampla sem PT

    Governador do Maranhão, do PCdoB, disse que há “exagero” na avaliação sobre o desempenho do PT nas eleições municipais, e defendeu o ex-presidente Lula. “É claro que você não pode achar que vai construir uma aliança vitoriosa em 2022 sem o PT”,…

    https://www.brasil247.com/brasil/flavio-dino-diz-que-descartar-lula-e-insanidade-e-nao-ha-frente-ampla-sem-pt

    Enquanto isso, Ciro Gomes anda pensando em convidar para a sua frente ampla (frente ampla do Ciro) Aécio Neves, José Serra (seu arqui-inimigo) e Sara Giromini, a doidinha.

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