Caçadores de renda, por Antonio Delfim Netto

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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da Folha

Antonio Delfim Netto

Caçadores de renda

Em qualquer regime político a natureza das instituições determina o comportamento dos seus membros. Sem algum mecanismo de “voto distrital”, por exemplo, é muito difícil corrigir distorções acumuladas ao longo do tempo por categorias bem organizadas. O governo em algum momento as acariciou com benesses transferindo-lhes renda.

A sociedade tem grande dificuldade de ligar os custos difusos à apropriação de renda por um grupo bem definido. Um exemplo bem claro desse processo é dado pela resistência à racionalização do trabalho nos portos, que é importante determinante da produtividade geral da economia.

No caso do porto de Santos, é natural e legítimo que os seus representantes legislativos (ligados ao eleitorado santista) defendam com unhas e dentes os direitos “conquistados” ao longo do tempo pelos trabalhadores portuários, ainda que isso reduza a sua eficiência, torne menos competitivas a nossa exportação e a nossa importação, em prejuízo de toda a sociedade.

Esta é, assim, duplamente “extraída”: transfere renda de monopólio aos portuários, de um PIB menor apropriado pelos outros.

O fato surpreendente é que um deputado cuja base é Ribeirão Preto, mas que teve alguns “votinhos” em Santos, em lugar de defender a eficiência do porto para exportar mais açúcar a um preço melhor (atividade da qual vive a maioria dos seus constituintes), cale-se ou vote a favor de tais “conquistas” na vã esperança de aumentar sua votação futura em Santos e na certeza de que seus eleitores de Ribeirão Preto serão incapazes de introjetar a “traição”.

O voto distrital não é uma panaceia, mas seguramente facilitará a construção de uma sociedade republicana, onde os “caçadores de renda” terão maior dificuldade de conseguir seus objetivos.

Uma parte do atual desequilíbrio fiscal se deve ao desenho impróprio e à falta de controle sobre alguns programas (seguro desemprego, pensões, seguro defeso para pescadores, prestação de benefício continuado etc.) conhecidos há anos.

A outra, mais importante, se deve ao próprio processo eleitoral, durante o qual o governo recusou-se a reconhecer a queda da taxa de crescimento do PIB e suas consequências sobre a receita e a despesa públicas.

As revisões bimestrais não cumpriram o seu papel, por isso estamos terminando 2014 com um deficit nominal da ordem de 5% do PIB. A correção do superávit primário enviada ao Congresso, em “legítima defesa”, precisa ser aprovada, mas criará mais um problema de credibilidade a ser enfrentado pelo governo no período 2015-2018.

ANTONIO DELFIM NETTO escreve às quartas-feiras nesta coluna.

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

6 Comentários

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  1. Então o voto distrital

    Então o voto distrital será:

       “O voto distrital não é uma panaceia, mas seguramente facilitará a construção de uma sociedade republicana, onde os “caçadores de renda” terão maior dificuldade de conseguir seus objetivos.”

      Não entendo essa defesa que encontramos no Brasil, principalmente que em alguns casos virá dá retirada da votação direta.

      Como garantir que o caso Porto de Santos a pressão não ocorreria no voto distrital. 

  2. o voto distrital transforma

    o voto distrital transforma oregime político num imenso reduto

    de representantes tipo camara de vereadores,

    síndicos ou zeladores de condomínios.

    o que precisamos e´de estadistas no ongresso

    que pensem o país como um todo

    1. Precisamos ser críticos de Delfim e da gente também

       

      Altamiro Souza (quarta-feira, 26/11/2014 às 12:17),

      É preciso conhecer bem Antonio Delfim Netto para entender o que ele almeja e atentarmos mais para nos nossos argumentos para podermos mais bem refutar o que ele alega.

      No artigo de ontem de Antonio Delfim Netto no Valor Econômico intitulado “Encarar os fatos”, e reproduzido aqui no blog de Luis Nassif no post “Encarar os fatos, por Antonio Delfim Netto” de terça-feira, 25/11/2014 às 16:11, ele alega que “No eletrocardiograma dos períodos de FHC, de Lula e de Dilma, só restará o crescimento do PIB e, talvez (apenas talvez), um registro mais leve dos avanços nas políticas que incentivaram o aumento da igualdade de oportunidade”. E é em torno dessa ideia do crescimento do PIB deixando a marca do governante na história que ele desenvolve o artigo dele.

      O endereço do “Encarar os fatos, por Antonio Delfim Netto” é:

      https://jornalggn.com.br/noticia/encarar-os-fatos-por-antonio-delfim-netto

      É preciso ver que ele omitiu o governo José Sarney. Pois bem, nos cinco anos do governo de José Sarney, o PIB cresceu mais do que nos oito anos do governo de FHC.

      Neste artigo “Caçadores de renda” publicado na Folha de S. Paulo e aqui no blog de Luis Nassif reproduzido neste post “Caçadores de renda, por Antonio Delfim Netto” de quarta-feira, 26/11/2014 às 07:52, ele defende o voto distrital.

      O grande problema dos artigos de Antonio Delfim Netto é que ele é um exímio conhecedor de Estatística e sabe como ninguém fazer a omissão que livra os textos dele de serem auto refutados.

      Aqui a omissão foi que ele fez a defesa do voto distrital, mas omitiu que tipo de voto ele prefere se o voto proporcional como previsto na constituição brasileira ou se o voto majoritário como é o modelo existente na maioria das democracias do mundo. A importância disso é o seguinte: o voto majoritário está associado com a exclusão de minorias e o voto proporcional está associado com a inclusão de minorias. Então o voto majoritário é expressão de atraso na medida em que a inclusão de minorias foi o grande avanço que a democracia representativa pode fazer em relação à democracia direta.

      O que o Antonio Delfim Netto pretende com o voto distrital e como ele pensa mas omite o voto majoritário é que se construa um parlamento mais de centro sem as minorias que normalmente se instalam mais à direita ou mais à esquerda.

      Então peça ao Antonio Delfim Netto para defender o voto distrital, mas em que a escolha seja feita pela proporcionalidade dos votos dos partidos em todo o Estado, que é muito mais democrático do que o voto majoritário na medida que é um voto que protege as minorias, para que fique claro que não é em defesa da democracia que Antonio Delfim Netto se posiciona em favor do voto distrital, omitindo claramente que o voto distrital a que ele se refere é o voto distrital majoritário.

      E em relação ao seu argumento é preciso se livrar de alguns pensamentos perniciosos que a direita ilustrada deixou impregnada em toda a sociedade que mesmo alguns de esquerda, mesmos aqueles que não gostam de ser tomados como tal, também o adota. É o caso do político estadista. No futuro pode ser que se saiba previamente quem seria estadista. Em um futuro em que um filme como Minority Report seja realidade e não ficção. Ou então no futuro olhando para o passado os historiadores podem chegar (como podem não chegar) a um denominador comum sobre os que foram e os que não foram estadista.

      Defender a eleição não distrital no sentido de que se precisa de estadistas no Congresso é se deixar levar pelo argumento da nobreza antiga que quando viu a burguesia chegar ao poder passou a doutrinar que o eleito é eleito por um grupo, mas depois de eleito passa a representar o interesse de toda a nação. E é claro que para a nobreza ela era quem diria qual o interesse de toda a nação.

      Assim, os deputados federais são realmente vereadores. Ou então eles não deveriam ser eleitos por estados e sim por toda a nação e no caso privilegiando os candidatos de São Paulo e Rio de Janeiro que teriam todo o amparo da grande mídia centrada nesses dois estados.

      O interesse de toda a nação é desconhecido e é sobre ele que se luta na democracia representativa. Quando o interesse de toda a nação é conhecido ninguém fica contra ele, pois se sujeitaria a ser expelido do cenário político. É o que se vê, por exemplo, no cumprimento da lei e que é do interesse de toda a nação.

      Clever Mendes de Oliveira

      BH, 26/11/2014

      1. Boa defesa do voto distrital

        Mas penso que falta algo para os representantes do povo tenham mais qualidade. 

        Segundo turno no voto proporcional, diminuindo a chapa para o dobro dos cargos com os mais votados no segundo turno.

        Fim da reeleição para todos os cargos.

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