Camarão que dorme a onda leva

Lula surgiu na cena pública brasileira não como político, mas como sindicalista, no final dos anos 70. Barbudo, carrancudo, nordestino e falando com língua presa um português “errado”. Trazia consigo um discurso que criticava a ditadura, os patrões e o sindicalismo tradicional. Desde logo ganhou a rejeição dos setores mais conservadores. Na campanha ao governo de São Paulo, em 1982, pedia votos dizendo que ele seria “um brasileiro igualzinho a você”, referindo-se aos eleitores. Numa época em que o Brasil não somente era ainda uma ditadura militar, mas na qual o preconceito contra nordestinos no Centro-Sul do país era extremamente forte. Ninguém na classe média paulista, por exemplo, queria se parecer com a empregada doméstica baiana ou com o porteiro cearense.

Isso tudo não o impediu, na primeira eleição presidencial pós-ditadura, em 1989, de superar o favorito Leonel Brizola no 1º turno e disputar o turno final contra Fernando Collor. Chegou a liderar pesquisas de opinião a poucos dias da eleição decisiva, mas acabou ultrapassado pelo adversário na reta final. Mesmo derrotado, Lula foi novamente candidato em 1994. Saiu disparado nas pesquisas. O preconceito contra ele continuava brabo, mas havia mudado um pouco de figura. Agora era acusado de não ter aproveitado aqueles cinco anos transcorridos desde a derrota para Collor para ir estudar. No exterior, de preferência. Muitos ainda o viam como o mesmo Lula radical e perigoso de 1982 ou 1989, e as críticas do petismo ao Plano Real não ajudavam a minimizar essa percepção. De fato devia ser duro falar em socialismo para um eleitorado que, com o fim da inflação, estava mais interessado em poder comer carne de frango ou saborear um iogurte. Corroborava-se assim a imagem de um Lula desatualizado, com pequena capacidade de compreender o novo Brasil que se anunciava. Como resultado final, a derrota para o PSDB de Fernando Henrique, que surfou inteligentemente no sucesso da estabilização econômica recém-construída e conquistou o voto popular.


O congresso petista de 1995, pautado pela liderança de José Dirceu, marcaria uma virada importante na História petista. A conversão a alguns pilares da economia de mercado, bem como a mudança na política de alianças do partido, que passavam a ser mais amplas, não impediram, porém, nova derrota para FHC em 1998. Para 2002 o PT já se apresentou ao país ainda mais diferente. A criação marketeira do “Lulinha Paz e Amor”, de Duda Mendonça, acabou com a velha imagem do sindicalista carrancudo, e a Carta ao Povo Brasileiro (ou seria ao mercado financeiro?) dissipou as dúvidas de que o partido, em nome da aplicação de seu programa social-democrata, topava apresentar-se aos poderosos como o garoto confiável que não romperia contratos.

Desde então o petismo tem sido governo e seu grande adversário, o PSDB, foi para a oposição. Uma vez no comando o PT vem implementando sua agenda moderada, marcada por pactuações de classe e tentativas de boa convivência com os setores historicamente dominantes do nosso país. Apesar disso, suas ações nestes doze anos de governo foram suficientes para promover mudanças bastante importantes na estrutura social brasileira. Já o PSDB, como oposição, foi pífio neste período, e padece, até com mais gravidade, do mesmo mal que um dia a direita acusou Lula: de ter perdido tempo, de não ter se preparado para compreender as mudanças e menos ainda para alcançar o poder.

De fato, não é desimportante perceber que o nosso mais importante partido de oposição passou os últimos anos movimentando-se nas tribunas do Congresso Nacional a partir do que havia sido publicado nas capas de revista do final de semana anterior. Não é desimportante ver nosso principal partido de oposição questionar a cor do tailleur da presidente da república num pronunciamento na televisão, ou a mensagem de boas festas que ela mandou ao funcionalismo federal no final do ano. Ou ainda o preço de seu jantar em recente viagem oficial. Não é desimportante perceber que os intelectuais tucanos perderam capacidade de influenciar os eleitores e militantes do partido e foram suplantados nessa tarefa pelos bate-paus que povoam a imprensa com sua eterna e raivosa pregação anti-PT.

À oposição muitos acusam de não ter projeto de país. De fato, dada a cruzada moralista simplória que tem feito há anos, fica-se com a impressão de que seria isso mesmo. Há quem diga, porém, que a oposição tem sim o seu projeto, e este seria o mesmo que aplicou quando foi governo. Se for isso, fica a pergunta: o que o PSDB terá a oferecer aos eleitores de Belford Roxo, da Ceilândia e do Capão Redondo na eleição presidencial deste ano? Privatizações de estatais? Autonomia do Banco Central? Aumento do superávit primário? Câmbio flutuante? A ressucitação da ALCA e a adesão do país à Aliança do Pacífico?

Assim como o petismo abandonou algumas de suas bandeiras da década de 1980, e somente desta maneira conseguiu viabilizar-se como alternativa real de poder, não seria boa estratégia para a oposição tirar os pés dos anos 1990? Quem sabe assim finalmente poderia voltar a dialogar com o Brasil, esse Brasil do século XXI onde a doméstica baiana quer fazer faculdade e o porteiro cearense comprou uma terrinha e voltou para sua cidade natal.

Wagner Iglecias é doutor em Sociologia e professor do Curso de Graduação em Gestão de Políticas Públicas e do Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina da USP.

Redação

12 Comentários

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  1. PSDB amigo do PIG

    O Problema não é o PSDB que se assemelha a um anão politicamente falando, mas o PIG ( a máfia da mídia – 05 ou 06 famíglias ) que é a favor do capital financeiro especulativo o qual não produz “PORRA NENHUMA” para um País ( qualquer país ), apenas concentra renda e avassala a classe trabalhadora e a “Parte produtiva” do País – Indústria, Comércio, Serviços ! O que produz a Bolsa de Valores? Nada! Apenas especula, e como consequencia cria alguns empregos, não necessariamente no País do aplicador! O que produz um Banco? Alguns empregos, como consequencia necessária ao seu funcionamento; mais nada se não fomentar a economia ( minha casa, minha vida, empréstimos agricolas, empréstimo à indústria, etc…). Portanto, no Brasil, a CEF, o BB, o BNDES ainda teriam razão de existência, mas, os particulares / privados apenas toma dinheiro de um lado ( dos que aplicam no banco )  e emprestam a juros especulativos / exorbitantes para o outro lado ( clientes que emprestam do banco ) e se quebrarem ferram os dois lados sem um tostão do próprio banco! Não há nenhuma razão de existência dos bancos privados aos moldes do modelo neoliberal, aliás são CÂNCERES a ser combatidos, porém a nossa mídia, o PIG ( Org. Globo, Veja, FSP, Estadão, Sistema de TV ) cujos donos fazem parte dos 1% mais ricos e que estão enriquecendo a cada dia mais rapidamente ( a mídia neoliberal do mundo todo tambpém está inclusa ) não querem mudar o “STATUS QUO”, assim o resto não NEOLIBERAL sofre e pagas pelas mazelas do NEOLIBERALISMO que já quebrou não ELES não querem admitir! 

  2. Só oposição.

    O Reinaldo Azevedo, colunista da Veja e agora também da Folha, é a encarnação mais perfeita do que se transformou a oposição centro-direita no Brasil, apenas críticas raivosas e contrariedade. Projetos, proposições, absolutamente nada!

    Aécio Neves apresenta uma campanha eleitoral que busca rememorar os anos 90 e as ‘conquistas” do governo FHC, uma piada, e de muito mau gosto. Se os dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso tivessem sido só um pouquinho pior, estaríamos talvez, como a Argentina.

    O caminho escolhido foi o correto, mesmo que ainda muito sinuoso, mesmo com uma sociedade que só consegue apreciar medidas de curtíssimo prazo, e não consegue perceber as medidas de estruturação econômica e social, captaneadas principalmente por Dilma Roussef, desde a chefia da Casa Civil, no segundo governo de Luis Inácio Lula da Silva.

      1. Meu caro, não tenha ilusões,

        Meu caro, não tenha ilusões, o empresariado nacional e estrangeiro, o mercado financeiro global, formou consenso negativo sobre o futuro do Brasil com governo que não faça profundas reformas na economia e na politica. A principal reforma é a eficiencia do gasto e da administração publica, o Brasil tem uma altissima carga de impostos mais custos extraordinarios para atender a burocracia e a ineficiencia da maquina governamentla e essa carga fiscal é metade desperdiçada ou consumida pela classe politica e burocratica, não reverte em investimento publico e bons serviços.

        Esse consenso está se cristalizando a cada dia mais, ninguem está colocando a culpa  só no PT,  esse acumumulo

        de problemas vem de longe mas está se agravando, a carga fiscal cresce a todo ano, a ineficiencia aumenta,  o nivel da maioria dos ministros é espantosamente baixo, a avaliação negativa não é localizada, é geral dentro e fora do Pais, é uma constatação e não uma critica.

        O desastre completo das economias da Argentina e da Venezuela, paises com os quais o Brasil se abraçou, tambem contribui para essa percepção, o Brasil fez a opção errada e vai pagar porisso.

        1.   AA, apenas fiz uma

            AA, apenas fiz uma brincadeira com você.

            Minha visão, em que pese seu (vasto) conhecimento, difere da sua em alguns pontos e encontra em outros. O nível geral dos ministros, por exemplo, é indiscutivelmente ruim, a meu ver.

  3. AGORA É TARDE!!!

    Agora é tarde. Inês näo é morta, pelo contrário sua vida está BOMBANDO.

    Estudou, deixou de ser doméstica, é EMPREENDEDORA, filhos no PROUNI, proprietária do “MINHA CASA MINHA VIDA.

    AGORA!!!  Vive dando beijinhos no ombro porque faz parte da classe média DIFERENCIADA e sempre que pode dá seus ROLEZINHOS pelos shoppings da vida.

    Vai dizer o quê pra ela???

  4.  “Se for isso, fica a

     “Se for isso, fica a pergunta: o que o PSDB terá a oferecer aos eleitores de Belford Roxo, da Ceilândia e do Capão Redondo na eleição presidencial deste ano? Privatizações de estatais? Autonomia do Banco Central? Aumento do superávit primário? Câmbio flutuante? A ressucitação da ALCA e a adesão do país à Aliança do Pacífico?”

    Discordo de vc. Nassif, qdo. se refere ao que o PSDB tem a oferecer aos eleitores menos afortunados financeira e profissionalmente nos quesitos que vc. citou: – Autonomia do banco central houve sim com o PT de Lula, vide gestão (moderada) de Henrique Meirelles no comando do BC; Superávit primário com o PSDB?!?!?! Quando e onde houve isto com o PSDB?!?!?! Nem qdo. venderam  a maior parte do patrimônio estatal do país (privatizações de FHC) havia dinheiro em caixa para saldar contas e despesas do Estado, e vide recentemente o caso do governo do PSDB de Beto Richa no Paraná (nem vou citar o caso crônico de décadas em SP), não há tabela de Superávit e sim de Déficit, e tudo é lançado (publicitariamente) como um eficiente “programa de gestão” p/ o dito “Estado economizar”, e o funionalismo público (saúde, segurança, educação, administração…) é sempre o primeiro a pagar via salários e afins.

    Estou enganado Nassif?!?!?!?!?!

  5. O autor está certo, tucanos

    O autor está certo, tucanos acabaram com a inflação. Mas é bom lembrar que o Brasil vivia pedindo dinheiro para o FMI, o desemprego era enorme, ter um negócio próprio naquela época era terrível – juros nas alturas, bem pior que hoje. Época de triste lembranças.

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