Carta aberta a um amigo odiador de Cuba sobre os médicos cubanos, por Lucia Helena Issa

O que aconteceu com você e com tantos amigos médicos? Por que tanto ódio aos médicos que salvaram milhares de vidas no Brasil, sobretudo de nossos irmãos mais pobres?

À esquerda, Lucia Helena Issa. À direita, médico cubano no Brasil em foto de Araquém Alcântara

Carta aberta a um amigo odiador de Cuba sobre os médicos cubanos

por Lucia Helena Issa

Querido amigo,

Tantos anos se passaram desde a nossa infância, desde as nossas férias de verão, quando brincávamos juntos no mar ainda verde esmeralda de Ubatuba, onde nossos pais tinham a casa de praia e onde vivemos grande parte da magia daqueles anos..

Você sempre sonhou em ser médico. Desde aquela tarde de janeiro em que levei 6 pontos na mão, depois de um tombo de bicicleta, quando você me socorreu e, antes de chamar minha mãe, amarrou sua camiseta no ferimento para parar o sangue que escorria pelas areias da rua que dava acesso ao mar de Ubatuba.

Eu tinha apenas 9 anos e já sonhava em ser jornalista e contar histórias de guerras e de amor.

Você tinha apenas 12 anos e sonhava em ser médico.

Aquela menina ainda vive em mim, tornou-se de fato uma jornalista e uma escritora que conta histórias da Palestina, da guerra na Síria e de mulheres refugiadas.

Descobri que você se tornou também um médico, mas quando nos reencontramos na última vez uma tristeza imensa colonizou meu coração. Quando foi que aquele menino repleto de sonhos deu lugar a um médico que relativiza seu juramento, um médico que hoje é a favor da pena de morte, que perdeu todos os seus sonhos e que me parece mais fascinado pelo ódio, pelas armas , por Bolsonaro e suas ações que celebram apenas a morte, do que por salvar vidas? Quando foi que aquele menino que sonhava em resgatar vidas passou a celebrar a morte e a justificar a destruição do legado deixado pelos médicos cubanos, que aqui salvaram milhares de vidas?

Bolsonaro hoje tenta apagar a verdade histórica, tenta associar médicos cubanos às suas delirantes teorias baseados no ódio, e tenta destruir o legado dos médicos cubanos no Brasil, mas Bolsonaro será julgado pela HISTÓRIA.

Lembro-me que quando eu voltei de Havana, onde morei por alguns meses quando estava terminando a faculdade de Jornalismo e meu TCC, sobre a vida em Cuba, você ainda não havia sido sequestrado pelo ódio e conversamos por horas sobre os fantásticos médicos cubanos!

O que aconteceu com você e com tantos amigos médicos? Por que tanto ódio aos médicos que salvaram milhares de vidas no Brasil, sobretudo de nossos irmãos mais pobres?

Desde que tudo aconteceu, desde que Bolsonaro agiu de forma imoral e provocou a saída de mais de 8000 médicos cubanos que atendiam nossos irmãos nas regiões mais pobres do País, tenho visto, com imensa tristeza, o ódio e a crueldade, caminhando rapidamente pelas redes, ao lado de seus pais, a ignorância e o medo.

Por que tanto ódio pelos médicos que têm sido enviados para salvar vidas em 66 países do mundo? Você conhece um pouco da história de Cuba?

Você sabia que Fidel nasceu em uma família bastante rica de Cuba e descobriu, ao crescer, que mais de 60 por cento das crianças da ilha estavam morrendo de desnutrição e que muitos médicos haviam fugido da ilha depois da Revolução e ele poderia contar apenas com 14 deles?

Você sabia que Che Guevara, médico como você, pediu a Fidel que investisse em salvar vidas, que criasse várias faculdades de medicina, que criasse uma rede de médicos de família, idealizada por ele, para que pudessem de fato salvar as crianças que estavam morrendo na ilha?

Você sabia que Cuba passou então a universalizar o acesso a saúde e às faculdades de todas as províncias da ilha?

Você sabia que os cursos de medicina existem em todas as microrregiões do país e que cada uma dessas faculdades chega a formar 100 médicos por ano, totalizando quase 2000 médicos por ano na ilha? Sim, só a famosa e imensa ELAM, a Escola Latino Americana de Medicina, que visitei 3 vezes, recebe milhares de estudantes, inclusive muitos estrangeiros e já chegou a receber 1.000 estudantes de medicina por ano. Você sabia que, segundo a ONU, antes da Revolução, a maior parte das terras da ilha estava em poder dos americanos, que pagavam 50 centavos de peso por 12 horas de trabalho de um cubano? E que de 1, 5% das terras pertencia aos escravagistas e violentos senhores de terras cubanos? Você sabia que, um ano antes de a Revolução triunfar em Cuba, 60% dos cubanos viviam em bohios, uma favela ainda mais pobre e triste do que qualquer favela que você tenha visto?

Você sabia que, antes da Revolução de Che e Fidel, 43% dos adultos eram analfabetos, e 47 % das crianças não ia a escola, e hoje o analfabetismo não existe na ilha?

Você sabia que 30 % da capital, Havana, antes do triunfo de Che e Fidel, não recebia eletricidade, pois eram os americanos que decidiam quem merecia ter eletricidade e quem não merecia? Você sabia que a soma das apostas nos cassinos cubanos diariamente era de 266,000 dólares, mas nada desse dinheiro ia para as escolas ou os hospitais, apenas para um grupo de mafiosos cubanos?

Você sabia que Cuba teve, depois do médico Che Guevara, índices tão baixos de mortalidade infantil quanto os da Suíça? Você sabia que, mesmo com o embargo comercial criminoso dos EUA contra Cuba, durante muitos anos, a ilha teve o melhor sistema de Saúde do continente, conseguindo erradicar muitas doenças, atendendo gratuitamente a 100″% dos cubanos e ainda atendendo milhares de pacientes italianos e brasileiros, que ainda vão para a ilha para tentar curar doenças de pele, fazer um transplante de rim ou fazer um tratamento que na Europa custaria milhares de euros ?

Deixo aqui meu afeto pelo menino que queria ser médico e salvar o mundo, assim como eu queria lutar pela paz e escrever sobre a crueldade das guerras. Deixo também minha imensa tristeza pelo momento que vivemos, pelo ódio aos cubanos, pelas guerras alimentadas pelos EUA, pelos milhões de refugiados. A menina que vive em mim ainda tem esperanças de reencontrar aquele menino. Sonha em viver em um Brasil menos desigual, um Brasil cujo símbolo máximo não sejam dedos apontados para nós em forma de arma, um Brasil onde o projeto do governante seja o de salvar vidas e não o de incitar a morte.

7 Comentários

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  1. Que linda biografia . parabéns , tenha amor ao próximo pois nada disto aqui nos pertence.❤️❤️❤️linda biografia.por que tanto ódio .pelo médicos cubanos .Sr . bolsonaro.ajude nunca esqueça amer próximo como a si mesmo.❤️❤️❤️❤️?????

  2. Que linda biografia . parabéns , tenha amor ao próximo pois nada disto aqui nos pertence.❤️❤️❤️linda biografia.por que tanto ódio .pelo médicos cubanos .Sr . bolsonaro.ajude nunca esqueça amer próximo como a si mesmo.❤️❤️❤️❤️?????

  3. Sou esposa de um médico cubano, ele apaixonado pela medicina humanitária, está a quase 3 anos sem trabalho, e nem falo da medicina porquê fica difícil se regularizar no Brasil. Se nosso presidente não contra atrás como tanto tem feito, ao menos se regularizar agora ele poderá. E assim arrumar um emprego onde possa me ajudar no sustento de nossa família. Ele escolheu ficar por mim,por nós, porquê se encantou com a possibilidade de viver aqui. Ama seu país, mas ficou porquê o próprio presidente disse,que os que aqui ficassem teriam uma chance. O revalida há mais de dois anos não acontece. Isso é desumano, é cruel com quem só quer trabalhar honestamente. Temos quase dois mil profissionais com mãos operosas e capacitadas,visto que já provaram isso atendendo milhões de pessoas aqui. Que Deus toque no coração desse homem que fala tanto em Deus,mas do amor de Deus conhece tão pouco.

    1. Oi Rosimeri, também sou casada com um médico cubano, e que apesar de ser um estrangeiro legalizado no Brasil, vem passando pelas mesmas dificuldades que tantos outros que decidiram ficar nesse País, com a esperança de viver e dá uma vida melhor aos seus, mais que infelizmente isso ainda não foi possível, e pelo que se vê esta longe de serem felizes fazendo o que sabem fazer, salvando vidas, me emocionei ao ler tanta verdade com as palavras dessa jornalista, vivemos rodeados de ódio, de falta de humanismo com o próximo, onde, volta e meia a autoridade maior “humano” esbraveja e insulta seu ódio. Deus abençoe á todos.

  4. Seu amigo passou pela mesma lavagem cerebral que a maioria dos ricos, ou da classe média alta passam.
    Pode ser médico, mas é cabeção.
    Um midiota que gosta de grana, não é?
    Do tipo não sei e não gosto…
    Mas, gosta da grana. Não do ser humano, gosta da grana.
    Uma pena.

  5. É uma linda carta, realmente, mas o problema é que o tempo passa e todos mudam, aliás pelo seu relato tudo aconteceu quando ainda crianças. Crianças são seres humanos em formação. Um dia lá na frente conheceremos o que de fato serão. Aquele menino já não existe mais. Agora é um homem e sua formação profissional projeta muito do que é o país. A profissão de médico é uma das mais classistas no Brasil. Difícil ver por aqui um médico filho de pobres, como era antigamente a profissão de engenheiro. Ser chamado de doutor no Brasil é um afago e tanto no ego desta “gente de bem”. Imagine a afronta que é um médico cubano trabalhando no país? Imagine a bordoada no ego que antes só recebia afagos e respeito? Recentemente passei por um drama com a minha esposa enferma e, o que eu poderia relatar sobre isto é que foi uma verdadeira saga, a busca pelo tratamento, passando de mãos em mãos de médicos, vaidosos e na maioria, me desculpem se pareço injusto, filhinhos de papai que não conhecem a realidade brasileira na sua origem. Conhecem no dia-a-dia, nos dramas dos hospitais e consultórios, e vi vários desesperados e perdidos sem saber o que fazer, mas porque não conhecem o drama da pobreza brasileira na sua origem. Na minha opinião hoje, depois do que nós passamos na família, a medicina brasileira tinha quer ser do Estado, totalmente estatal. É uma desgraça para a nação esta medicina privada que busca o lucro no sofrimento do ser humano. Isto deveria acabar. Se há uma medicina que eu gostaria de ver aqui no Brasil, é a dos cubanos. Uma pena que o Brasil tenha perdido esta oportunidade de aprender com eles, mas o que importa nesta medicina por aqui não é aprender (só se for com americano), é lucrar.
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