do Chacoalhando
ALERTA: O cesco pode causar mais mortes que o coronavírus, e já chegou ao Brasil
por Ruben Rosenthal*
O CESCO é o representante no Brasil do Consumer Choice Center (CCC), um novo grupo lobista, que se declara uma organização sem fins lucrativos, que visa defender os interesses dos consumidores. O CCC foi formado em fevereiro de 2017, inicialmente nos Estados Unidos, Canadá e União Européia. Ainda no mesmo ano o CESCO se estabeleceu no Brasil, inicialmente para atender ao agronegócio.
Nos Estados Unidos, o CCC é vinculado à organização de direita Students for Liberty, ligada aos bilionários irmãos norte-americanos Charles e David Koch, e ao Institute of Economic Affairs, este sediado em Londres. O CCC é parceiro da Atlas Network, organização que defende políticas de desregulamentação ultraliberais. No Brasil, o CESCO é diretamente vinculado ao “Estudantes pela Liberdade”, grupo que pariu o golpista MBL.
Em artigo anterior no blogue, foi apresentada a rede de 14 parceiros da Atlas no Brasil, e que representa apenas uma parte dos cerca de 500 parceiros que organização possui em 90 países. O Centro de Escolha do Consumidor atua como lobista da Atlas Network no Brasil, e dos interesses que a Atlas representa.
A missão declarada pelo CCC/CESCO, é de “empoderar os consumidores, promovendo o ativismo, para que tenham voz perante a mídia, na internet e nas ruas”. No entanto, a organização que declara atuar em prol dos consumidores, tem sua agenda focada na desregulamentação de setores como os da saúde, tabagista, de produtos alimentícios, de pesticidas, dentre outros, além de criticar subsídios para as energias alternativas, e defender o negacionismo climático, que não reconhece o enfoque científico na questão das mudanças climáticas.
No Brasil, dentre os principais objetivos do CESCO, segundo declarado pela própria Atlas Network, consta a oposição à restrições nos rótulos de pacotes de cigarros e de alimentos, bem como ao controle do uso de agrotóxicos. Quanto a este último, coincidência ou não, mas parece que os lobistas estão conseguindo alcançar seus objetivos, pois, desde a abertura dos escritórios do CESCO no país em 2017, dezenas de agrotóxicos com comercialização proibida em outros países foram aqui liberados nos governos Temer e Bolsonaro (ver Pedlowski).
A desregulamentação da legislação relativa ao tabaco é uma das principais áreas de atuação do CCC, a nível mundial, e do CESCO, no Brasil. Isto não chega a ser uma surpresa, pois, tanto o CCC como a Atlas Network, vem mantendo há anos fortes vínculos com as indústrias do setor tabagista.
Conforme relato no The Guardian, mais de 100 organizações que defendem o livre mercado se colocaram contra as políticas de controle do tabaco, ou aceitaram doações da indústria do tabaco.
Segundo o periódico britânico, a Atlas Network recebeu nos últimos anos doações da British American Tobacco (BAT), da Japan Tobacco Internacional (JTI), além da Phillip Morris Internacional (PMI). Membros de várias das grandes empresas do setor tabagista já fizeram parte do conselho diretor da Atlas.
No Brasil, um dos principais enfoques do CESCO é colocar obstáculos às campanhas que visam diminuir o uso de cigarros. Uma das campanhas do setor de saúde que está na mira dos lobistas do tabaco, é a da padronização das embalagens dos maços de cigarros para remover o apelo de propaganda. Segundo os lobistas, “as novas regulamentações buscam afastar o consumidor, ao substituir maços atrativos, por modelos padronizados enfadonhos, com uso de cores e rótulos sem apelo”.
Estudo publicado por pesquisadores da Simon Fraser University, na revista científica The International Journal of Health Planning and Management, mostraram que a Atlas Network é uma antiga aliada estratégica da indústria do tabaco. Segundo a pesquisa, uma das formas da Atlas angariar apoio para o setor do tabaco, consiste em secretamente canalizar fundos para setores que estejam dispostos a se opor à políticas de controle do tabaco.
O próprio CEO da Atlas, Alexander Chafuen, já declarara ao presidente da PMI, que doações vindas da indústria do tabaco são utilizadas para apoiar indivíduos e legitimar organizações que defendem os direitos individuais. No caso, Chafuen se referia provavelmente ao direito que cada um tem de prejudicar sua própria sua saúde, e a dos fumantes passivos.
Fumantes passivos: Documentos internos da indústria do tabaco revelaram que a Atlas procurou desacreditar o relatório de 1993 da EPA, a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos, sobre os riscos de câncer de pulmão a que o fumante passivo está submetido. A Atlas financiou eventos e conferências, onde palestrantes procuraram questionar os resultados das pesquisas citadas no relatório da EPA. A indústria conseguiu se infiltrar em organizações internacionais de saúde, inclusive na Agência Internacional para a Pesquisa do Câncer.
Através do “Latin Project”, cientistas e médicos da América Latina, inclusive do Brasil, foram corrompidos com fundos fornecidos por BAT e PMI. Artigo de Barnoya e Glantz, publicado em julho de 2002 no periódico científico Tobacco Control, revelou que o “Latin Project”, iniciado em 1991, subornou médicos e cientistas para apresentarem falsos resultados de pesquisas sobre qualidade do ar em recintos fechados (indoor air quality, IAQ).
O objetivo era publicar artigos que contestassem dados científicos que tivessem estabelecido a vinculação de fumo passivo com doenças diversas, bem como organizar simpósios regionais para cientistas e mídia, quando falsos dados favoráveis à indústria poderiam ser apresentados.
No Brasil, participaram do Latin Project dois professores do Instituto de Química da UFRJ, e outro, Universidade de São Paulo. Além destes, são mencionados um epidemiologista do SUDS/RJ (Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde), e outros, cujas filiações não estão identificadas no artigo de Barnoya e Glantz. Algumas das remunerações recebidas pelos profissionais foram especificadas no artigo.
Em sua atuação como lobista, o foco principal do Centro de Escolha do Consumidor é desacreditar a Organização Mundial de Saúde e a Agência Internacional de Pesquisa do Câncer. Esta última, por ter avaliado o pesticida glifosato, como um provável agente cancerígeno, e a OMS, por ter implementado, em 2005, a Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (FCTC, na sigla em inglês).
A relevância do que representou a Convenção-Quadro para o controle do tabaco no Brasil, em um período de 10 anos (2005-2015), pode ser vista em extenso documento do INCA, o Instituto Nacional do Câncer. Segundo o artigo 5.3 da Convenção-Quadro: “Ao estabelecer e implementar suas políticas de saúde pública relativas ao controle do tabaco, as Partes agirão para proteger essas políticas dos interesses comerciais e de outros interesses da indústria do tabaco, em conformidade com a legislação nacional”. As Diretrizes para a implementação do artigo 5.3, da Convenção-Quadro se tornaram alvo dos lobistas.
Nos próprios sites do CCC , a estratégia para combater as políticas da OMS que prejudicam a indústria do tabaco é explícita na chantagem: Defund WHO. Ou seja, trata-se de uma campanha para convencer governos a cortarem fundos de financiamento da OMS, numa tentativa de asfixiar a organização. O objetivo principal pretendido com a campanha é reverter ou neutralizar a Convenção-Quadro, mas os pretextos alegados são outros.
Uma das principais alegações que o CCC (e o CESCO) faz contra a OMS, é que o foco principal da entidade estaria mais no combate de doenças não transmissíveis, do que naquelas que representam riscos à saúde global, como o “combate ao vírus Ebola”. Também é alvo de críticas, a suposta falta de transparência nas decisões relativas ao FCTC nas Conferências das Partes (COP), por “serem tomadas à portas fechadas, sem a presença de jornalistas”. Outras alegações incluem excessos de despesas com viagens e mordomias, às custas do contribuinte do Ocidente.
O CCC critica que Convenção-Quadro da OMS condene de forma absoluta a nicotina, ao invés de apoiar políticas de “redução de risco”. Os lobistas defendem que os consumidores possam optar por tecnologias alternativas, que possibilitem o uso de formas menos prejudiciais de se consumir nicotina: “Nós promovemos idéias de legalizar anúncios, propaganda, e escolha pelo consumidor”.
O Centro de Escolha do Consumidor promove as novas tecnologias, argumentando que os riscos da nicotina podem ser diminuídos. Este seria o caso com o uso de cigarros eletrônicos (que funcionam à base de vaporização), de dispositivos que aquecem o tabaco sem queimá-lo, ou ainda, do snus sueco, que consiste de um tabaco em pó (tipo rapé) úmido.
Resta saber se foram financiados pelos lobistas do tabaco, os cientistas do Royal College of Physicians, que chegaram à conclusão que estas tecnologias são até 95% menos prejudiciais à saúde que o cigarro tradicional. Pesquisas independentes demonstraram que produtos a base de tabaco aquecido, sem combustão, não trazem benefícios à saúde dos usuários (acesse aqui e aqui).
A brasileira Stella Aguinaga Bialous, PhD, professora da Universidade da Califórnia, e especialista em saúde pública, descreve em artigo de 2019 no periódico Tobacco Control, o impacto que a implementação da FCTC teve no comportamento da indústria do tabaco. O artigo ajuda a entender a reação extremada do CCC/CESCO, em desenvolver a campanha para bloquear fundos destinados ao financiamento da OMS.
A pesquisadora relata que a indústria do tabaco se opôs a FCTC desde o início, propondo políticas voluntárias alternativas, e tentando influenciar países a seu favor. Com a inevitabilidade da implementação da Convenção-Quadro, a indústria passou a atuar, então, no sentido de enfraquecer a legislação aprovada pelos países, e de tentar interferir na implementação de medidas aprovadas que pudessem prejudicar os negócios do setor tabagista.
O artigo rebate as críticas vindas dos lobistas de que ocorre falta de transparência por parte da OMS, por excluir a indústria das deliberações da FCTC. Durante a Oitava Conferência das Partes (COP8), realizada em outubro de 2018 em Genebra, Phillip Morris International promoveu um evento científico paralelo, para promover seus novos produtos. A cientista que representou PMI no evento ressaltou em seu Twitter, que o artigo 5.3 da Convenção-Quadro requer transparência, e que não coíbe as reuniões da indústria com os governos.
Bialous considera que chega ser irônico que a indústria recorra ao artigo 5.3, que tanto combate, para argumentar que as Diretrizes não proíbem as interações com a indústria: “As afirmações da cientista que representava PMI são errôneas, pois as Diretrizes são claras na determinação de que as interações entre governos e indústria devem ser apenas para propósitos regulatórios (e não para explanações ou outras confabulações). As evidências são de que as Diretrizes estão sendo bem sucedidas nestes objetivos, o que explica as investidas dos lobistas”.
Bialous ressalta que a indústria atuou principalmente em três áreas, para tentar interferir contrariamente à aplicação da legislação do setor tabagista, e do protocolo para eliminar o comércio ilegal: promoção de produtos que reduziriam os riscos da nicotina, litígio em tribunais, e recurso a acordos comerciais internacionais.
As estratégias de redução de risco já foram mencionadas neste artigo. Bialous salienta que elas precisam ser vistas no contexto do longo histórico da indústria, de manipular as embalagens e ingredientes, visando aumentar o apelo e o prazer, bem como da oposição às políticas de implementação dos Artigos 9 e 10 da FCTC.
O Artigo 9 trata da análise e da medição dos conteúdos e emissões dos produtos de tabaco, e sua regulamentação, enquanto que o Artigo 10, trata da divulgação de informações sobre tais conteúdos e emissões para as autoridades governamentais e para o público. A íntegra das Diretrizes para a implementação destes artigos pode ser acessada em documento do INCA.
A indústria vem também utilizando a estratégia de recorrer ao litígio para bloquear o avanço da FCTC. Chega a 300, o número de casos levados aos tribunais, em direta contestação de políticas de governos voltadas para o controle do tabaco, com foco na saúde pública. No Brasil, a regulação de banir aditivos foi disputada nos tribunais, desde que foi aprovada em 2012. Entretanto, mesmo com a Suprema Corte decidindo a favor do banimento, este ainda não foi implementado, segundo relatou Bialous.
Como terceira estratégia para se opor à implementação da Convenção-Quadro, a indústria do tabaco defende que medidas de controle do tabaco violam acordos do comércio internacional, principalmente na questão de regras que eliminam o apelo visual dos pacotes de cigarros.
Por outro lado, a indústria do tabaco nunca foi uma fiel seguidora de regras de comércio, pois esteve envolvida, direta e indiretamente, no comércio ilegal de cigarros por décadas. Menos de 5% do comércio ilegal é de produtos falsificados. Segundo Bialous, a indústria intensificou esforços na última década, para interferir contra a implementação de um protocolo voltado para o combate ao comércio ilegal de produtos do tabaco. O protocolo finalmente entrou em vigor em setembro de 2018, mas novas investidas da indústria são esperadas.
A emergência do Centro de Escolha do Consumidor representa uma quarta e nova estratégia usada pela indústria do tabaco, em sua campanha contra a OMS, com o intuito de bloquear a aplicação da Convenção-Quadro. Os riscos para a saúde pública extrapolam a questão de fumantes ativos ou passivos, aditivos no tabaco, ou novos produtos com redução de riscos.
Não bastassem as mortes e doenças que certamente irão advir, caso a OMS seja impedida de implementar a contento suas políticas de redução do consumo do tabaco e derivados, outros setores de atuação da OMS serão afetados, se a Organização tiver suas condições operacionais comprometidas pela criminosa campanha de boicote ao seu financiamento pelos governos, capitaneada pelo lobby do Centro de Escolha do Consumidor
*Ruben Rosenthal é professor aposentado da Universidade Estadual do Norte Fluminense, e responsável pelo blogue Chacoalhando.
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