Decisão da China viabiliza retomada do Brasil pela indústria básica, por J. Carlos de Assis

Decisão da China viabiliza retomada do Brasil pela indústria básica

por J. Carlos de Assis

Em decisão que pode ajudar a viabilizar no Brasil o maior programa de investimentos em indústrias básicas desde o II Plano Nacional de Desenvolvimento, o Conselho de Estado da China anunciou política de apoio a investimentos diretos no exterior por parte das indústrias siderúrgica e de metais não ferrosos, além de construção e  transporte. É a deixa chinesa para o Projeto Transul, de siderurgia e metalurgia, que um grupo de especialistas em torno da Coppe/UFRJ, do instituto Intersul e do Clube de Engenharia vem propondo desde o ano passado em conversas com empresários do setor e funcionários do Governo.

O Projeto Transul surgiu no âmbito da Conferência BRICS no Século XXI, em maior do ano passado, no Rio, a partir da constatação de que  a A América do Sul e o Brasil em particular ressentem-se da queda tendencial das taxas de crescimento econômico que, no caso brasileiro, refletiram o esgotamento de um ciclo de consumo que afetou seriamente a demanda agregada e o investimento. Com a redução de preços e quantidades exportadas de commodities minerais e agrícolas, as posições anteriormente superavitárias na balança comercial diminuíram drasticamente e em muitos casos transformaram-se em déficit, o que agravou sensivelmente os déficits em conta corrente com o exterior, reduzindo o espaço de manobra da política macroeconômica.

Nossa alternativa é intensificar o esforço exportador. Contudo, estamos limitados, do lado das commodities minerais e agrícolas, pelo cenário internacional de recessão ou baixo crescimento em todos os países industrializados avançados. A China tem sido a exceção, mas ela própria sente os efeitos da desaceleração da economia. A produção e exportação de manufaturas pelo país esbarra, a seu turno, na concorrência chinesa e na situação de deflação na Europa e no Japão. Com isso, só resta ao Brasil intensificar a exploração e industrialização de recursos naturais e agrícolas, em base autossustentável, de forma a alavancar o seu desenvolvimento.

A China consegue manter um ritmo invejável de crescimento econômico, contribuindo dessa forma para aliviar a crise econômica mundial. Entretanto, com base em fontes chinesas confiáveis, sabemos que o país se defronta com sérios problemas de poluição, especialmente em suas metrópoles,  e de aguda escassez de água. A preocupação do Governo chinês com essa situação está espelhada num programa de recuperação e preservação ambiental de mais de 600 bilhões de dólares em cinco anos. O recente acordo com os EUA também denota o sentido de responsabilidade que a liderança chinesa tem em relação às questões ambientais.

Nossa única dúvida inicial em relação ao Projeto era a reação chinesa a uma eventual proposta brasileira para sua viabilização. Essa dúvida foi dissipada agora pelo Conselho de Estado abrindo caminho para negociações concretas que espero sejam imediatamente propostas  pelo Governo brasileiro. Na essência, o Projeto Transul se propõe a articular uma aliança estratégica entre o Brasil e a China, a ser oportunamente estendida a outros países da América do Sul e dos BRICS, no sentido de vincular a retomada do desenvolvimento industrial brasileiro aos programas de exportação e de controle ambiental chineses. Seu objetivo específico consiste em propor à China o outsourcing parcial dos metais, de forma a que o aumento do consumo chinês de metais, no futuro, tendo em vista inclusive a construção anunciada de 30 megalópoles até 2030, seja atendido por produção desses metais no Brasil por empresas brasileiras, ou sino-brasileiras. O Conselho de Estado, como visto, abriu essa possibilidade.

As vantagens para a China em termos de controle de poluição e de economia no consumo de água seriam evidentes. A perda em emprego seria irrelevante, tendo em vista que a produção no Brasil (ou na América do Sul) substituiria apenas um elo na produção e uso do aço e de outros metais, ficando a cadeia superior de manufatura intocada, e virtualmente livre de atividade poluidora.  O Brasil, a seu turno, se beneficiaria da geração de emprego, da agregação de valor às matérias primas (inclusive petróleo), e, sobretudo, da contribuição da produção e exportação de metais para a estabilização do balanço de pagamentos.

O investimento produtivo no Brasil poderia ser arquitetado na base de Project finance, isto é, seria contratada com a China venda futura a longo prazo dos metais a serem produzidos por cada uma das empresas, exclusivamente para exportação, sendo que esses contratos seriam utilizados como garantia do financiamento por bancos chineses ou pelo futuro Banco dos BRICS. Brasil e China se comprometeriam a garantir tecnologia de controle ambiental no estado da arte para as empresas a serem construídas, assim como a promover as melhores políticas sociais vinculadas ao Projeto. E ao Brasil competiria assegurar a infraestrutura logística do sistema com garantia dos financiamentos, por exemplo, pela CIDE combustíveis.  

Se o programa chinês de controle e preservação ambiental contemplar a desativação de siderúrgicas e outras metalúrgicas tecnologicamente obsoletas, poderia se estabelecer um mecanismo compensatório pelo qual à desativação de uma usina na China corresponderia a construção de usina com capacidade produtiva equivalente, não poluidora, no Brasil. Em consequência, o balanço ambiental seria altamente positivo em termos mundiais. O fato de que o mercado de aço, atualmente, esteja super-ofertado não afeta a lógica do programa, exceto se a China reduzir drasticamente seu crescimento, o que não é provável. Ao contrário, a decisão do Conselho de Estado é no sentido de ampliar a produção no exterior.

A construção com apoio chinês de um colar de siderúrgicas e metalúrgicas, especialmente na Região Norte e Centro-Oeste onde não falta água e o suprimento de energia pode ser facilmente viabilizado, representaria a oportunidade para a retomada da economia brasileira a altas taxas. Note-se que seriam empreendimentos com demanda garantida, ou seja, sem risco de mercado. A parte principal dos financiamentos seria proveniente da própria China, passando-se ao largo de nossas agruras fiscais. Ao contrário, na medida da entrada dos financiamentos haveria um efeito positivo permanente no balanço de pagamentos, inicialmente pela via dos recursos financeiros, e logo em seguida pela receita de exportações, contribuindo a médio prazo para redução significativa do déficit em conta corrente – nosso maior gargalo econômico.

J. Carlos de Assis – Economista, doutor em Engenharia de Produção pela Coppe/UFRJ, professor de Economia Internacional da UEPB.

Redação

9 Comentários

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  1. BRASIL PODE TROCAR DE DONO!

    Já pensaram se a China comprasse o Brasil?

    Como são as coisas por lá?

    Será que gostariam de vê-las diferente por aqui?

    O capital chinês deve ser bem vindo, mas desde que não transforme seus lucros em dólares, não instale indústrias exportadoras aqui, e não domine mais da metade de qualquer setor da economia. Porque se não formos além da política de substituição de importações, e passarmos para a política de substituição de capitais estrangeiros; jamais deixaremos de ser uma colônia:

    http://democraciadiretabrasileira.blogspot.com.br/2014/11/como-deixar-de-ser-colonia.html

    A economia brasileira parou, porque a especulação financeira e imobiliária tomaram conta do país, através do Congresso, e seus parlamentares eleitos à custa do financiamento privado de campanhas. Se os investimentos especulativos forem direcionados para a produção e consumo, nossa economia fica melhor que a chinesa:

    http://democraciadiretabrasileira.blogspot.com.br/2015/02/impostos-sim-mas-com-justica.html

    1. Esse é o nosso dilema: ou ser

      Esse é o nosso dilema: ou ser quintal dos EUA ou ser quintal da China, porque se depender das FIESPs da vida, vamos ficar esperando o governo abrir as tetas para o nosso “empresariado”, que nunca quis saber de riscos. 

  2. Só vejo uma vantagem em

    Só vejo uma vantagem em deixar de ser colônia gringa para se tornar colônia chinesa: a China está mais longe do Brasil.  

  3. Ferrovia transcontinental

     

    Mas a Dilma vetou prioridade ao projeto

    http://www.oaltoacre.com/dilma-rousseff-vetou-construcao-de-ferrovia-ligando-mt-e-ac/

     

    A presidente Dilma Rousseff (PT) vetou prioridade nas metas deste ano à construção do trecho ferroviário ligando Lucas do Rio Verde a Cruzeiro do Sul (AC), na EF-354, mais conhecida como Ferrovia Transcontinental. Ela constava no projeto de lei aprovado sobre as diretrizes para elaboração e execução da Lei Orçamentária 2015, que ainda não foi votada. No despacho, encaminhado como mensagem à presidência do Senado, outras ações no modal ferroviário nacional também foram vetadas.

    Para o veto, a presidente justificou que o projeto encaminhado pelo Poder Executivo ao Congresso Nacional estabeleceu que as prioridades da Administração Pública Federal restringiam-se às ações relativas ao Programa de Aceleração do Crescimento – PAC e ao Plano Brasil Sem Miséria. Com isso, explicou que “a ampliação do rol de prioridades, mediante a inclusão de ações […], desorganizaria os esforços do governo para melhorar a execução, monitoramento e controle de suas prioridades já elencadas, afetando, inclusive, o contexto fiscal que o país enfrenta”.

    O governo ainda esclareceu que “em relação ao PAC, o anexo proposto não guarda coerência com as ações do Programa, retirando foco das ações de caráter mais estratégico. Além disso, no tocante às programações decorrentes de emendas individuais, a sua inclusão como prioridade não faria sentido na medida em que o artigo 56 estabelece que essas emendas são de execução obrigatória.”

    A Valec, estatal responsável, aponta que a ferrovia foi planejada para ter aproximadamente 4,4 mil km de extensão em solo brasileiro, entre o Porto do Açu, no litoral do estado do Rio de Janeiro e a localidade de Boqueirão da Esperança (AC), como parte da ligação entre os oceanos Atlântico, no Brasil, e Pacífico, no Peru.

    Entre os benefícios, a estatal aponta que a ferrovia vai proporcionar alternativa no direcionamento de cargas para os portos do Norte e Nordeste, principalmente aquelas produzidas em Goiás, Mato Grosso e Rondônia e, assim, reduzir o percurso e o custo do transporte marítimo de grãos e minérios exportados para os portos do Oceano Atlântico, Europa, Oriente Médio e Ásia; Além disso, vai aumentar a produção agroindustrial da região, motivada por melhores condições de acesso aos mercados nacional e internacional.

     

     

     

     

  4. A maior integração econômica

    A maior integração econômica com a China traria imensos benefícios ao Brasil. Os chinese não trazem letrinhas pequenas nos contratos para enganar gente simples e crédula. Os chineses são comerciantes natos, não são piratas natos como os ingleses europeus e os ingleses americanos. O continente africano, por  exemplo, está de norte a sul mudando de patamar civilizatório, graças ao comércio com a China, sempre bom para os dois lados. Mas há um porém, nestes planos de incrementar a integração comercial com a China. No atual momento histórico que o Brasil atravessa, algumas instituições nascem inesperadamente no interior do país com muita força, aproveitando antigos esqueletos institucionais secundários, e se impõem sobre todas as antigas instituições nacionais, criando regras próprias apartadas da tradição jurídica, dos princípios constitucionais do país e do Estado de Direito. Diante desse quadro, faz-se necessário saber o que pensam sobre o incremento das relações comerciais com a China as autoridades da Repúblicca do doutor Moro, que passou a funcionar no planalto paranaense, prometendo virar o Brasil de ponta cabeça para atacar alvos econômicos e políticos que aquele líder julga serem alvos preferencias para concentrarem todo o ódio na Nação. Claro que nada de importância se pode decidir hoje no país sem a opinião de tão poderoso grupo, que age em sintonia fina com as maiores empresas de comunicação brasileiras e do exterior. Se eles vetarem a intensificação do comércio com a China, vamos apenas malhar em ferro frio.

  5. Atraso…

    É impressionante como a academia está descolada da realidade. Os chineses querendo empurrar a sujeira que fazem em seu quintal para estas bandas e, com isso, limpar a barra para as fábricas americanas e européias que lá operam (compliance ambiental, etc.),  aqui temos a Thyssen-Krupp micada com a CSA, doida para vendê-la a pelo menos uns dois anos e por aí vai. Até este bobo aqui sabe destas coisas.

    Enquanto isso, nossa academia faz estudos sobre trazer siderúrgicas chinesas para cá… Será que ninguém assina publicações epecializadas para esta turma não? Francamente, vai ser desinformado assim lá longe viu…

    1. Isto não é futebol, meu caro.

      Isto não é futebol, meu caro. Sou mais Parmeiras porque tem menos corrupto… Esta redução futebolística de todos os aspectos políticos e econômicos da vida do país com certeza é um ardil midiático de direita dos mais sérios, complexos e profícuos.

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