Declaro meu voto e o que me mantém em tal teimosia, por Rui Daher

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Declaro meu voto e o que me mantém em tal teimosia, por Rui Daher

Espanta-me o espanto que algumas pessoas próximas a mim revelam quando afirmo que irei votar em Dilma Rousseff. Também a agressividade ou o isolamento quando sabem do gesto. “Como alguém tão informado mantém tal teimosia”? Irritam-me. Sinto-me no lugar de negros que ouvem: “ele é preto, mas de alma branca”. Cuma?

Qual informação, cara-pálida? A que vem do dos esgotos de Veja e demais folhas e telas cotidianas porta-vozes do acordo secular de elites que garante esta Federação de Corporações?

Vocês não acham que eu precisaria ser muito burro para não ter antecipado a “bomba” que viria daquela revista às vésperas da eleição? Como não, se ano após ano se repete o mesmo truque? Conheço roteiristas muito melhores e capazes de criar factoides mais criativos.

Como hoje é pra sabadear, tento acalmar seus espantos, e trazer para perto de mim as criancinhas.

Não conheço pessoalmente sequer um político do Partido dos Trabalhadores (PT). Nunca fui apresentado a um deles. Nem mesmo para apertos de mãos.

Poucas vezes, porém, vocês sabem, deixei de votar em seus candidatos.

A militância no movimento estudantil, entre 1963 e 1975, e na sequência os anos de presença noturna nos barracões do curso de Ciências Sociais, na USP, aonde fui para aprender a ler sociologia, política, antropologia, economia, me levaram a tais escolhas.

Em mais de meio século, a única iniciativa partidária que tive foi em 1978 (nossa, como estou velho), quando reuni no salão de festas do edifício em que eu morava alguns condôminos e amigos da GV (não mais do que 20 pessoas) para ouvirem Eduardo Suplicy e Alberto Goldman, então candidatos a deputado estadual e federal, respectivamente, ambos do MDB (Movimento Democrático Brasileiro).

Apoiava-os contra a Arena, o partido da ditadura, numa eleição emblemática, embrião dos movimentos pelas “Diretas-Já” (1983/1984).

Sempre vi no ideário do PT e na maioria de seus membros noções de política, economia, sociedade, costumes, próximas do que fora minha formação.

Nunca usei política e políticos. Quando Lula foi eleito para o seu primeiro mandato, conhecidos e amigos brincaram: “Finalmente, agora você vai poder usufruir algum favor do governo”. Como, se eu não conhecia ninguém, minha agenda não registrava um número de telefone?

Vivo a política no plano das ideias. A elas se juntaram os milhares de livros que abarrotam a casa e, a cada dia, pesam como maléfica herança que deixarei aos filhos resolverem.

Sinto-me neste momento, vítima do vírus PT-ebola. Estou contaminado e não sei quanto tempo os amigos me manterão em quarentena. Tenho medo do Facebook. Entro, por solicitação dos meus editores, apenas para postar o que escrevo para o blog de Terra Magazine e a coluna emCartaCapital. E saio correndo.

Sim, apesar das muitas decepções com o PT, depois que o partido assumiu o Executivo brasileiro, votarei em Dilma Rousseff. Todas as discordâncias não superam aquilo que lutei e esperei 50 anos para ver: o Brasil incluir miseráveis ao consumo através da oferta de empregos formais e do assistencialismo de Estado.

Aos outros, pergunto por que não o fizeram antes? E nada mais me importa. O resto é filme já visto em todos os governos. Corrupção? Sempre. Erros de política econômica? Aos montões. Inflação? Não maior do que nos mandatos de FHC, o primeiro delegado, o segundo comprado. Política externa? As queixas vêm da falta de rapapés e subserviência.

Espantam-se: “fosse alguém que vive nos grotões manipulados, vá lá”.

Informo-os do pior. Depois do perrengue econômico-financeiro que me persegue há 15 anos, a vitória de Aécio e de seu projeto neoliberal fariam tremendo bem à minha vida pessoal.

Devem pensar: “bem feito, o cara é burro, merece”.

Pois é, mereço, por isso votarei Dilma, 13.

Menos pelo PT. Se hoje tivesse de optar por um partido, me aproximaria do PSOL. Não o fiz ou faço para não facilitar ainda mais a permanência do secular acordo de elites que nunca quis tirar os brasileiros da miséria ou a isto deu prioridade.

Se ao PT, que tanto abriu as pernas ao empresariado nacional, proporcionou lucros imensos ao setor rentista, colocou o BNDES aos pés de várias empresas, eles tratam de forma selvagem, imagine o que fariam com os estimados Chico Alencar, Marcelo Freixo, Luciana Genro, Jean Wyllys.

Voto no projeto possível de manter o País fora dos trilhos dessa secular Maria-Fumaça, pobre e enferrujada.

Não me incomodam displicências macunaímicas de serviçais. Não me seduzem empáfia e meritocracia vindas de bons colégios e faculdades. Fujo do gueto higienista. Divertem-me as multidões nos aeroportos, o carinha de camiseta-regata e havaiana no avião.

O que mais me desagrada, no entanto, é não ser porteiro no prédio onde mora Danuza Leão. Assim que ela chegasse, me encontraria com a camiseta canarinho, duas bandeirinhas cruzadas de Brasil e França, e o meu periquito entoando os primeiros acordes da Marselhesa. 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

19 Comentários

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  1. Aecista não tem argumento

    Eu também sofro desse preconceito por votar na Dilma.

    E sempre lanço a questão: “Existem duas opções. Quais são os seus argumentos para concluir que o Aécio é melhor  que a Dilma ?”

    Eles simplesmente não conseguem argumentar.

  2. Ótimo texto.
    Só discordo

    Ótimo texto.

    Só discordo quanto ao PT. Tem seus problemas, como todo partido grande, mas mostrou nessa eleição que ainda é o mais importante do país. No poder, numa democracia de coalizão como a nossa, em que a maioria da população é conservadora, não dá para radicalizar como, no discurso, pretendem PSOL e PSTU. Negociar é preciso. É isso ou golpe.

  3. Concordo com praticamente

    Concordo com praticamente tudo que você falou, menos com uma. O PSOL. Eles escolheram abandonar o PT no momento em que o partido mais precisava, na época do bombardeio do Mensalão. Pularam do navio como ratos no suposto naufragio a vista. Chegaram a apoiar até o vampiro Serra dito na pessoa do falecido Plinio de Arruda Sampaio e Heloisa Helena. Covardia total. Destaco que esta é minha opinião sobre o PSOL, concordem ou não.

  4. Grande texto!

    Rui estou com você!

    O pior é que escuto as mesmas coisas, provavelmente nos mesmos ambientes:

     – “vai conseguir seu empreguinho público”, logo eu aposentado capitalista (i.e., vivendo de renda de capital),

    – “esquerda caviar que viaje para Paris” (odeio caviar, bebo menos champagne que eles, e vou para Paris para bater ponto na mama – o.k. adoro passear em Paris, mas não a deles, a do povo).

    etc…

    Agora cá entre nós, a “Marseillaise” é um canto de guerra, com texto bem violento, e sou da paz!

  5. A heróica pancada

    Por causa da idade, a lei me faculta o direito de votar ou não. Então pensava que tinha aposentado meu título de eleitor em 2010, devido ao desencanto com os políticos.
    Há um momento, na vida, no entanto, que temos de repensar nossos atos.
    Ao ver o rumo que a atual campanha tomou, com Aecinho agredindo a torto e a direito e fingindo-se de agredido, Jorge Bornhausen dizendo que “temos de acabar essa raça”, o Luis Carlos Prates (sim, aquele que disse que nossas rodovias estão entupidas porque os pobres estão comprando seu carrinho no lugar de botar comida na mesa) ler no jornal do SBT nada menos que SETE RECORTES DE JORNAL contra a Dilma, de ver Fernando Henrique Cardoso, que não sabe envelhecer com dignidade, afirmar (depois daquele “os aposentados são vagabundos que não querem trabalhar”) voltar a agredir-nos declarando, por escrito, que “POBRE VOTA NO PT PORQUE NÃO TEM INFORMAÇÃO”, então meu sangue ferveu e me lembrei dos versos inscritos na arcada do Largo São Francisco (Faculdade de Direito da USP):
    “Quando se sente bater
    No peito heroica pancada,
    Deixa-se a folha dobrada
    Enquanto se vai morrer…”
    Eis que peguei o título empoeirado no fundo do baú e fui depositar meu voto no 13.
    Agora é esperar, a minha obrigação já fiz…

    1. Parabéns por sua atitude. Não

      Parabéns por sua atitude. Não precisava mais votar mas… és vivo, tem esperança dentro de ti. Com espírito jovem levantou da cadeira e foi votar. Exemplo de esperança. Parabéns.

       

  6. “optaria pelo PSOL, mas sabe como é…”

    “Se hoje tivesse de optar por um partido, me aproximaria do PSOL. Não o fiz ou faço para não facilitar ainda mais a permanência do secular acordo de elites que nunca quis tirar os brasileiros da miséria ou a isto deu prioridade.”

     

    Não entendi a lógica. Fortalecer o PSOL facilitaria o que exatamente?

  7. DECLARAÇÃO DE VOTO

    Eu tive o privilégio de viver boa parte da minha juventude na Europa, graças ao cargo de diplomata do meu Pai. Deixamos o Brasil em 1961, depois de uma era de otimismo impulsionado por JK, que durante e depois do brilhante mandato foi tratado como um cão sarnento, que nem Lula e Dilma, hoje. Infelizmente, boa parte da classe média brasileira parece não suportar bem políticos com visão e compromisso com o País…

    Pois bem, saindo orgulhoso do meu Brasil depois da epopéia desenvolvimentista, eu sempre fui humilhado na Europa por pertencer a um País repleto de miséria. Não havia igrejas, não havia escolas onde não houvesse um “projeto social” no Brasil, com uma foto de criança descalça, passando fome.

    Tínhamos de engolir seca essa humilhação, pois correspondia a mais pura verdade! Como pode um país repleto de chão, de oportunidades, de riqueza, suportar tanto atraso humano, moral !

    Que governo finalmente ia nos resgatar de tanta vergonha, de suportarmos ver coexistir a fome ao lado de riquíssimos bairros de Zona Sul, shoppings e condomínios? E de ver isso estampado em qualquer reportagem ou até mesmo guia turístico sobre o Brasil?

    Esperei, lutei, esperei, lutei, esperei, lutei… Primeiro contra a ditadura; depois pelo aprofundamento da democracia; por projetos de qualidade no campo dos transportes…

    Aguentei Sarney, Collor; despertei minhas esperanças com a vinda de FHC, o tão garboso intelectual da esquerda. Aguentei (e, dadas as circunstâncias, até compreendi) as desilusões com esse príncipe.

    E, finalmente, receando golpes por parte de uma elite que não é capaz de ceder um milímetro de seus privilégios, veio o Lula. Ocorreram muitas coisas negativas que não preciso lembrar, eis que é conhecimento de todos; mas aconteceu o principal: o decidido combate contra a injustiça social, contra a pobreza, que fora sempre o flagelo moral da minha juventude! O regate moral desse nosso País diante o mundo, que reconheceu e aplaudiu nosso rumo! O fim da vergonha que me atormentou durante toda minha juventude!

    Finalmente, pude voltar à Europa, por ocasião de dois estágios de pós-doutoramento (onde, mais uma vez, me dediquei buscar soluções que ajudassem ao desenvolvimento de meu País: PPP, em Paris; e Engenharia Territorial, em Berlim). Ali, só ouvi elogios, admiração, até, por nossa nação. Finalmente, podia me orgulhar, finalmente era respeitosamente acolhido, só por ser brasileiro.

    Claro, certos modelos de política econômica já se esgotaram: por ordem cronológica, o socialismo ortodoxo (1989), o neo-liberalismo (2009) e o neo-keynesianismo (2014). Hoje, não é apenas o Brasil que busca freneticamente a porta de saída dos paradigmas dos Séculos XIX e XX, é o mundo todo! Ainda não se chegou a uma solução, mas que deverá aparecer brevemente (as discussões são muito vivas, a respeito!).

    E temos duas candidaturas que falam de mudança, mas não são, por ser filhos desta nossa era de incertezas, capazes de definir claramente o novo a ser construído. Analisemos as duas:

    a) Aécio: com todo o respeito que tenho pela obra de regate, necessário, mas doloroso e humilhante, da nossa instabilidade econômica e hiperinflacionária na era fernandina, essa candidatura tucana não aporta nada de mudança. E sim, a volta para os remédios da década de 90, aceitáveis naquela época de absoluta ditadura intelectual do pensamento único do neoliberalismo (que em parte até comunguei), mas totalmente falidos no mundo pós-Lehmann.

    Fofocas eleitorais e maledicências nojentas à parte, para mim a grande falha dos tucanos não foi o que fizeram durante o seu período no Poder, e sim o que deixaram de fazer depois. Lembro que os protagonistas do PSDB tiveram um forte papel na redemocratização desse País, e seria de se esperar que, fora do Poder, pudessem reanalisar sua estratégia e desenvolver uma alternativa viável e não tão antissocial, para os rumos do nosso País.

    Só que isso não aconteceu. A campanha de Aécio é vazia de propostas (não me venham com o longo texto de seu programa, até porque papel aguenta tudo). Isso ficou claro sobretudo nos debates. Promete, ao invés, um cavalo-de-pau deflacionista, que provocará grandes estragos na nossa economia, na nossa já tão combalida indústria.

    As propostas no setor das políticas sociais e de educação nada têm de inovadoras. Só prometem continuar o que já ocorre, quando muito adornadas com palavras puramente marqueteiras (“re-estatização” da Petrobrás; transformação do Bolsa-Família em “política de Estado”, etc.). Mas, qual o avanço, já cobrado nas ruas, em 2013? A volta dos contratos de concessão na exploração do Petróleo irá beneficiar ou comprometer o uso dos recursos para a educação? Silêncio total! A redução dos bancos públicos irá beneficiar como, a economia, os tão cobrados investimentos na infraestrutura? Silêncio total. O que Aécio falou sobre as infraestruturas?

    Vamos para Dilma: seu neo-keynesianismo demonstra claros sinais de esgotamento. Embora tenha deslanchado toda uma política de concessões e parcerias, nos falta ainda um planejamento territorial que faça despertar mais fortemente as economias regionais, sobretudo na periferia econômica. Em suma, as estratégias para a retomada do crescimento estão ainda muito tímidas. Problemas à vista!

    Entretanto, volto ao sonho da minha juventude: o combate decidido contra a pobreza. A saída gloriosa, mas silenciada, do nosso País do mapa da fome!!! O forte investimento em habitação social, eletrificação rural, a ampliação radical ao ensino técnico e superior por diversos caminhos; o aumento decidido do poder aquisitivo, sobretudo no interior, viabilizando inclusive a economia e as finanças públicas dos municípios (como ouvi da própria boca de muitos prefeitos). E finalmente ver o povo colorido auto-confiante, fazendo planos para um futuro “diplomado”.

    Que o Brasil precisa mudar, é óbvio. Mas em que direção? Como é que esses avanços históricos vão ser preservados, sobretudo por um candidato que não os menciona nos debates?

    Assim, confirmo meu voto em Dilma, mas com um alerta: precisamos ser tremendamente criativos para buscar novos caminhos que não sejam a continuidade do presente ou a volta ao passado. Temos de adotar projetos propulsores concretos, não apenas de uma ou outra indústria, de infraestruturas, mas sobretudo que despertem de forma sistêmica os potenciais de todas as regiões, de todas as classes sociais.

    E, claro, aprofundar mais a construção de uma nova sociedade, não apenas mais justa no quesito distributivo, mas, sobretudo, no empoderamento das famílias, das empresas e das agências públicas. Na capacidade de cada cidadão desenvolver e implementar projetos de vida, de empreendimentos, de carreiras; das empresas de conceber novos projetos de negócio e investimento; e do Poder Público, de políticas públicas que facilitem os projetos dos cidadãos e de suas organizações empresarias e não-empresariais.

    E aí vai meu segundo alerta: terminou a era das políticas de gabinete, do piloto automático. Onde não são aceitas nem visitas dos representantes da sociedade. Ao invés, os novos rumos só virão à tona se houver um diálogo amplo com a sociedade, e um encorajamento para uma radical participação.

    Isso implica também o fim da selvageria deplorável vista nos últimos dias. Segunda-feira, todos deverão enterrar o machado de guerra e voltar a construir o País. As divergências, que certamente haverá, devem ser expressas pelos caminhos e espaços da democracia, não cabendo questionamento aos mecanismos institucionalizados.

    Eu tenho minhas razões para ter votado em Dilma. Compreendo as razões dos que optaram por Aécio. Mas não podemos nos dominar pelas paixões e adentrar sendas que sabemos onde elas vão parar.

    Bom voto a todos!

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