Dois meses de distanciamento social, por Ricardo Carvalho Fraga

A Justiça do Trabalho em tempos de pandemia.

Dois meses de distanciamento social

por Ricardo Carvalho Fraga

1.Introdução.

Alguns aprendizados, nestes dois meses iniciais. O primeiro deles, com profissionais da medicina, é a expressão “distanciamento social”, ao invés de “isolamento” ou mesmo “quarentena”.

Em itens adiante, o registro de outros aprendizados, coincidentes com estes dias, por acaso ou necessariamente nestes.

Desde logo, a lembrança de sabedorias anteriores. Na condição de juiz do trabalho, com vinte anos em salas de audiência, no primeiro grau, e dez anos em sessões de julgamento, no segundo grau, um sentimento mais forte do que qualquer estudo de economia ou áreas afins. Trata-se do sentimento, bem internalizado, de que não estamos em um sistema econômico minimamente planificado ou com previsibilidades.

Aqui, a grande maioria das empresas pequenas e médias não possuem “capital de giro” para um segundo ou terceiro mês sem funcionamento,

Dito de outro modo, aqui, “desacelerar” é bem difícil para a grande maioria das pequenas e médias empresas. Um piscar de esperança vem de Colega observador, atento ao que ocorre em salas de audiências e realidade próxima, Juiz Luis Carlos Pinto Gastal, o que se registra no parágrafo seguinte.

Provavelmente, muitas pequenas e médias empresas possam “retomar” o funcionamento com mais facilidade. Isto porque dependem mais dos conhecimentos e trabalho humano organizado do que do capital investido e do sistema financeiro. Isto, por obvio, não exclui eventuais necessidades de maior apoio, inclusive creditício, das autoridades públicas, como lembrado pelo advogado Antonio Escosteguy Castro, em debates virtuais desses dias.

Desde logo, sobre a elevada financeirização de nossas economias, lembrem-se os estudos e alertas de Ladislau Dowbor, in “O Capitalismo se Desloca – novas arquiteturas sociais”, São Paulo: Sesc, 2020” e também entrevista em https://youtu.be/Im9KRnymp7s

  1. Ntep – Nexo Técnico Epidemiológico.

Ocorrida, casualmente, nestes dias, a decisão do Supremo Tribunal Federal, na Adin – Ação Direta de Inconstitucionalidade, número 3931, tem enorme relevância

A subnotificação dos acidentes e doenças do trabalho existe em quase todos os Países, ao que se tenha notícia.

No Uruguai, havia significativa solução contra as subnotificações, com a previsão de Fundo Nacional, ajustado anualmente, com base no número de doenças e acidentes do ano anterior. Mesmo assim, mais recentemente, foi necessário o auxílio do direito penal, com novas regulamentações. Apontado em livro de Ney Fayet Júnior, Dos Acidentes de Trabalho: (sociedade de) Risco, Proteção dos Trabalhadores e Direito Criminal”.

Aqui, se buscou o auxílio dos conhecimentos da estatística.  Aqui, agora e, já antes, quando não deferida a liminar, existe a necessidade de exame da situação mais abrangente na qual inserida a doença ou acidente em julgamento. O contexto do caso em exame tem de ser examinado.

Em direito processual probatório é inovação, desde muito, não vista. Nenhum dos anteriores conceitos deste ramo do Direito são suficientes para se perceber, inteiramente, o que está sendo construído. Por óbvio, os demais fatos e circunstâncias do caso concreto, igualmente, serão examinadas, até mesmo, com os outros anteriores aprendizados do direito processual probatório.

  1. Uniformização da jurisprudência.

A urgência da necessidade de uniformização da jurisprudência é cada vez maior. Isto decorre de certa peculiaridade nossa, maior e/ou diferente de outros Países.

Aqui, do Poder Judiciário se espera que cumpra diversas funções, de promotor da paz social, de corretor de injustiças, de um dos principais instrumentos para os aperfeiçoamentos civilizatórios, entre outros, acaso o antes indicado não seja tudo, inclusive com provável exagero.

Já superamos os debates sobre “súmula vinculantes”, contemporâneos à reforma do Poder Judiciário, Emenda Constitucional 45. Eram pretensões com pouco acerto, alimentadas pela imprensa leiga. De certo modo, confundia-se a função jurisdicional com a legislativa, como se fosse viável “julgar casos concretos em abstrato”. Em outro texto, se buscou compreender aquele momento, “Quais Súmulas?”, com Luiz Alberto de Vargas, disponível [aqui].

Viveu-se breve período de aprendizados bem mais ricos e superiores. Ao tempo da Lei 13.015, um pouco antes, da entrada em vigência do atual Código de Processo Civil, Lei 13.105, o direito processual do trabalho, mais uma vez na história, avançava mais do que o direito processual comum. Entre outros tantos estudos, o E-Book “NCPC – Próximos do Segundo Ano”, de que participamos a partir da prática judiciária.

Após a revogação da mencionada Lei 13.015, pela Lei 13.467, ficamos com os regramentos do CPC, agora atual, apenas. Muito haverá de ser construído. Estamos menos próximos da experiência do direito processual da Europa, civil law, e ainda não absorvemos os aprendizados de organização do Judiciário nos EUA – Estados Unidos.

Nestes primeiros dias de distanciamento social, se leu o recente escrito de Estevão Mallet, no Prefácio do livro “Precedentes no Processo do Trabalho – Teoria Geral e Aspectos Controvertidos”, Coordenadores Cesar Zucatti Pritsch, Fernanda Antunes Marques Junqueira, Flavio da Costa Higa e Ney Maranhão, São Paulo: Thomson Reuters e Revista dos Tribunais, 2020, página 11, no sentido de que:

“Há que até diga ser “impossible to draw a rigid line, a priori, between rationes decidendi and obitter dicta. (…) Em outros casos, especialmente em julgamentos colegiados, a decisão pode resultar de conclusões convergentes, decorrentes de fundamentos divergentes”.

Ora, na situação acima observada é difícil e mesmo equivocado ficar nos limites das práticas contemporâneas às edições de súmulas.

Provavelmente, estejamos em condições de nos distanciar o mais possível das antigas práticas contemporâneas às elaborações de súmulas. Nas duas opções adiante, apresentadas de modo bem resumido, certamente, a segunda será a mais adequada:

  1. a) primeiro decidir que irá vincular e depois examinar a(s) situação(ões);
  2. b) primeiro examinar a(s) situação(ões) e depois, se possível, afirmar que irá vincular.

A efetiva contribuição nossa ao direito processual e à organização da Justiça poderá ser esta. Julgar o caso concreto, com toda dedicação, inclusive do tempo disponível. No restante, apenas e no máximo, anunciar as prováveis decisões em casos futuros, de conformidade com suas semelhanças, iguais, médias ou totais. Tudo isto respeitando, sempre, a determinação da inafastabilidade da jurisdição, Constituição, artigo quinto, inciso XXXV.

  1. Despedidas em Números Elevados

Integrando a SDC – Secção de Dissídios Coletivos do Tribunal Regional do Trabalho, do Rio Grande do Sul, alguns aprendizados novos. Assim como os demais integrantes, tenho(mos) realizado algumas audiências virtuais de mediação coletiva.

Nestas audiências virtuais, um dos temas mais frequente é o das despedidas e suspensões dos contratos. Acaso outro tivesse sido o resultado do julgamento, no Supremo Tribunal Federal, da Adin 6363, Relator original Ricardo Lewandowski, certamente, ainda bem maior seria o número destas mediações coletivas, denominadas “pré-processuais”, em outras Regiões.

Nestas ocasiões, alguma semelhança com debates anteriores aos dias atuais. Registramos estas controvérsias anteriores no Livro “PERGUNTAS E RESPOSTAS SOBRE A LEI DA REFORMA TRABALHISTA – VOLUME 1”, Coordenadores Ricardo Calcini Luiz e Eduardo Amaral de Mendonça.

O novo art 477-A, da CLT, inserido pela Lei 13.467, estabelece que:

“Art. 477-A. As dispensas imotivadas individuais, plúrimas ou coletivas equiparam-se para todos os fins, não havendo necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação.”

A realidade, inclusive anterior aos dias de pandemia, vinha demonstrando que as despedidas em número expressivo, no maior das vezes, são inviáveis sem o contato com alguma instância da sociedade, para além da empresa. No mínimo, a autoridade policial vinha sendo chamada.

Em 2018 e 2019, no maior número de vezes, fomos procurados pelas entidades sindicais de trabalhadores. Já fomos procurados, por outro lado, pelas próprias empresas. Em mais de uma situação, fomos procurados por ambas as partes.

Nestas situações, anteriores, eram mais frequentes algumas soluções, tais como:

  1. a) diminuição do número de despedidas;
  2. b) previsão de planos de demissão voluntária;
  3. c) estabelecimento de cronograma das despedidas;
  4. d) exame das estabilidades legais e normativas;
  5. e) elastecimento de benefícios tais como planos de saúde e alimentação.

Agora, temos a nova figura da suspensão temporária dos contratos, trazida por Medida Provisória, ainda não examinada no Congresso Nacional, ao tempo destes linhas.

A atenção e cuidado com as realidades atuais exigirão mais, de todos. Já se viu o debate sobre manutenção de grupo de discussão, de todos os trabalhadores, em aplicativo, virtual, sobre eventual venda de máquinas de empresa de porte médio.

Em caso, mais anterior aos dias atuais, de empresa de transportes urbanos se estabeleceu a apresentação de balancetes diários, ao tempo das três ou quatro semanas das negociações coletivas.

Em debates mundiais, já se viram novas regulamentações registradas em “The regulation of collective dismissals: Economic rationale and legal practice”, Mariya Aleksynska, Angelika Muller, OIT – Organização Internacional do Trabalho, maio de 2020, lembrada pelo advogado e professor Estevão Mallet.

  1. Atuação não menor, nem mesmo numericamente.

Os exemplos antes mencionados bem confirmam a necessidade da Justiça do Trabalho, mais ainda, em dias de pandemia.

O Tribunal Regional do Trabalho, do Rio Grande do Sul, assim, como outros, tem divulgado os números de suas atividades, em primeiro e em segundo grau.

Pessoalmente, tenho atuado, na totalidade das tarefas em “quarentena”, com números acima de mil, cuidado e dedicação não menores do que em dias antes considerados normais.

Na 3ª Turma, do TRT RS, assim como nas demais, têm sido significativos os números de julgamentos e de sessões.

Nesta 3ª Turma são sessões virtuais e por videoconferência, também denominadas telepresenciais, transmitidas on line, estas segundas, assim como eram as sessões presenciais:

  1. a) https://www.trt4.jus.br/portais/trt4/modulos/noticias/301474
  1. b) https://www.trt4.jus.br/portais/trt4/modulos/noticias/305454
  2. c) https://www.youtube.com/channel/UChbGL3ivkqi1Cl3Aba2U6Cg/videos

Em todas estas iniciativas, a confirmação de certa convicção. A Constituição e a realidade nos levam, satisfatória e obrigatoriamente, a um direito processual mais participativo. Sobre o tema, o texto escrito com o irmão Juiz de Direito, “Salas de audiências por 60 anos”, disponível, entre outros, [aqui].

  1. Futuro

Chegaremos aos dias futuros, com os aprendizados do passado. Chegaremos, ali, igualmente, depois de termos vivido os dias presentes.

É de todo lúcida certa afirmativa no sentido de que “é necessárioachatar a curva” do empobrecimento geral da massa trabalhadora, formal e informal”, de Fernando Brito, em 12;04/2020.

Por ora, no momento de escrever estas linhas, ao menos, algumas dúvidas existem. Acima de tudo, não se tem certeza sobre a duração dos dias atuais.

Alguns aspectos e situações dos dias atuais, talvez, persistam mais do que outras. Os anos próximos já foram mencionados em documentos de algumas Universidades. Entre tantos:

  1. a) Harvard – muito além de 2020 – https://science.sciencemag.org/content/early/2020/05/11/science.abb5793
  2. b) Cambridge – aulas presenciais bem mais adiante

https://oglobo.globo.com/mundo/universidade-de-cambridge-na-inglaterra-cancela-aulas-presenciais-ate-fim-do-ano-letivo-de-2021-24437143?versao=amp

Por ora, no momento de escrever estas linhas, ao menos, algumas quase certezas existem. É crescente o interesse de todos pela melhor organização do trabalho remoto ou tele trabalho.

As empresas maiores, mais do que as medias e pequenas, já tem número expressivo de experiências incipientes, ao menos em algumas de suas atividades. Neste rumo, com exagero visível, todavia, indicativo de rumo e buscas, estudo sobre novas mentalidades.

Pesquisas mais recentes e bem elaboradas, seguramente, nos farão melhor conhecer a realidade.

No âmbito do Poder Judiciário, já se tem novo quadro, desde momentos um pouco anteriores:

a) Noticia, https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3235

b) Alteração de fevereiro de 2020,

https://atos.cnj.jus.br/files/original204443202003135e6bf0bbd64f6.pdf

c) Resolução 74, https://atos.cnj.jus.br/files//instrucao_normativa/instrucao_normativa_74_19022019_21022019144410.pdf

Estamos próximos, inclusive, de um dos maiores programas de renda mínima do Ocidente. O valor de R$ 600,00, ainda que não expressivo e com inúmeras demoras, terminou alcançando cinquenta milhões de pessoas.

Nos EUA – Estados Unidos da América, existe benefício bem superior, alcançando número um pouco menor de trabalhadores.

Desejamos acreditar que não seremos quase meio milhão de brasileiros a menos, apesar de documento de outra Universidade:

  1. c) Oxford – 400 mil – https://congressoemfoco.uol.com.br/saude/pesquisadores-de-oxford-projetam-478-mil-mortes-por-covid-19-no-brasil/

Haveremos de ouvir os sons da próxima primavera. Haveremos de ouvir os belos sons, das “Vozes da Primavera – valsa de Johann Strauss Jr”, https://youtu.be/urpFyDeZZ7A

Ricardo Carvalho Fraga – Desembargador do Trabalho no Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul

Redação

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