É preciso reduzir animosidades para reformar o País, por Marco Aurélio Nogueira

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Jornal GGN – Manter a postura de dono da verdade e fomentar brigas irracionais, “principalmente entre democratas”, claramente não é o caminho para reconduzir o País aos trilhos, segundo opinião do professor de Teoria Política Marco Aurélio Nogueira, em artigo publicado neste sábado pelo Estadão. Para o articulista, os principais prejudicados com desentendimento e dogmatismo em demasia são justamente aqueles que lutam por liberade, igualdade e justiça social.

Por Marco Aurélio Nogueira

Desentendimento e dogmatismo

No Estadão

Cada época tem um conjunto de características que demarcam o modo como se desenvolvem as práticas sociais em cada campo específico de atuação.

Na política, a marca é a crise: nenhum sistema funciona bem, mais desagrada que agrada, cria mais problemas que soluções. Crise de governabilidade, crise de representação, crise da democracia, crise dos partidos – as etiquetas são muitas. Os governos estão na berlinda, seja de que partidos forem. Governam pouco.

Na economia, muita coisa gira em torno da flexibilidade. A localização perdeu relevância. Deve-se organizar a partir de planos elásticos, trabalhar de modo polivalente, evitar estoques, incrementar a produtividade mediante desproteção do trabalho e inovação tecnológica, explorar as vantagens da rotatividade, do consumo conspícuo e da substituição incessante de bens, seja por pressões da tecnologia, seja em decorrência da obsolescência programada.

Na universidade, fala-se sobretudo em produtividade: os incentivos são para que se faça mais em menos tempo, se conquiste sempre mais visibilidade, se publique sem interrupção e se frequente um número sempre maior de eventos.

O quadro se desdobra no plano dos relacionamentos. Aqui, a marca forte é o desentendimento, a disposição de construir fortalezas de onde pelejar com os demais e vocalizar a própria opinião, tanto fazendo se isso é feito ou não para que se alcancem melhores patamares de entendimento. É uma marca que se combina com o desejo de ser “diferente” e de não integrar nenhuma “comunidade maior”, ou seja, de se individualizar e se tribalizar, fechando-se em guetos.

Há efeitos colaterais que derivam do predomínio desta marca, especialmente quando os relacionamentos são atravessados por disputas políticas. Um deles é a elevação da temperatura verbal: não basta divergir, é preciso reduzir o outro a pó, tratá-lo como inimigo, e não somente como alguém com quem não se concorda. Em nome disso, o léxico da vida cotidiana ganhou em veemência na mesma velocidade que perdeu em rigor e coerência. A agressão verbal tornou-se prática discursiva. A elegância, a serenidade, a modéstia e o respeito ao pluralismo saem da cena, em benefício de argumentos de autoridade e da grosseria, entendida como recurso de convencimento. Os interlocutores agem por uma espécie de compulsão retórica.

Outro efeito é a expansão do dogmatismo, da postura que se apresenta como dona da verdade, que se afirma a partir de certezas prévias e trata a dúvida como expressão de tibieza, atitude de quem não é forte o suficiente para manifestar a própria opinião. O dogmatismo, como se sabe, hostiliza a realidade, os fatos e as evidências. O dogmático é alguém que segue livros, manias e escrituras, que somente chega ao real a partir de esquemas preconcebidos, que ele invariavelmente associa a um tipo superior de verdade, filosófica, epistemológica ou religiosa.

A direita retrógrada e fundamentalista é uma fábrica de dogmáticos que jamais fecha.

O marxismo, que é patrimônio da humanidade inteligente e livre de preconceitos, também tem sua versão dogmática. Das grandes teorias, é a única que nasceu radicalmente antidogmática mas, ao ser popularizada e instrumentalizada politicamente, impulsionou o dogmatismo, abrigando em seu próprio círculo inúmeros seguidores fiéis, imunizados contra os fatos, prisioneiros de convicções eternas, que não devem mudar jamais. O marxista dogmático é aquele personagem que se tem em alta conta, que enxerga mais longe que os demais, que se considera firme como uma rocha, não abre mão de citações, livros-guia e manuais, não tendo um pingo de dúvida sobre o futuro radiante que virá com a revolução socialista.

Como é um ser inseguro e necessita de autoafirmação, costuma brigar mais com os marxistas não dogmáticos do que com as correntes que disputam a verdade com o marxismo. Pode ser aproximado da figura típica do arrogante. Muitos que se querem revolucionários são conservadores no plano da moral e dos costumes.

Dogmáticos de todos os tipos – marxistas, religiosos, socialistas, neoliberais, conservadores, reacionários – fazem um mal danado ao convívio social e ao debate público. São a antipedagogia em movimento: deseducam, dificultam que as pessoas pensem com a própria cabeça, travam o fluxo saudável de divergências e discussões, impedem a formação de consensos.

Para pessoas assim, não há remédio que cure. Elas estão imunizadas contra a razão crítica e a história, que não as afeta. Continuam agarradas ao passado, que lhes dá segurança ontológica e base para demonstrações de virtuosismo teórico. Vivem em outra dimensão de tempo e espaço. Não se acham dogmáticas, mas, sim, “ortodoxas”, portadoras de verdades e convicções duras, intransigentes.

No Brasil dos dias correntes, é fácil vislumbrar os efeitos perversos desta prevalência do desentendimento e do dogmatismo. Enfrentamos dificuldades épicas para manter viva uma discussão que precisa seguir em frente, rumo ao que deveria ser a tarefa de todos: reduzir animosidades e disputas estéreis, especialmente entre os democratas, para que assim se tenha alguma força para reformar o País.

O desentendimento amplificado sem critério racional produz neblina e fumaça, que não beneficiam ninguém, mas são mais prejudiciais para quem luta por liberdade, democracia, igualdade e justiça social. A retórica inflamada e indignada, o anúncio bombástico do apocalipse, a vitimização e o ataque implacável aos que pensam de outro modo bloqueiam a racionalidade crítica. Prestam um desserviço.

É uma época paradoxal: brilhante e opaca, participativa e improdutiva, de muita inovação e poucos resultados positivos, de sofrimento organizacional, excitação e mal-estar, de vida dinâmica e flutuante. Mas é a nossa época, e teremos de aprender a lidar com ela se quisermos cogitar de transformá-la.

*MARCO AURÉLIO NOGUEIRA É PROFESSOR TITULAR DE TEORIA POLÍTICA E COORDENADOR DO NÚCLEO DE ESTUDOS E ANÁLISES INTERNACIONAIS (NEAI) DA UNESP

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

7 Comentários

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  1. Que falta não faz um paredon…

    Me engana que eu gosto….o povo precisa é se rebelar, o que alias nunca fez, sempre cobraram esse comportamento cordeirinho à senzala….o autor se esquece que foi essa zelite zelote safada que não quis a conciliação de classes proposto por Lula Paz e Amor….quem mesmo destila todo o odio de classe contra Lula e o povo senão esses bandidos de toga e golpistas safados…que falta não faz um paredon…

  2. Em toda sociedade

    Em toda sociedade o debate democrático é válido não importando a corrente de pensamento que se interpõe ao de quem se dialoga

    o problema é quando o maquiavelismo, a desonestidade, a inverdade, a imparcialidade a falta de respeito ao que é diferente se impõe e passam, ao invés de serem formas de discussão a serem rechaçadas por ambos os lados, se tornam os instrumentos de quem não argumenta, de quem não é capaz de encarar a tsua própria realidade..

  3. Estou sem muito ânimo para

    Estou sem muito ânimo para comentar nada. Nem aqui nem alhures. Entretanto, ao me deparar com esse preciso texto vi-me obrigado a fazê-lo. 

    Para começo de conversa, me afirmo perfilado inteiramente às impressões do autor. Isso já evita repetições desnecessárias sem no entanto prescindir de um humilde pitaco.

    Na realidade – agora me valendo não da linguagem acadêmica, mas popular –  qualquer ser pensamente, por mais extensa que seja sua paciência e profundo o seu saco, não suporta mais esse clima beligerante que grassa no país. País este atolado até o pescoço em problemas graves e complexos e que clama por ideias, debates salutares, sinergias, e não arengas e embates rasos que em nada contribuem para formação de algum tipo de consenso.

    Cada lado com suas razões, suas verdades absolutas, suas demarcações políticas inflexíveis e as antevisões de futuro condicionadas às amarras das ideologias, muitas delas com prazos vencidos ou então deturpadas para se adequarem aos discursos e narrativas dos aprendizes de profetas e de feiticeiros.

    Criticar radicalismos, seja de que lado provier, não acarreta ou subentende, desconhecer o caráter necessário do dissenso e a impressibilidade de debate de ideias numa sociedade democrática. Os extremismos, por esse aspecto, são tão deletérios, ou até mais, que a própria interdição impostas por sistemas autoritários. Nestas, há, pelo menos momentaneamente, superando as diferenças, a confluência de esforços e a unicidade de propósitos que é exatamente a restauração de pleno estado das liberdades; Já naquelas, ocorre o contrário: o esgarçamento levado a um ponto insuportável anula esforços e induz à perigosas seduções por saídas  fora do escopo da Democracia.

     

  4. CIVILIZADA DIVERSIDADE EVOLUTIVA

    Em um momento tão delicado, em que a crise de legitimidade atinge todo o espectro político, momento no qual fica mais evidente a necessidade de uma reestruturação da atividade política, que deve ser orientada por princípios e por idéias programáticas, ortodoxias e radicalismos constituem a antítese da indispensável interação construtiva.

    Eventuais destemperos devem sempre ser objeto de críticas e de autocrítica, ampla e sincera. Todavia, a sinceridade de opiniões contrapostas não constitui necessariamente desrespeito. E o indispensável prosseguimento do diálogo entre posições adversárias requer que se priorize a atenção aos aspectos relevantes e objetivos, pois a convivência civilizada é o pressuposto básico da evolução coletiva impulsionada pela diversidade.

    O momento atual exige de todos equilíbrio, e o esforço no sentido de zelar pela plena preservação da civilidade, do respeito mútuo, e da capacidade de superação. Resistir à tentativa de criação de um clima de caça às bruxas é um dever de todos, pois a forma correta de coibir a corrupção e os demais desvios de poder não pode prescindir do respeito aos princípios jurídicos, às garantias constitucionais e à dignidade humana.

    É tempo de recordar que a essência da civilização consiste na adoção padronizada de condutas pautadas por normas preestabelecidas, sustentáveis e estáveis. É tempo de lembrar que o Brasil ainda está por concluir a missão histórica de prover a legislação complementar capaz de conferir plenitude à vigência da Constituição de 1988, e que países civilizados não fazem uma nova constituição a cada duas ou três décadas.

    É tempo também de entender que o resgate da legalidade e da efetiva prevalência do Estado Democrático de Direito constitui processo histórico de construção coletiva, que evolui através de etapas sucessivas, das quais um novo ciclo determinante está por ser iniciado a partir das próximas eleições municipais, visto que serão as primeiras eleições realizadas após o triunfo do clamor popular pelo fim do financiamento por empresas.

    Assim, o momento histórico evidencia a necessidade de evolução dos paradigmas e de total transformação da política nacional. Deste modo, o momento atual catalisa as possibilidades de avanço progressista, em face das prementes demandas que são decorrentes dos gravíssimos impasses criados pela crescente compreensão acerca do absurdo das situações precipitadas pelo impixe sem crime, e pela flagrante imposição de políticas avessas à vontade popular expressa nas urnas em 2014.

    Agora e sempre, evoluir é uma necessidade dos indivíduos, e da sociedade. Avançar é preciso e vital. A evolução da superestrutura social e do arcabouço legal democrático deve ter por base a compreensão do fato de que as soluções para os problemas criados pela política devem ser construídas através do aprimoramento da política.

    Nesta medida, é necessário e urgente substituir as práticas fisiológicas dos mecanismos de coligação pela dinâmica de sistemas de coalizão, regidos por compromissos relativos a programas de governo transparentes e a um projeto de nação inclusivo e plural.

    Quando o acirramento da crise incrementa as chances de aprimoramento, tanto prático quanto conceitual, passa a ser mais decisiva a clareza dos referenciais e a firmeza dos propósitos, bem como a disposição para avaliar as variáveis e projetar o futuro. E esta deverá ser a premissa a nortear novos caminhos, para todos aqueles que sejam capazes de possuir legitimidade e de permanecer atuantes em moldes democráticos.

  5. A transição possível é com DILMA sem o PT

    Essa excelente ponderação do prof. Nogueira coincide com o que penso. A única conciliação possível com preservação dos princípios constitucionais será o PT compreender a missão histórica que o destino colocou em seu destino de força política, liberando a DILMA dos vínculos partidários – e não precisa nem pode ser um rompimento traumático.

    Assim, DILMA em nome de um ´Pacto Nacional´ –  para que ela, na condição de Chefe do Estado democraticamente eleita, convoque e lidere um ´Governo de Transição´, em que convoque as diversas forças políticas para uma ´Reforma Constituinte´ exclusiva, em que as reformas eleitorais, políticas, tributárias, pacto federativo, reforma do Judiciário, da Previdência e das relações de trabalho sejam revistas e reescritas por uma constituinte exclusiva, enxuta, eleita somente para tal missão.

    Os constituintes eleitos, não poderão ser candidatos a cargos eletivos pelo menos por cinco anos, a fim de não legislarem em causa própria.

    No momento não há outra opção. Não há nenhuma força política capaz de nos conduzir a uma governabilidade estável. O PT, infelizmente, ao se entregar ao PMDB de Renan, Sarney, Temer, Cunha, Lobão, Barbalho, Kassab  et caterva, e adottar o fiannciamento público-privado das campanhas eleitorais perdeu aquela inata condição de governabilidade.

    A delação da Odebrecht apenas virá confirmar o que todos sabemos: nossas instituições apodreceram.

    As forças da direita, agora reunidas e patrocinadoras do Temer/Cunha, apesar da fragilidade da oposição, carrega o fardo histórico de ladrões do dinheiro público,  já demonstra não desfrutar da credidilidade mínima para ser respeitada nos fóruns multilaterais, desprovidos da mínima credibilidade interna.

    Aós quase 30 anos da CF/1988, diante da inesgotável crise em que todos roubaram e se lambusaram, se bem conduzido esse ´Pacto Nacional´, até o final de 2017, com antecipação das eleições gerais, a nova elite políticas receberá um país reformado e com instituições sadias para os próximos 30/40 anos.

    A nossa geração forjada nos anos 1960, 1970, 1980 – que se embebedou das inéditas liberdades democráticas dos anos 1990-2010 – tem agora a responsabilidade de curar-se da ressaca e viabilizar a edificação das bases institucionais de uma nação decente para as próximas gerações.

    Por isso, reafirmo: Transição Democrática com DILMA sem o PT, sem o PSDB, sem o PMDB mas com todos.

    Certamente essa é a nossa última chance!

    Esse é o nosso destino: ou induzimos nossos partidos a renunciarem a projetos imediatos, ou levaremos ao túmulo ou às cinzas, a merecida pecha de inábeis, incompetentes, desprezíveis e irresponsáveis, nos exatos termos denunciados por Ortega Y Gasset diante da realidade espanhola dos anos 1920.

    O filósofo espanhol exigia do cidadão a correta identificação dos vícios que aparecem em uma determinada nação:

    “Os vícios nascem da distração dos membros dessa sociedade, distração que permite que pessoas pouco virtuosas cheguem ao comando da nação. Essa era a situação política da Espanha; regida por governantes não preparados, a nação não atende o bem-estar do povo.”

    Ortega y Gasset conclui que o povo espanhol, ao perder a capacidade de refletir sobre si mesmo, via surgir o homem desprezível. É necessário esclarecer que Ortega y Gasset entende por homem desprezível aquele que não se esforça para superar as dificuldades que se lhe apresentam nem sequer reflete sobre suas ações. Entretanto, o homem desprezível não é o que simplesmente cai, mas o que não consegue reerguer-se após uma queda.

    O filósofo entende que sua geração estava mal preparada política e moralmente. Por isso, ele supõe que era necessário discutir os males da Espanha, assim como fazem outras nações. Os males políticos que atravessavam a Espanha se fundamentavam na má formulação do conteúdo moral das gerações precedentes.

    O filósofo ensinava, o que nos serve no presente momento histórico:

    “.. que uma geração que não se prepara moralmente para as dificuldades que se avizinham deixa questões trágicas e não resolvidas para as que se seguem. Então, cada geração é mestra da que se segue, o que nos sugere uma valorização dos pressupostos históricos para a edificação de uma sociedade contemporânea, resgatando a moralidade que se encontra desvirtuada”.

    Eis o que nos concluía o grande pensador, criticando duramente a inanição política daquela geração espanhola:

    “É certo que a geração anterior não nos deixou de herança nenhuma virtude moderna. Cada geração chega ao mundo com uma missão específica, com o dever adscrito nominalmente a sua vida”. (Los problemas nacionales y la juventud. p. 15).

     

  6. Ser cordial é lícito, mas não para escamotear conflitos

     

    Jornal GGN,

    Um texto ruim. Cheio de truísmos ou de dizeres pela metade, o artigo não chega a nenhuma conclusão precisa. E você colaborou com a vacuidade do texto trazendo, desde o título até o resumo do texto, a mesma indefinição. É uma pena que o professor Marco Aurélio Nogueira, muito culto e muito inteligente, esteja perdido diante uma realidade que para um marxista como ele jamais imaginou que ocorreria e se disponha a fazer afirmações que pouco acrescentam para o entendimento da situação ou para a tomada de decisão que permita superar essa realidade. 

    O título retirado do antepenúltimo parágrafo do artigo se diz alguma coisa é pela metade. “É preciso reduzir animosidades para reformar o País, por Marco Aurélio Nogueira” é o título do post. E nele há três afirmações, todas as três bem vagas e sem nenhuma garantia de verdade. Reproduzo a seguir as três afirmações separadamente e caso necessário com outra redação.

    Pelo título se depreende que “é preciso reformar o Brasil”. Não se sabe qual a amplitude do termo reformar, mas é de se perguntar: sabendo o sentido exato que se dá ao termo reforma, que país no mundo precisa ser reformado ou que país do mundo não precisa ser reformado? Assim, dependendo do significado de reforma, qualquer país no mundo precisaria da reforma ou nenhum país do mundo precisaria de reforma. Então tem-se ai o exemplo de discurso retórico e vazio que serve para todas ocasiões em que não se quer dizer nada assertivo.

    Também pelo título se diz que “é preciso reduzir animosidade” e acrescento como o Marco Aurélio Nogueira diz no texto: “é preciso reduzir as disputas estéreis”. Aqui eu vou manifestar a minha animosidade com esta frase e reclamar que é preciso muito mais, é preciso acabar com as disputas estéreis.

    E por fim lembro que a terceira ideia presente no título “é preciso reduzir animosidades com a finalidade de reformar o País” parte não se sabe de onde e não chega a lugar nenhum. Se a animosidade for inerente a uma sociedade isso significa que ela não poderia ser reformada? Pergunto de um modo genérico, pois nem sei a que reforma o autor refere-se.

    E como não dá para resumir um texto que não diz nada com algum conteúdo o seu resumo começa em reproduzir o título, mas dito de outra forma. Diz você, mencionado Marco Aurélio Nogueira:

    “Manter a postura de dono da verdade e fomentar brigas irracionais, “principalmente entre democratas”, claramente não é o caminho para reconduzir o País aos trilhos”.

    Quais são os trilhos dos quais o país descarrilhou? O professor de teoria política parece que pensa diferente do jornal O Estado de S. Paulo, mas não quer deixar isso transparecer e então diz o que queria dizer, mas só pela metade.

    E ainda no resumo, reproduzindo as palavras do professor Marco Aurélio Nogueira você diz:

    “Para o articulista, os principais prejudicados com desentendimento e dogmatismo em demasia são justamente aqueles que lutam por liberdade, igualdade e justiça social”.

    Não há nenhum exemplo de desentendimento, não há nenhum exemplo de dogmatismo, não há a identificação de ninguém que luta por liberdade, por igualdade e por justiça social.

    A ideia talvez que esteja por traz de todo o texto, mas não ousa dizer seu nome é a de pacto. Pacto que tem dois significados, pacto no sentido de governo, pacto no sentido de união geral. Pacto no sentido de governo é um truísmo ou um pleonasmo. Todo governo é um pacto. Governar é pactuar. Então dizer que para governar o Brasil (o que talvez seja o sentido de por o país nos trilhos ou de reformar o Brasil) é preciso de um pacto é o mesmo que dizer que para governar o Brasil é preciso de um governo.

    E é muito provável que a idéia do pacto esteja por trás do texto de Marco Aurélio Nogueira, afinal dois colaboradores de ponta aqui do blog, o José Roberto Militão que deu como título ao comentário dele enviado sábado, 25/06/2016 às 19:13, de “A transição possível é com DILMA sem o PT”, como JB Costa em comentário enviado sábado, 25/06/2016 às 15:50, e que vêm manifestado favoravelmente ao pacto não só entenderam a mensagem que Marco Aurélio Nogueira tentou repassar no artigo como ficaram favoráveis a ela.

    Eu considero que as manifestações tanto de José Roberto Militão como a de JB Costa de concordância com o que o autor diz são manifestações em favor de um pacto, e, aqui, eu tomo o pacto não no sentido pleonástico de governo, mas no sentido de união nacional, mas são manifestações do atraso. O espírito de união nacional é o mesmo espírito que dissemina o fascismo.

    Nada mais exemplificativo do caráter fascista da proposta de união nacional que surge com frequência em qualquer lugar do mundo do que o seu aparecimento em todas as situações de guerra externa. A guerra é a barbárie. E toda vez que ela é deflagrada se a ancora na proposta de união nacional. Dois exemplos recentes na nossa cultura foi o que aconteceu na Guerra das Malvinas e o que aconteceu na invasão do Iraque. Na Inglaterra depois de fazer um governo de baixa aprovação popular, Margaret Thatcher, com a guerra das Malvinas, que diga-se de passagem não foi iniciada por ela, pode reconquistar a simpatia dos ingleses e ganhar a reeleição, numa espécie de união nacional em torno de sua pessoa.

    Com George Walker Bush, o filho, também se deu o mesmo quando invadiu o Iraque. E a barbárie talvez fosse ainda maior, pois ele praticamente conseguiu a união nacional para a invasão do Iraque (Foram poucas as vozes do Partido Democrata que se opuseram a invasão para não sofrerem a repulsa popular), um país desproporcionalmente mais fraco do que os Estados Unidos. (Costumo brincar seriamente que invadir um país mais forte é burrice (Outros chamam a burrice de coragem). Invadir um país do mesmo poderio é perda de tempo e invadir um país mais fraco é barbárie).

    Então de certo modo é no mesmo germe em que brota o fascismo que brota a proposta de união nacional. Esta deveria ser a primeira lição que deveria constar de qualquer processo de ensinamento ou de compreensão do sistema democrático centrado nos partidos políticos. É essa carência do conhecimento sobre a democracia que gera muitos dos desentendimentos que o autor tenta combater. O desentendimento em si não é ruim. O que é ruim é esse desentimento nascer da falta de compreensão do próprio sistema que se discute. E essa falta de compreensao faz parte de uma cultura. No mundo inteiro não se ensina desde os bancos escolares como funciona a democracia (E o mesmo se dá em relação ao sistema capitalista).

    Mencionei a defesa que José Roberto Militão faz do pacto não propriamente pelo comentário dele aqui neste post “É preciso reduzir animosidades para reformar o poís, por Marco Aurélio Nogueira” em que ele expressamente faz essa defesa, mas chamando a proposta dele governo de transição, mas pelo post dele “Transição democrática com Dilma, por José Roberto Militão” de sábado, 18/06/2016 às 12:01, aqui no blog de Luis Nassif e que pode ser visto no seguinte endereço:

    https://jornalggn.com.br/fora-pauta/transicao-democratica-com-dilma-por-jose-roberto-militao

    E um exemplo de manifestação de JB Costa favorável ao pacto foi a do post “O que levar em conta quando se discute um pacto nacional” de domingo, 19/06/2016 às 16:55, aqui no blog de Luis Nassif e com texto de autoria de JB Costa que pode ser visto no seguinte endereço:

    https://jornalggn.com.br/noticia/o-que-levar-em-conta-quando-se-discute-um-pacto-nacional

    E deixo também umas três referências a posts de Marco Aurélio Nogueira A primeira referência é a post que eu mencionei há mais tempo com muita frequência e que se trata do post “Nada será como antes” de terça-feira, 28/12/2010, e que pode ser visto no blog dele “Possibilidades da Política” no seguinte endereço:

    http://marcoanogueira.blogspot.com.br/2010/12/nada-sera-como-antes.html

    Há mais tempo eu mencionava o post “Nada será como antes” para fazer um pouco de crítica a Marco Aurélio Nogueira pelos efeitos que ele atribuía à diferenciação que a meu ver ele fez corretamente entre um governo de Lula e um governo da presidenta Dilma Rousseff como se vê no parágrafo do post “Nada será como antes” que transcrevo a seguir:

    “Mas nada é tão simples como parece. Todo governante constrói sua biografia e a lógica da política o impele a buscar luz autônoma. Uma hipótese realista sugere que haverá um suave descolamento entre Lula e Dilma. Disso talvez nasça um governo mais ponderado e equilibrado, capaz de substituir a presença de um líder carismático e intuitivo pela determinação e pelo rigor técnico que são indispensáveis para que se possa construir uma sociedade mais igualitária”.

    Ultimamente venho fazendo menção ao post “Nada será como antes” mais para indicar o quanto de correção da análise de Marco Aurélio Nogueira estava presente na distinção que ele estabeleceu entre o governo de Lula e o governo da presidenta Dilma Rousseff. Era de esperar exatamente que o governo da presidenta Dilma Rousseff primasse pela racionalidade. E ele o foi até em demasia. Talvez a extrema racional, embora seja o ponto positivo do governo dela tenha sido também o maior defeito da presidenta Dilma Rousseff.

    Aliás aqui cabem duas referências à parte dos posts com textos de Marco Aurélio Nogueira que eu ainda pretendo mencionar. Um é ao post “Dilma precisa se reinventar e encontrar sua veia conciliadora” de terça-feira, 03/03/2015 às 15:34, aqui no blog de Luis Nassif e oriundo de comentário de Juliano Santos e que pode ser visto no seguinte endereço:

    https://jornalggn.com.br/noticia/dilma-precisa-se-reinventar-e-encontrar-sua-veia-conciliadora

    Menciono o post “Dilma precisa se reinventar e encontrar sua veia conciliadora” principalmente por três comentários meus, um enviado quarta-feira, 04/03/2015 às 20:05, um segundo que eu dei como título a seguinte frase “O defeito de Dilma é a qualidade dela: ela é técnica” e que fora enviado quarta-feira, 04/03/2015 às 20:58, e um terceiro enviado quarta-feira, 04/03/2015 às 21:29.

    E o segundo post é “Exclusiva: Dilma faz o diagnóstico invisível da sua gestão econômica” de sexta-feira, 10/06/2016 às 13:27, aqui no blog de Luis Nassif em que a Patricia Faermann com a colaboração de Tatiane Correia fazem uma apresentação da entrevista que a presidenta Dilma Rousseff concedeu a Luis Nassif. O post “Exclusiva: Dilma faz o diagnóstico invisível da sua gestão econômica” pode ser visto no seguinte endereço:

    https://jornalggn.com.br/noticia/exclusiva-dilma-faz-o-diagnostico-invisivel-da-sua-gestao-economica

    E volto agora para mencionar dois posts de Marco Aurélio Nogueira que penso ajudam no entendimento do pensamento dele. Pensei em indicar algum post com texto dele que tenha saído aqui no blog de Luis Nassif e que tivesse comentário meu. Encontrei dois outros, mas sem comentários meus. Um é “O fim de um ciclo político no país, por Marco Aurélio Nogueira” de sábado, 22/08/2015 às 17:06, e que pode ser visto aqui no seguinte endereço:

    https://jornalggn.com.br/noticia/o-fim-de-um-ciclo-politico-no-pais-por-marco-aurelio-nogueira

    E o outro é “É preciso alguma bandeira que reorganize o Estado, por Marco Aurélio Nogueira” de terça-feira, 01/12/2015 às 06:46, que pode ser visto no seguinte endereço:

    https://jornalggn.com.br/noticia/e-preciso-alguma-bandeira-que-reorganize-o-estado-por-marco-aurelio-nogueira

    No entanto, há um post que me aparece com mais frequência quando tento acessar o blog de Marco Aurélio Nogueira que provavelmente está em uma espécie de hibernação, pois o último post que se pode considerar como tal é “Incandescência e desorientação” de sexta-feira, 24/04/2015, há, portanto, mais de um ano. O endereço do blog Possibilidades da Política é:

    http://marcoanogueira.blogspot.com.br/

    O post “Incandescência e desorientação” tem constado na primeira página do blog Possibilidades da Política, mas caso ele deixe de aparecer o endereço dele é:

    http://marcoanogueira.blogspot.com.br/2015/04/incandescencia-e-desorientacao.html

    Trata-se de um post que sempre que o leio dá vontade de enviar um comentário. O Marco Aurélio no post “Incandescência e desorientação” manifesta opinião muito semelhante à de Luis Nassif tanto em relação às manifestações de junho de 2013, como em relação às análises de Thomas Traumann que fora secretário de comunicação de Dilma Rousseff e que deixou vazar documentos críticos a atuação do governo no enfrentamento com a direita. Uma manifestação de Luis Nassif relativamente ao episódio da saída de Thomas Traumann da Secretaria de Comunicação Social é o post “A prova de lealdade de Thomas Traumann” de quarta-feira, 18/03/2015 às 10:46, e que pode ser visto no seguinte endereço:

    https://jornalggn.com.br/noticia/a-prova-de-lealdade-de-thomas-traumann

    Bem o post “Incandescência e desorientação” feito um mês após as manifestações de 15 de março de 2015 era para dizer que a direita estava incandescendo o país e o governo que já não soubera interpretar as manifestações de junho de 2013 (Como se ele ou alguém outro soubera) estava desorientado (Como se fosse possível não estar).

    Em meu entendimento essas análises todas pecam por passar por cima de um dado concreto de extrema importância. Há pesquisas que comprovam que a direita cresce quando há crise econômica. Esse é um dado constatado em levantamento junto a mais de mil eleições em todo o mundo democrático. Sobre isso há o post “Recessão alimenta a criação de monstros da intolerância, por Laura Carvalho” de quinta-feira, 28/04/2016 às 14:39, aqui no blog de Luis Nassif reproduzindo artigo “O mar está para monstros” de e Laura Carvalho publicado na Folha de S. Paulo de quinta-feira, 28/04/2016. O post “Recessão alimenta a criação de monstros da intolerância, por Laura Carvalho” pode ser visto no seguinte endereço:

    https://jornalggn.com.br/noticia/recessao-alimenta-a-criacao-de-monstros-da-intolerancia-por-laura-carvalho

    A Laura Carvalho faz referência a apenas a um artigo que trata da questão do crescimento da direita em períodos de crise econômica. Há um comentário meu enviado quinta-feira, 28/04/2016 às 20:45, para junto do comentário de ML enviado quinta-feira, 28/04/2016 às 15:40, em que eu faço referência a outros dois artigos e deixo os links para os três.

    E por fim deixo o link para o post “John Stuart Mill on Partial Truth and Many-sidedness” de autoria de Timothy Taylor e publicado no blog dele Conversable Economist na quarta-feira, 22/06/2016, no seguinte endereço:

    http://conversableeconomist.blogspot.com.br/2016/06/john-stuart-mill-on-partial-truth-and.html

    O post “John Stuart Mill on Partial Truth and Many-sidedness” inicia-se com a seguinte frase:

    “Perhaps especially during an election season, when one side is always 100% right and the opposition is always 100% wrong, it seems useful to reflect on the benefits of true diversity of opinion in a world where most opinions have at best a share of the overall truth”. (Em tradução com a ajuda do Google Tradutor: “Talvez, especialmente durante uma época de eleição, quando um lado é sempre 100% certo e a oposição é sempre 100% errado, parece-nos útil refletir sobre os benefícios da verdadeira diversidade de opiniões em um mundo onde a maioria das opiniões têm na melhor das hipóteses uma parte do verdade geral”)

    O post de Timothy Taylor faz referência na frase inicial a proposta de Hilary Clinton que estaria 100% correta e a de Donald Trump que estaria 100% errada para lembrar da necessidade de termos uma mente mais céptica capaz de nos livrar do índice de 100% de correção das nossas convicções.

    É importante lembrar que a essência da democracia representativa é a composição de conflitos de interesse. A idéia de um pacto nacional é uma tentativa de suspender o processo de composição de interesses conflitantes que é feito diante de desentendimentos, animosidades, antagonismos. No processo democrático auténtico todos os interesses por mais antagônicos que sejam são levados em consideração no processo de compossição. O pacto é em geral uma forma de escamotear todos esses interesses em antagonismo. Evidente que nem todos os interesses não são levados em consideração. Quem estiver no comando do pacto não vai deixar que o interesse que ele representa não seja prevalescente.

    Além disso, devemos considerar que a proposta de pacto está sendo lançada quando São Paulo retomou o poder político brasileiro através de um golpe. E retomou o poder mediante um golpe deflagrado com o apoio das forças da direita. A esquerda que compactuar com esse golpe não pretende corrigir aquelas que são as grandes distorções do capitalismo e da democracia brasileira e que são a desigualdade social e a desigualdade espacial.

    Essas duas desigualdades não podem ser resolvidas de uma vez. E a esquerda precisa apreender a conviver com os revezes dos seus projetos. E há que saber agir também para evitar que os revezes não sejam duradouros. E para mim o convívio com os revezes e encontrar uma forma de os enfrentar requer a compreensão do sistema democrático e do sistema capitalista. Não é razoável supor que os dois sejam perfeitos. É não vale a pena querer a substituição de nenhum dos dois.

    Não vale a pena querer a substituição de imediato do capitalismo porque os modelos já propostos foram de certo modo um fracasso. E o capitalismo pode ser mais bem explorado naquilo que ele tem de superior que é proporcionar maior crescimento econômico e o pior defeito do capitalismo e que é a má distribuição de renda também pode ser combatida mediante uma atuação mais firme do Estado.

    E do mesmo jeito, para a esquerda que luta pela igualdade não vale querer substituir a democracia representativa, pois esta tem um valor intrínseco de extrema relevância e que consiste em conceder a cada eleitor a mesma importância. O prioritário para a esquerda é combater a desigualdade que se instala na sociedade, pois essa desigualdade torna a representação não representativa. A proibição do financiamento empresarial das campanhas políticas é um passo importante nesse processo de combate a desigualdade.

    Evidentemente apenas a proibição do financiamento empresarial das campanhas políticas não é suficiente para assegurar uma representação mais igualitária. Aliás resta como uma grande tarefa da esquerda descobrir mecanismos que possam ser aplicados e que permitam reduzir a desigualdade social e também a espacial. O mesmo vale para a desigualdade social, mas vale enfatizar que em relação a desigualdade espacial o objetivo não é tentar fazer apenas o Brasil mais igual espacialmente. É preciso que todo o mundo também o seja.

    Clever Mendes de Oliveira

    BH, 26/06/2016

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