É preciso alguma bandeira que reorganize o Estado, por Marco Aurélio Nogueira

Jornal GGN – Em artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo, Marco Aurélio Nogueira analisa a crise política e fala sobre a necessidade de “uma bandeira para que se reorganizem a sociedade e o Estado”. 

Para Marco Aurélio, “não há governo”, e o problema reside no sistema político e na maneira como se deseja governar. Ele diz que o ministério é “pífio”, faltando liderança e cabeças talentosas e montado para agradar ao baixo clero do Congresso. Também afirma que as oposições “simplesmente se entregaram à pequena política”. Leia mais abaixo:

Do Estadão

Fogo no circo: das cinzas terá de nascer alguma bandeira que reorganize o Estado
 
MARCO AURÉLIO NOGUEIRA

Não são somente Dilma e Cunha, o PT, o PMDB e o PSDB, a esquerda e a direita, o Executivo e o Legislativo. É tudo.

Tal qual o mar de lama com que a incúria e a busca do lucro fácil destruíram a vida de milhares de pessoas, comprometendo o meio ambiente por décadas, uma lava corrosiva está se espalhando pelo País, a ameaçar o futuro. Há algo de podre no reino. A política simplesmente não funciona.

Para começar, não há governo. O problema não é a presidente, mas o sistema e o modo como se deseja governar. Sua mais perfeita tradução é o ministério pífio que há em Brasília, sem cabeças talentosas, sem liderança e coordenação, composto só para agradar ao baixo clero do Congresso e fortalecer a base governista. Não é um ministério com perfil técnico ou político: ele simplesmente não tem perfil. Também não tem um plano de voo para seguir, já que não há programa de governo. O que havia antes, no primeiro mandato de Dilma, e que não era grande coisa, foi literalmente reduzido a pó após as eleições, quando a crise econômica encorpou e passou a ser reconhecida como um castigo dos céus. Jamais se admitiu que a economia desandou porque as opções governamentais foram ruins. A culpa seria das estrelas, e dos outros. Por isso, que se pague a penitência do ajuste fiscal.

Neste cenário de horrores, seria de esperar que o Congresso Nacional se enchesse de brios e fizesse sua parte. Que os melhores se destacassem nele. Que pressionassem o governo, o obrigassem a agir, nutrindo-o com críticas e ajudando-o a enfrentar com determinação os problemas. É para isso que existem deputados e senadores. Mas o Congresso se encolheu miseravelmente. Passou a assistir impassível, com alguns arroubos de indignação seletiva, à sua própria conversão em uma instituição desprezada pela população, que não se sacrifica pela Nação, que pouco faz de produtivo. Chegou ao ponto de permitir que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, sujo até o último fio de cabelo, pose como um Maquiavel de província e deboche da Nação, equilibrando-se na indiferença das oposições e no apoio mal disfarçado de Lula e do governo.

O cenário seria perfeito para as oposições mostrarem sua cara e seus recursos, suas propostas, sua “narrativa”. E o que se viu? Silêncio total, entremeado por algumas vozes isoladas, impotentes, que não se fazem ouvir. As oposições simplesmente se entregaram ao jogo do poder – à pequena política –, deixando por terra sua identidade, suas glorias e tradições.

Cidadãos foram às ruas protestar. Encheram algumas praças e avenidas de diversas capitais, mas foram a pouco e pouco perdendo fôlego. Ressentiram-se precisamente da ausência da política. Foram “liderados” por pequenos grupos de ativistas e por alguns políticos verborrágicos, sem talento, com a faca nos dentes. Os cidadãos perceberam que naquele festival de bobagens reacionárias – em que não faltaram pessoas armadas e apelos patéticos aos militares – não encontrariam qualquer saída.

Sem política – cabeça política, educação política, articulação política –, as ruas não puderam levar uma palavra de lucidez para o sistema político e a Presidência da República. A luta política se transferiu para as redes sociais e a partir delas as ruas se mantêm mobilizadas.

Enquanto isso transcorria e os vértices do sistema se mostravam inoperantes, as reformas de que o País necessita foram sendo travadas, travando o conjunto. É muito mais que ajuste fiscal. A questão urbana é lancinante, em termos de habitação, segurança e mobilidade. A questão energética atingiu nível emergencial e a manutenção da matriz atual produz tragédias sucessivas, destrói florestas e prejudica populações inteiras. Ninguém mais fala de reforma política. A desigualdade lateja. O SUS, nosso maior patrimônio na área da Saúde, parece abandonado. E estamos longe de ter conseguido equacionar a mais importante de todas as questões, a educação. O ensino deixa a desejar, a privatização avança, a escola pública derrapa e não recebe tratamento à altura por parte dos governos, que preferem tratá-la pelo lado do custo. A educação não se converte em causa nacional, suprapartidária, em questão de Estado, para prejuízo de milhões de jovens e o represamento da inteligência nacional.

Nesta última semana, o circo pegou fogo de vez. É provável que continue a queimar até 2018, pois o sistema está tão em crise que não consegue gerir nenhuma crise. Mas o ineditismo dos últimos acontecimentos, a gravíssima prisão de um senador, líder do governo, autorizada pelo STF, tem força para fazer com que os melhores políticos se movimentem. Foi uma bofetada.

Quando se atinge grau máximo de degradação, espera-se que soluções comecem a ser forjadas. O PSDB já está a rever sua conduta. O Senado consegue discutir e avaliar sem corporativismo a prisão de um de seus cardeais e por esmagadora maioria autoriza a continuidade das investigações contra ele. Reposiciona-se, corta na própria carne. Na Câmara, o Conselho de Ética aperta o cerco em torno de Eduardo Cunha, que se desmoraliza. Um banqueiro e um pecuarista – íntimos dos altos círculos políticos da República — são presos, acusados de corrupção e tráfico de influência. Ministério Público, Polícia Federal e Poder Judiciário dão sinais seguidos de que o círculo continuará a se fechar.

Não é pouca coisa para um único ano. Eppur si muove? Não dá para saber, mas a dinâmica alucinante do quadro está a criar sucessivas oportunidades para reformulações.

Pode ser que alguma luz se acenda no Planalto, vinda quem sabe de algum juiz ou dos pequenos partidos de oposição, o PSol, a Rede, o PPS, o PSB. Pode até mesmo acontecer de alguns morubixabas se reunirem para estender a mão a Dilma e apoiá-la numa recomposição governamental séria. Os partidos não estão mortos. Podem render mais, recuperar sua vocação e sair da letargia.

Não é razoável que da gravíssima crise em que está o País não surja uma bandeira para que se reorganizem a sociedade e o Estado. [Publicado em O Estado de S. Paulo, 28/11/2015, p. A2]

Redação

8 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

    1. “O povo”? Por acaso alguém

      “O povo”? Por acaso alguém lhe passou procuração para falar em nome do povo? O tal “povo” a que você se refere está restrito aos fascistas da mídia, aos zumbis manipulados por ela, a analfabetos políticos e por uma direita escrota que, incapaz de vencer eleições, tenta o golpe para tomar o poder e cumprir o que prometeu aos patronos gringos: tornar o Brasil novamente uma colônia dócil. Vá lamber sabão! “O povo”… quanta arrogância se achar no direito de falar em nome do Povo.

  1. É uma análise digna de quem

    É uma análise digna de quem acompanha a política com base apenas e tão somente no noticiário da mídia oposicionista e falas e relatos dos políticos de oposição. Não se está fazendo nada?  O Governo está paralizado, e não está também lutando para enfrentar golpistas que estão a todo vapor, grande parte encastelado nos Tribunais Superiores,  no Tribunal de Contas, nos Ministério Públiucos, na Polícia Federal? O país está paralizado tendendo à bancarrota? Desestatizando? O moço mais parece que alia sua voz às vozes da oposição. Está muito pessimista. Melhor faria ajudar sua turma a ter votos para ter meios de vencer dentro das regras do jogo, constitucionais. Como está, se não conseguirem derrubar Dilma e forem para o enfrentamento como mais provável em 2018, tendem a uma décima derrota se o pleito for para o segundo turno.

  2. Nassif e colegas do blog
    Os estudos de Bauman são essenciais para se entender o momento presente.

    Nas observações do acadêmico fica devidamente identificado a opção da sociedade, não só no Brasil. Pelos seus estudos fica implícito que não é possível encontrar líderes, nem planos de médio e longo prazos dentro da cultura atual.

    Esse vazio não ocorre apenas na política. É o próprio vazio de vida, nele não encontraremos liderança na música, na literatura, em nosso entorno. Nem mais pais líderes encontramos com facilidade, pais que tragam sonhos aos seus filhos, no lugar de compras nos shoppings.

    Para constatarmos a pertinência das suas conclusões, é suficiente buscarmos pelo mundo nomes de líderes ou propostas futuras que encontrem grande reverberação.

    Trata – se do mundo liquido tão bem delineado pelo autor dos estudos. Um mundo sem forma, imediatista e individualista.

    Um mundo vazio, sem ideias ou ideais e por isso mesmo desprovido de líderes e planos futuros.

    Não se deve, portanto, criticar apenas a política ou os nossos representantes, já que não são eles, exatamente, os formuladores. Os grandes líderes são aqueles que conseguem observar, condensar e apresentar o que a população deseja. e os planos são concebidos dentro desse contexto.

    Afinal, democracia é o regime de governo onde todas as decisões políticas são tomadas pelo povo, de forma direta ou através de seus representantes eleitos.

    Um mundo líquido, sem forma, imediatista e individualista é a síntese e a consequência de um mundo sem sonhos, preocupado com o imediatismo do consumo como plataforma para a felicidade.

    Nesse mundo não encontrarmos líderes, nem objetivos coletivos futuros. Em seus lugares encontraremos oportunistas e a política imediatista da vantagem imediata.

    O mundo do quem dá mais e agora. O mundo sem ideologias.

    O mundo sem sonhos.

  3. Certo só que não são só os

    Certo só que não são só os políticos profissionais os culpados pela lambança. Os políticos amadores também. No pig e nos judiciário/PF, com sua politicagem travestida de combate aos corruptos (de um tipo só).

    O AA já demonstrou aqui como o Moro e a Lava a jato com seus justiceiros hollywoodianis já estão fazendo muito mais mal do que a corrupção que dizem combater. 

    1. Me aponte um político novo honesto…

      Dá pra contar nos dedos os politicos novos honestos. Este é o maior problema do país e que o Lula já anuncia há 20 anos.

      Vamos colher o fruto amargo nos próximos 20 anos.

  4. Sugiro a bandeira de 14 ministérios e 72 secretarias

    Reforma ministerial para dar Rumo, Norte e Estrela ao governo, carimbando harmonia, qualidade e equilibrio nas suas ações.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador