Andre Motta Araujo
Advogado, foi dirigente do Sindicato Nacional da Indústria Elétrica, presidente da Emplasa-Empresa de Planejamento Urbano do Estado de S. Paulo
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Enfiando a cabeça na areia, um Banco Central das avestruzes, por André Motta Araújo

O Brasil não pode pretender ser uma praça financeira e disso viver, como Luxemburgo, Cayman ou Panamá. O Brasil é uma potência agrícola, mineral e deveria ser uma potência industrial.

Enfiando a cabeça na areia, um Banco Central das avestruzes

por André Motta Araújo

O Banco Central avisa que pretende reformar toda a legislação cambial do País que, segundo diz, é a mesma de 1920. É uma lenda para a mídia econômica repercutir, MAS é completamente falso. O que existe é uma legislação cambial que COMEÇA em 1920, mas que vem sendo revista continuamente para se adaptar às mudanças de realidade econômica do País, NÃO é uma legislação velha, como pretende fazer crer quem espalhou essa bobagem.

A direção dessa pretendida reforma é ABSURDA. Pretende ir no caminho de conferir conversibilidade ao REAL, mas com que objetivo sobre o crescimento do País? A PRIORIDADE é crescimento e emprego e a conversibilidade do Real EM NADA leva a esse objetivo, não queremos ser um paraíso fiscal, porta giratória de especuladores, lugar de entra e sai de moeda. Qual é a lógica de conversibilidade para um País com 45 milhões de pessoas sem trabalho?

O Brasil não pode pretender ser uma praça financeira e disso viver, como Luxemburgo, Cayman ou Panamá. O Brasil é uma potência agrícola, mineral e deveria ser uma potência industrial. É, na essência, um país produtor de riquezas e não um país de cambistas, corretores e especuladores como parece querer fazer o Banco Central e sua turma de “operadores de bolsa”, que hoje dirigem o Banco com a visão estreita de seu mundinho fechado para dentro e para fora.

Pode ser bom para rentistas e para Wall Street, mas o que agrega à vida miserável dos pobres sem perspectivas? A política cambial dos grandes emergentes como China, Rússia e Índia é inteiramente voltada para o DESENVOLVIMENTO, operam a moeda dentro de um projeto maior de crescimento econômico, o câmbio como instrumento da política econômica e não como moeda reserva para estrangeiros, plano de país que precisa aumentar a renda per capita e incorporar imensas massas de pobres é um PROJETO  DE DESENVOLVIMENTO e não uma jogada financeira para atender cambistas.

País emergente tem outras metas vitais. País emergente não tem como meta ser uma Suíça,  país antigo, pequeno, de pouca população, onde há pouca coisa para se construir, com uma população de alta renda per capita, é um outro cenário econômico, em cuja lógica cabe a conversibilidade, algo que não faz nenhum sentido em País que precisa  urgentemente crescer de forma acelerada. E a conversibilidade será, segundo qualquer análise de lógica econômica, um OBSTÁCULO, porque deixa o Pais indefeso perante a especulação financeira global , levando ao risco de dolarização de sua economia.

A conversibilidade do Real TRAVA a capacidade de manejo da dívida pública em Reais. A qualquer sinal de risco o capital aplicado na dívida pública pode sair voando do País, liquidando em minutos as reservas internacionais e estourando a economia monetária e produtiva. Para que dar essa vantagem?

É da natureza de País emergente ter controle cambial para proteção de suas reservas, um mecanismo OPOSTO à ideia de conversibilidade. Aliás, a necessidade de controle para esse tipo de estágio de Pais é reconhecida textualmente pelo Fundo Monetário Internacional. O Banco Central do Brasil quer ser mais fundamentalista de câmbio do que o próprio FMI, que reconhece a necessidade de controle cambial fora dos países centrais, nunca foi proibido.

Temos ao nosso lado um País que costeou o alambrado da conversibilidade, a Argentina, o que simplesmente arrebentou sua economia por décadas.

Hoje a economia argentina é, na prática, dolarizada. Os ricos se defendendo no dólar e, como contrapartida, os pobres que não têm dólares e são cada vez mais pobres, o país estagnado e sem as ferramentas para crescer e gerar empregos. Essa ideia maluca é o coroamento de uma visão de pais de trânsito, uma simples plataforma de extração de renda financeira para remeter para fora, é o modelo dos sonhos dos “economistas de mercado” do Banco Central.

A IMPRESSIONANTE CAPACIDADE DE ALIENAÇÃO DA REALIDADE

Em 1943, em meio à sangrenta guerra sino-japonesa, quando boa parte do território costeiro chinês estava ocupado pelo Japão, com destruição e massacres inacreditáveis, como o famoso “saque de Nanquim”, onde morreram 300 mil chineses e soldados nipônicos se divertiam jogando bebês chineses para o alto para treinar pontaria. Nesse momento terrível, o Generalissimo Chiang Kai Shek editou decreto regulando como os chineses deviam cuspir nas calçadas, com minuciosas instruções sobre esse ato comum na educação chinesa. A situação foi descrita pelo General Joseph Stilwell, representante militar do Presidente Roosevelt na China, em suas celebradas memórias.

O caso nos faz lembrar de como, em situações críticas, o ser humano é capaz de se alienar de tal forma da realidade a ponto de se dedicar a convescotes e tertúlias de nenhuma importância em meio às macro turbulências, uma espécie de derivativo espiritual, para esquecer coisas ruins, um autêntico jogo do contente. É o que faz esse Banco Central em má hora criado, hoje a raiz do problema econômico brasileiro. No meio de uma MEGA RECESSÃO de duração pouco comum na história econômica, se dedicam a essa brincadeira monetária de contas em dólar.

É demais. É alienação demais. É conversa de madames no chá das cinco no Harrod´s de Londres, enquanto a economia brasileira ruma ao abismo.

Há muita coisa para o Banco Central fazer em benefício da população brasileira antes de se enfeitar com um Real moeda de país rico, uma fantasia cara.

O Banco Popular da China nunca operou com a vaidade de transformar o “yuan” em moeda reserva de valor, sempre operou a moeda como instrumento fundamental para impulsionar as exportações da China, abrindo mão da vaidade para obter eficiência, a moeda como ferramenta para fazer crescer, sempre a China e não para dar alegria a especuladores, como pretende fazer o nosso prestativo Banco Central,  serviçal das mesas de Nova York,  o colonizado prestativo que cumula de gentilezas os hedge funds managers, os traders da Goldman, os especuladores que falam um portunhol rascante e enxergam o Brasil como um porto de embarque tal qual os portugueses viam os atracadouros nas costas do Benim, pontão de embarque de riquezas.

O Brasil precisa com urgência de um banco central A SERVIÇO DO PAÍS, como o Reserve Bank of India, o Banco Central da Federação Russa e o Banco Popular da China, INSTITUIÇÕES DE ESTADO a serviço de todo o País e não um banco central a serviço dos “market boys” de Wall Street.

Em próximo artigo vamos tratar da MÃE DE TODAS AS REFORMAS, a reforma do Banco Central do Brasil.

AMA

Andre Motta Araujo

Advogado, foi dirigente do Sindicato Nacional da Indústria Elétrica, presidente da Emplasa-Empresa de Planejamento Urbano do Estado de S. Paulo

10 Comentários

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  1. Foi só a partir do seu artigo que eu pude entender a ligação das reservas externas, da dívida pública e da tal da conversibilidade da moeda. Depois do começo do golpe, em 2016, eu sempre me perguntei como eles iam fazer para acabar com nossas reservas externas. Taí, ficou muito claro o modus operandi, do mesmo estilo dos demais ataques só que, evidentemente, mais específico.
    É de brincar?

  2. Foi só a partir desse seu artigo que pude entender como eles iam atacar nossas reservas internacionais sem “dar na cara”, ficou muito claro o modus operandi – e tudo dentro do mesmo estilo dos demais ataques.
    É de brincar? (acho que os nossos políticos com brio pelo menos deviam se unir e centrar mais em esclarecimentos eficazes e não ficar presos em éticas inócuas: estamos em guerra!

  3. Gente, esse artigo de André Motta Araújo vale muito a pena ser lido. Diria que sua leitura, debate e esclarecimento é URGENTE!. Até o momento, desde o golpe de 2016, ninguém tinha feito uma abordagem dessas, a não ser Luís Nassif em um ou outro dos seus “xadrezes” que ele publica aqui. Basicamente é preciso entender que o Brasil não tem vocação para o rentismo, para o cassino financeiro do tipo Ilhas Cayman, Bahamas, Liechtenstein, etc. O Brasil, pela própria configuração e extensão do seu território, pela enorme população que representa sob qualquer aspecto, uma tremenda demanda social não pode dar-se ao luxo de dizer quanto vale o real frente ao dólar, ao euro, ao marco, etc, etc. Ter reserva cambial, ter o controle cambial é acima de tudo, uma questão de Estado, de soberania. Países emergentes estão prosperando à base desse princípio, e os exemplos citados de Índia, China, Rússia são lapidares. Acrescento também alguns dos “tigres asiáticos”, como o Vietnam, e um pouco menos, a África do Sul. O Brasil navega praticamente sozinho na onda do rentismo graças a figuras horrendas da equipe de gestão, a principal delas, o Paulo Guedes. Ele é o maior escravo que conheço do viés ideológico de extrema-direita, do “tudo no mercado, tudo para o mercado, tudo pelo mercado”, sem nenhuma explicação do que significa para aquele que pega ônibus podre para ir ao trabalho o que significa esse tal de “mercado”. Estou farto de ver pessoas simples, honestas e do bem como eu, defenderem que o Brasil precisa privatizar, dolarizar a economia, como se isso fosse uma postura modernosa frente ao “atraso”. Não! O Brasil precisa de Estado que protagonize sim, e não me venham com os ranços moralistas que animam os discursos anti-corrupção, pois nem de longe a corrupção, grande ou pequena é a CAUSA das nossas mazelas, ela é CONSEQUÊNCIA, pois a corrupção nada mais é que um mecanismo de retroalimentação das desigualdades sociais e transferência de renda, e isso desde o Império. É a secular confusão útil (para os avarentos) entre o que é público e o que é privado, entre o que é interesse mesquinho pessoal, e o que é demanda legítima social. Haverá pequena ou grande corrupção enquanto houver essa brutal concentração de renda. E, ressalte-se, a corrupção não é nem de longe uma mazela inerente ao sistema politico. Há corrupção velada ou explícita em toda grande empresa privada, tráfico de influência e “cochichos em baixo da escada” para alguém derrubar alguém que está acima na hierarquia das chefias, mas isso não vou estender aqui agora. Até nas hierarquias das grandes igrejas midiáticas há corrupção e/ou tráfico de influências, e não só os “políticos” são corruptos como acredita a tolice pseudo-moralista. E tudo isso tende a eternizar-se quando se pretende fazer do Brasil a pátria da ciranda financeira, uma “Las Vegas” tropical, onde nada se produz, mas ganha-se muito, poucos acumulam muito. Será que a simples constatação de que países que são paraísos da especulação financeira como Qatar, Luxemburgo, Bahamas e outros possuem as maiores rendas per capita do mundo, mas ao mesmo tempo, as maiores concentrações de renda? Em outras palavras, de que me adianta ser um cidadão das Bahamas? A não ser que eu fosse uma magnata das finanças nesse paraíso fiscal. É isso que queremos para o Brasil. Então aplaudam a “terra arrasada”, a proposta dos meliantes que estão no Planalto, pois é isso que Bolsonaro e consortes querem!

  4. Se o Brazil quer ser uma Suiça da vida tem que começar produzindo queijos suiços, relógios e, principalmente, Lucy in the Sky with Diamonds.

  5. Nossa elite miserável está copiando o judiciário destruidor da política da Itália, o uso do exército que o méxico fez pra combater as drogas e agora a dolarizacao da argentina e a privatização tresloucada da Inglaterra de thatcher. Todas experiências catastróficas para seus respectivos países: Itália hoje nas mãos de extremistas de esquerda e direita , o méxico tendo o cartel de drogas mais poderoso do mundo e tornando regiões do México quase um enclave sob poder do narcotráfico, a Argentina virou um povo sem moeda própria na prática e a Inglaterra um anão industrial quando comparado com França e Alemanha, seus rivais históricos , e ainda sua elite ,através do péssimo David Cameron , fez questão de atravessar a rua pra escorregar na casca de banana do brexit. E aí pouco importa Bolsonaro pois Mourao reza na mesma cartilha: a de pegar experiências péssimas de outros países e aplicarem a ferro e fogo no pais.

  6. …”País emergente tem outras metas vitais…”
    Com certeza, mas nosso problema é que somos um SUBMERGENTE país emergente !
    Sempre que estamos emergindo vem uma tal “mão invisível” que nos submerge…

    …”Criança! não verás país nenhum como este:
    Imita na grandeza a terra em que nasceste!”
    (A Patria, Olavo Bilac)

    Dos países geoeconomicamente mais ricos do mundo, em extensão, localização, população, água, minerais estratégicos, capacidade agrícola, matas diversidade biológica terrestre, aérea e marinha, estabilidade climática e geológica, etc. e tal, somos um gigante retardado, dominado por uma pequena elite medíocre e vendida que nos deixa esfomeados, doentes, atrasados e de quatro ao planeta.
    Os EEUU em menos de 2 séculos emergiram definitivamente. O Japão em décadas do medieval ao moderno e, junto com a Alemanha, recuperam-se da devastação da guerra em poucas décadas. A milenar China a partir do pós guerra saiu lá de trás e já é a maior economia em PPP. A India já caminha para a terceira, também com tecnologia. Os países escandinavos outrora um tanto pobres têm hoje os melhores índices sócio-econômicos do planeta. Tantos outros exemplos na História.
    E nós, que temos riquezas semelhantes ou superiores a todos os países?
    Há mais de cinco séculos, uma tragédia emergente, de prosperidade cada vez mais submergente.

  7. então abaixo os rentistas e a boca de fumo do
    banco central, com seus juros exorbitantes
    para pagar uma dívida inexplicável e infame….
    aí só uma revolução anti-capitalista pra resolver isso…

  8. Mais cedo ou mais tarde, a continuar a direita no poder, a classificação de país emergente terá que ser substituída para Colônia. Até a nossa incipiente defesa foi aniquilada com o golpe/2016. Corremos inclusive o risco de sermos divididos entre os países centrais no futuro. Já que não é permitido ao Brasil optar pelo desenvolvimento talvez seja melhor mesmo sua extinção.

  9. Deculpa o chavão mas com esse governo não ha nada que ja esteja tão ruim e que não possam piorar…

    André Araujo, não sei se saiu na imprensa brasileira, mas o governo francês se retirou do encontro que teriam entre o Medef (sindicato do patronato francês) e o ministério da Economia francês com o ministro Santos Cruz e Industria e Comércio. Mais uma para o governo Bolsonaro engolir e o Brasil descer mais ainda a ladeira.

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