Entenda a estratégia da China com sua moeda soberana digital, por Luis Nassif

Enquanto Trump e Bolsonaro jogam palitinhos, a China mostra por que é a pátria do xadrez

A estratégia geopolítica da China, e o lançamento de uma moeda soberana digital vai ser o fato geopolítico do ano.

Um artigo do China Daily detalha bem a estratégia.

Fato 1 – a desconexão entre mercado financeiro e economia real nos EUA

  1. O petróleo está sendo negociado a preços negativos.
  2. O desemprego nos Estados Unidos é nove vezes maior do que nos momentos seguintes ao crash de 2008.

3 O mau gerenciamento da crise do Covid-19 e um sistema médico que favorece apenas os ricos estão produzindo 2 mil mortes por dia.

Mesmo assim, o mercado de ações norte-americano subiu por 5 semanas, mostrando uma desconexão impressionante entre a realidade econômica e o mercado financeiro. Foi necessário o colapso no preço do petróleo para fazer o mercado americano acordar.

Fato 2 – o colapso do modelo americano.

Os bloqueios são uma hibernação deliberada da atividade econômica que força uma completa reestruturação econômica. Expõem e matam as empresas que dependiam de crédito porque seca o fluxo de caixa. Muitas empresas não ressurgirão dessa hibernação.

Além disso, a concentração de renda, a despreocupação com o emprego provocou um empobrecimento das classes média e pobre dos EUA. Por isso mesmo, é grande o potencial de uma extrema contração do mercado interno.

Fato 3 – a campanha de Trump para desconectar a China.

O início foi a tentativa do Missouri de processar a China, um golpe publicitário porque Estados não podem ser processados. Mas esta abordagem de Trump altera profundamente os fluxos de comércio e investimentos, mas trarão também consequências para países que desejam continuar fazendo negócios com a China.

Aí, tem-se que analisar três fatores relevantes:

1. O dólar como braço forte da política externa norte-americano.

O instrumento de pressão seria a ameaça de excluir empresas do sistema de liquidação do dólar SIWFT. Esses sinais já foram emitidos por Trump. Foi como procedeu com empresas europeias que negociavam com o Irã, em conformidade com as resoluções da ONU. A exclusão se aplicava a todos os negócios e não apenas aos negócios com iranianos.

Sanções semelhantes foram aplicadas à Venezuela e, mais recentemente, o governo da Austrália for forçado a abandonar um acordo com a Huawei para fornecer serviços à sua nova rede ferroviária, em parte devdio à difivuldade de concluir as transferências financeiras.

2. A ação chinesa para combate o uso político do dólar

Está em andamento o desenvolvimento de um sistema de liquidação comercial baseado em RMB. Ponto central será. Desenvolvimento de uma moeda digital soberana da China, seguida pela adoção regional.

O primeiro teste já ocorreu em Shenzhen, Suzhou, Chengdu e Xiong’an. A moeda foi adotada no sistema monetário, para pagamento de partes dos salários dos setores do governo e do Estado a partir deste mês.

A moeda digital soberana é uma alternativa ao sistema de liquidação do dólar e atenua o impacto de sanções ou ameaças de exclusão do sistema SWIFT.

Segundo o jornal, a moeda não apenas facilita a integração nos mercados de moedas negociados globalmente, como afasta o risco de perturbações de inspiração política.

A estabilidade do yuan chinês, durante a crise do COVID-19 aumentou seu apelo para muitos investidores. Consolidados, o digital soberano da China poderia operar lado a lado com o dólar ou, se necessário, de forma mutuamente exclusiva.

  1. Fortalecimento do Belt end Road Iniciative (BRI)

Trata-se de uma estratégia de desenvolvimento global implementada em 2013 pelo governo da China, visando estimular investimentos em infraestrutura em quase 70 países e organizações internacionais na Ásia, Europa e África.

A lógica da China repete as tentativas (fracassadas) de Nelson Rockefeller, nos anos 40, de uma New Deal para a América Latina, como forma de estimular a economia de ambos os lados.

Segundo o jornal,

Economias levadas a tirar os pobres da pobreza para desenvolver uma nova classe de consumidores fornecem mercados em crescimento. Muitos já adotaram o BRI e podem ser receptivos a se afastar da dependência do dólar.

A China priorizou a Rota da Seda na ajuda contra o COVID-19. E o BRI continua sendo uma alternativa fundamental para a estrutura econômica pós-COVID-19.

Tudo isso ganha força com a queda do mercado interno dos EUA e a política deliberada de isolamento e desconexão dos EUA em relação à China.

 A substituição e o crescimento de mercados dentro da estrutura do BRI, juntamente com a liberdade da ameaça de armamento do dólar na atividade comercial e na liquidação, criam uma estrutura diferente do engajamento econômico global da China.

Os estadistas

A modelagem do mundo pós-Segunda Guerra se deveu ao papel de estadistas como Franklin Delano Roosevelt (que morreu antes de encerrada a guerra), Winston Churchill, Charles De Gaule. No Brasil, as mudanças da geopolítica mundial foram aproveitadas por Estadistas como Getúlio Vargas, na fase de implantação da indústria de base, e Juscelino Kubitscheck, na fase de reconstrução da Europa.

Agora, enquanto a China é conduzida por Xi Jinping, os Estados Unidos são por Donald Trump e o Brasil por Jair Bolsonaro. Enquanto Trump e Bolsonaro jogam palitinhos, a China mostra por que é a pátria do xadrez.

Luis Nassif

23 Comentários

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  1. Eu não tenho todo esse entusiasmo pela China. Não que eu duvide que ela pode se tornar o centro geopolítico do mundo. Aliás, ela já é a economia mais rica do mundo e os EUA e Europa estão em decadência. A questão é o modelo chinês de superexploração do trabalho, baixos impostos e, em consequência, quase nada de investimento em proteção social. Só assim ela pôde ganhar a disputa mundial na economia, principalmente na indśutria.

    Os defensores da China dizem que, no futuro, a classe média será maioria e a China acabará por construir seu estado do bem estar social. Isto me cheira à máxima do Delfin Neto, que dizia que primeiro o bolo tinha que crescer para depois ser dividido. Se a pobreza absoluta (miséria) diminui na China, a pobreza relativa (desigualdade social) não para de crescer. A imensa maioria dos chineses trabalha em regime quase escravo apenas para pagar as contas: eles não existem como humanos, apenas como máquinas de fazer mercadorias: parece a Inglaterra em fins do século XIX.

    E não vejo nenhum horizonte de diminuição da desigualdade. Nem na China nem em lugar nenhum. E creio que não é um problema de vontade política, mas da situação atual do capitalismo em que só é possível manter a lucratividade da economia real superexplorando o trabalho ou substituindo-o por automação.

    Esse modelo de estado forte e comercialmente agressivo chinês, sem distribuição de renda, eu chamao de keynesianismo selvagem. Já falei sobre isso num artigo publicado aqui no GGN:
    https://jornalggn.com.br/asia-oriente/a-china-e-o-modelo-a-seguir-2/

    1. Oi, Wilton, boa noite

      Quando você afirma que na situação atual do capitalismo só é possível manter a lucratividade da economia real superexplorando o trabalho ou substituindo-o por tecnologia poupadora de mão-de-obra, você se refere à lucratividade enquanto taxa de lucro ou enquanto massa de lucro?
      É que, numa situação de concorrência perfeita, quanto menor a taxa de lucro, maior a massa respectiva. É quem vende mais barato, e não quem vende mais caro, isto é, é quem obtém uma menor taxa de lucro que ganha o consumidor e obtém, dessa forma, uma maior massa de lucro. Desse ponto de vista, a substituição do trabalho vivo pelo trabalho morto, isto é, pelo capital, reduz a lucratividade

      1. Bom dia Rui,
        Neste caso estou me referindo ao lucro global do sistema e não de um capital particular (ou mesmo nação específica) que, ao inovar e baixar o custo e o lucro por mercadoria, ganha mercado e escala, saindo-se vencedor da competição, com enorme lucro.

        Mas, como sabemos, globalmente a lucratividade por unidade de mercadoria cai e é necessário uma produção maior para manter a taxa de lucro: atualmente esta superprodução de mercadorias tem causado um dano imenso ao meio ambiente.

        Mas a coisa é ainda mais grave, pois ao substituir humanos por máquinas, é o próprio valor que se desvaloriza, já que só o trabalho vivo produz valor e mais valor. E os humanos que são alijados da produção de valor se tornam supérfluos para o sistema. O aumento brutal dos desempregados e trabalhadores precários e o resultado visível dessa superfluidade da maioria da população para o capitalismo atual.

        1. perspicaz sua análise Wilton. parabéns. permita-me à elas acrescentar algo que julgo pertinente observar:
          . o aspecto inevitável do desenvolvimento tecnológico, ensejando
          . a diminuição das ‘horas de trabalho’, propiciando
          . aumento nas horas de lazer, em termos de: ‘onde vamos passear? o quê vamos ler, assistir, jogar, praticar, comer, pesquisar, estudar…’ ; i.e. Turismo, Cinema, Teatro, Artes Plásticas, Gastronomia, Pesquisa Acadêmica… atividades a demandar não só a criatividade e/ou disposição física de seus agentes, mas também mão-de-obra voltada para a Cultura em Geral. técnicos -sonoplastas, eletricistas, digitalizadores, editores,…; coreógrafos; montadores, projetistas, guias, … atividades múltiplas, enfim, a contribuir para
          .o desenvolvimento do espírito/consciência humano em uma nova (de fato) Economia.

          1. Homero, o seu comentário me fez lembrar da seguinte da Ideologia Alemã:

            “E, finalmente, a divisão do trabalho oferece-nos logo o primeiro exemplo de como, enquanto os homens se encontram na sociedade natural, ou seja, enquanto existir a cisão entre o interesse particular e o comum, enquanto, por conseguinte, a actividade não é dividida voluntariamente, mas sim naturalmente, a própria acção do homem se torna para este um poder alheio e oposto que o subjuga, em vez de ser ele a dominá-la. E que assim que o trabalho começa a ser distribuído, cada homem tem um círculo de actividade determinado e exclusivo que lhe é imposto e do qual não pode sair; será caçador, pescador ou pastor ou crítico crítico, e terá de continuar a sê-lo se não quiser perder os meios de subsistência — ao passo que na sociedade comunista, na qual cada homem não tem um círculo exclusivo de actividade, mas se pode adestrar em todos os ramos que preferir, a sociedade regula a produção geral e, precisamente desse modo, torna possível que eu faça hoje uma coisa e amanhã outra, que cace de manhã, pesque de tarde, crie gado à tardinha, critique depois da ceia, tal como me aprouver, sem ter de me tornar caçador, pescador, pastor ou crítico”.

        2. Marx escreveu:

          “À medida que a taxa de valorização do capital global, a taxa de lucro, é o aguilhão da produção capitalista (assim como a valorização do capital é sua única finalidade), sua queda retarda a formação de novos capitais autônomos, e assim aparece como ameaça para o desenvolvimento do processo de produção capitalista; ela promove superprodução, especulação, crises, capital supérfluo, ao lado de população supérflua.”

  2. Pelo menos o Lula sabia e sabe jogar truco, que exige uma certa malícia. Trump e bozo nem porrinha sabem jogar, o que fazem bem é brincar de carniça, que nesses tempo pandêmicos tem mais a cara deles.

    1. Edivaldo: entendi sua metáfora. Mas, na realidade do jogo, posso lhe garantir, por experiência pessoal, que Lula é muito fraco no jogo de truco (real).

  3. Anotem e me cobrem daqui a 40 anos:

    NÓS PERDEREMOS, SEJA ELE QUAL FOR, O BONDE (RE)DESENVOLVIMENTISTA, SEJA ELE QUAL FOR, PÓS-COVID.

    A atual classe política atua e pensa sistematicamente em fazer seus familiares seus sucessores. Ponto. A mediocridade continuará por mais 100 anos.

  4. A China é o lugar do nascimento de quase tudo, por que não deixar a origem do xadrez por conta da Índia e dos árabes que levaram o jogo ao ocidente?

  5. Caro Nassif,
    Será uma guerra de Blockchain´s ou de Stablecoin´s?
    – JPMorgan lançou sua moeda (stablecoin) por meio de um blockchain privado.
    – Facebook vai lançar sua moeda (stablecoin) por meio de um blockchain privado.
    – China lança sua moeda (stablecoin) por meio de um blockchain privado. (não sei se a china está usando blockchain).
    – Banco Central Europeu estuda stablecoin, segundo Lagarde em 12 dezembro de 2019
    – Venezuela tem sua moeda (stablecoin) a “Petro” construída em um blockchain público.
    – Blockchain Privado é igual a uma intranet pra transferência de valor.
    – Blockchain Público é igual a internet para transferência de valor.
    – Existem moedas virtuais (blockchain público) que “prestam serviço” de swfit. Uma delas tem brasileiro conhecido (notícia dessa semana) no board dessa moeda que foca na África.
    – 2 perguntas: vc usa MAIS internet ou intranet? Moeda virtual é uma prestadora de serviço?
    um abraço

  6. Acho que não se sai dessa enrascada, muito pelo contrário, ficar-se-á cada vez mais enrascado, se o capital usurário não suspender os juros no período da quarentena

  7. Adoro o Jornal, mas os comentários econômicos em geral sempre me parecem esotéricos. Tenho inteligência de nível superior, sou hem formado, mas tenho a impressão que os economistas/comentaristas têm medi de falar num nível didático e serem chamados de primários ou charlatões por seus pares. Coisas da Academia que acabam se reproduzindo na imprensa. Li este artigo para, enfim, entender o grande plano da China. Saio do mesmo tamanho.

  8. Pois é Nassif… uma moeda soberana que não privilegie absolutamente pais nenhum é muito bem vinda.

    Mas, se for para haver uma moeda onde saiamos do dominio americano para cairmos no dominio chinês, não será nada bom para o mundo.
    Muito obrigado, melhor ficarmos como estamos.

  9. Talvez seja melhor voltarmos para o padrão-ouro… com emissão lastreada e fiscalizada… nada de “Fort Knox” vazio para engabelar e forças militares para impor submissão à moeda… chega de Rothschilds tomar conta do dinheiro mundial !!!

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