Entre a liberdade sem limites e a liberdade de estabelecer limites, por J. Carlos de Assis

Leonardo Boff publicou um texto magnífico, sob o ponto de vista moral, a propósito do atentado contra Charlie Hebdo: Je ne suis pas Charlie. Gostaria de dar uma modesta contribuição à mesma discussão sob o ponto de vista da ciência política com base num ensaio também magnífico de Norberto Bobbio, “Kant e as duas liberdades”. Isso porque há uma confusão filosófica em torno de valores civilizatórios que estão sendo defendidos pela quase unanimidade de intelectuais e políticos ocidentais nesse dramático episódio. E gostaria de dar as razões para acompanhar Boff e dizer que também eu não sou Charlie.

Lembra Bobbio que os grandes filósofos políticos do alvorecer da idade moderna, de Kant, Locke, Rousseaux a Hobbes, se colocaram numa posição ambígua em relação ao conceito de liberdade como um bem político. Sem serem definidas, duas correntes se estabeleceram: aqueles que consideravam a liberdade como não limite, e os que consideravam a liberdade como prerrogativa de estabelecer os próprios limites. Os primeiros justificaram sobretudo o liberalismo econômico, enquanto os segundos justificaram a democracia política. Em qual dessas categorias se enquadravam os humoristas do Charlie, e quais as consequências disso?

Note-se que não há nenhum sistema político no mundo onde um desses princípios vigore de forma absoluta. Há, sim, uma interação entre ambos. Mesmo na mais liberal das nações, os Estados Unidos, o equilíbrio ora pende para o lado liberal-republicano (como agora, a partir de Reagan), ora pende para o lado democrático, como anteriormente com Roosevelt, Kennedy e Johnson. Isso é dialética política viva, com aspectos do princípio liberal sendo preservados no aspecto democrático dominante, ou com os aspectos democráticos sendo preservados no aspecto liberal-republicano dominante.

Se os chargistas, e em sentido mais amplo todos os jornalistas acham que tem o direito a uma liberdade de imprensa sem limites, eles estão extrapolando os conceitos do mais liberal de todos os filósofos, Locke, inspirador do liberalismo econômico, pregador da tolerância e defensor intransigente da propriedade privada, desde que se respeite o direito do outro. Por outro lado, não se pode dizer que os chargistas defendiam a democracia. Ou acaso a democracia não prima justamente por garantir os direitos das minorias, entre os quais o de proteção contra a má fé e o achincalhe os seus símbolos culturais e religiosos?

Evidentemente que nada justifica numa nação civilizada o massacre ocorrido na França. Entretanto, quando não se tem limites, caímos numa situação hobbesiana na qual o homem se torna lobo do homem. Assim, se não quisermos viver permanentemente nos agredindo mutuamente, como em estado selvagem, temos que aceitar, através do regulador comum, o Estado, o estabelecimento de regras de convivência que interessam a todos, indistintamente. Por isso que as constituições protegem direitos individuais e de minorias, independentemente da alternância de governos e de partidos políticos no poder.

A ruptura do pacto de proteção a minorias coloca sérias consequências, desde a instabilidade política a, no limite, o terrorismo. O garantidor em última instância do equilíbrio social é o sistema judicial. No caso de Charlie, o sistema judicial francês falhou redondamente ao não acolher ações judiciais formais de comunidades muçulmanas contra charges que consideravam ofensivas a seu principal profeta. Creio que este erro custou a vida aos chargistas pois apontou um caminho de glória individual aos assassinos que viram em seu ato uma forma de “vingar” o Profeta, mesmo que isso significasse suicídio.

Vi várias vezes na televisão o cartunista Ziraldo destacar enfaticamente a coragem dos chargistas. Não creio que isso tenha sido exatamente coragem. Foi uma temeridade, por exemplo, republicar as charges de um jornal dinamarquês que havia sido ameaçado por fundamentalistas islâmicos por publicar charges consideradas ofensivas ao Islã. Note-se que, quando se trata de liberdade sem limites, ações individuais suscitam ações individuais contrárias, sobretudo quando não há uma autoridade superior que reconcilie ou estabeleça compensações para a parte ofendida, dentro de critérios civilizados.

Outro aspecto a refletir é entronização da liberdade de imprensa como sendo um direito absoluto numa sociedade democrática. Isso funciona de alguma forma nos Estados Unidos porque lá o sistema judicial liberal costuma proteger o indivíduo dos excessos de injúria, calúnia e difamação da mídia, na mesma medida em que protege a liberdade de imprensa. Não se trata, como também mencionou Boff, de introduzir censura. Trata-se de fazer funcionar o sistema judicial sem medo, o que só acontece em alguns casos raros no Brasil. Como regra, a Justiça brasileira segue a imprensa e é tão manipulada por ela quanto qualquer cidadão. Enfim, que o trágico episódio de Charlie nos faça pensar sobre o significado para todos nós do princípio da liberdade, equilibrando liberalismo e democracia.

J. Carlos de Assis – Economista, doutor pela Coppe/UFRJ, professor de Economia Internacional da UEPB.

Redação

38 Comentários

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  1. Muito bom este texto, eu já
    Muito bom este texto, eu já estava preocupado com a minha opinião sobre este caso achando que só eu tinha esta opinião sobre liberdade de expressão e de extrapolar todos os direitos do outro.

      1. Somos dois preocupados.

        Quando vejo gente de “””… esquerda …””” (um caminhão de aspas nisto) vir a público dizer, que não se pode criticar o ópio do povo, é que a coisa anda preta mesmo, vivemos em tempos obscuros.

        O cretino resolveu citar: “Locke, inspirador do liberalismo econômico, pregador da tolerância e defensor intransigente da propriedade privada, desde que se respeite o direito do outro”.

        Respeitava tanto “o direito do outro”, era tão “defensor intransigente da propriedade privada” e tão admirável “pregador da tolerância”, que não via problema algum em ser sócio da Royal African Company, no comércio de escravos na costa africana. Citar Locke como autor de referência para a esquerda é ducaralho.

    1. direitos dos outros?
      Extrapolar os direitos dos outros? Que direito foi violado? Ou você acha que as pessoas tem direito de censura só porque não gostam do que o outro disse?

  2. * * * * * * * * * *

    “Se os chargistas, e em sentido mais amplo todos os jornalistas acham que tem o direito a uma liberdade de imprensa sem limites, eles estão extrapolando os conceitos do mais liberal de todos os filósofos, Locke, inspirador do liberalismo econômico, pregador da tolerância e defensor intransigente da propriedade privada, desde que se respeite o direito do outro. Por outro lado, não se pode dizer que os chargistas defendiam a democracia. Ou acaso a democracia não prima justamente por garantir os direitos das minorias, entre os quais o de proteção contra a má fé e o achincalhe os seus símbolos culturais e religiosos?”

    Comentário feito por mim em outro post que coloco aqui:

     

    O Mundo dentro de nossas fronteiras.

    Vale a leitura de Arnaldo Bloch, 2o. Caderno de O Globo; sábado, 10 de janeiro de 2015, página 10, sob o título: O Mundo Acuado.

    No que diz respeito a nós, exato. Os franceses servem carne de porco para excluir e afastar. E nós, brasileiros, fazemos o quê?

    http://m.oglobo.globo.com/cultura/o-mundo-acuado-15014796

    Vale também a Dorrit em Opinião, de hoje, com um vies ampliado.

    http://m.oglobo.globo.com/opiniao/nao-somos-todos-charlie-15017035

    Para onde queremos ir? Pois para quem não sabe para onde quer ir qualquer direção serve e há os que queiram nos conduzir em determinada direção. Será que é a que nos interessa como Nação?

  3. CHARLIE HABDO MOSTRA QUE BOLSONARO ESTÁ GANHANDO A GUERRA

    Pelo que tenho visto da parte dos colegas da esquerda política e de muitos acadêmicos, Bolsonaro ganhou a guerra simbólica.
    Segundo Bolsonaro, algumas mulheres merecem ser estupradas porque provocam os homens.
    Do mesmo modo, alguns colegas de esquerda sustentam que a Charlie Hebdo provocou a chacina, logo, em última instância, ela é a culpada.
    A sentença, no fim, é a mesma: a vítima é a culpada pela patologia e pelo ato criminoso do algoz. Ou seja, o culpado é inocente, é a vítima.

    Dizer que o imperialismo e colonialismo europeu e norte-americano é a causa do fundamentalismo é desconhecer as raízes históricas do fundamentalismo religioso islâmico que precede à própria existência do imperialismo ocidental. No mais, defender o direito dos oprimidos e resistir à barbárie da dominação não passa pela aceitação da barbárie do oprimido e aniquilação das conquistas civilizatórias do dominador. O pensamento racional e humanista pode aceitar a barbárie quando ela vem em nome de novas conquistas humanas e humanizadoras, como uma revolução que coloca classes sociais em conflito em nome de um projeto de humabidade e de sociedade alternativo, mas não quando ela é, simplesmente, um retrocesso civilizatório. Imaginar que o fundamentalismo islâmico é uma forma de resistência é ignorar completamente que ele mesmo é uma forma extrema, tanto em termos físicos e políticos quanto psicológicos, sociais e culturais, de opressão de classe contra classe, de homens contra mulheres e, portanto, de satisfação de interesses particulares, de dominação e de exploração.

    Como lembra um artigo publicado ontem neste blog, liberdade, razão, modernidade são bandeiras clássicas da esquerda e defende-las não me torna cúmplice ou apoiador das barbáries cometidas pelo ocidente europeu ou norte-americano mundo à fora, mas sim o contrário: gabaritam-me moral e intelectualmente para continuar criticando os carniceiros do ocident

    1. Você discute abstrações…

      … e simplesmente se recusa a tomar contato com o mundo, o real.

      Abomino o Bolsonaro. Execro suas teses machistas. Mas também abomino suas propostas de pena de morte e redução da maioridade penal.

      Sei que muitos garotos das periferias urbanas brasileiras se tornam violentos como resposta, como retaliação, contra uma história pessoal de abuso, humilhação racista, violência policial, etc. Assaltam e matam os brancos abastados com a mesma indiferença que acreditam ser a dos brancos abastados para com a desgraça deles. As roupas caras, os carros importados, as jóias, etc., dos brancos abastados, parecem a esses garotos um verdadeiro “esculacho”, um insulto a sua miséria insuperável e degradante. E olhe que são objetos muito mais neutros que uma charge onde Maomé (ou Jesus Cristo, ou o Papa, ou quem sabe a santa mãezinha de alguém) figura com um objeto enfiado no ânus!

      Os Bolsonaros dirão que os jovens criminosos são meninos geneticamente desnaturados, ou irrecuperáveis; dirão que um sujeito andar com um Rolex a bordo de uma Ferrari no meio de uma favela não é desculpa para que alguns favelados se sintam provocados a promover uma “limpa” no cidadão. Afinal, roubo é crime, não importam as circunstâncias… ou importam?

      Na prática, meu amigo, o contexto, a história, as circunstâncias, fazem TODA a diferença.

      A vida é um pouquinho mais complicada que um manual de regras inflexíveis, absolutas e universais sobre o certo e o errado.

      1. Vejamos primeiro sua sensação do mundo real no seu exemplo:

        “um sujeito andar com um Rolex a bordo de uma Ferrari no meio de uma favela”.

        Uma cena bastante comum, você parece achar. Será que ferraris e rolex circulam rotineiramente em favelas? Deve ser um antigo moleque boleiro que morava ali e que fechou um contrato recente num megatime europeu. Ou você acha que donos de ferraris compram esses carrões para se exibirem em favelas?

        O crime é a primeira fase da luta de classes na sociedade capitalista, explicava Engels ao descrever a situação da classe operária na Inglaterra. Mostrou os números impressionantes da eclosão criminosa no país, que levou as classes dominantes a lotarem as galés da marinha inglesa e despejar toda malta aprisionada em trabalhos forçados nas colônias.

        Mas Engels não nutria nenhuma simpatia por essa fase da luta social. Caracterizava os criminosos como individualistas, portanto, reprodutores da ideologia burguesa, que faziam suas vítimas no seio da própria classe trabalhadora, como parasita desta, mais um explorador dela, assim como o burguês.

        Os garotos da favela acham “roupas caras, os carros importados, as jóias, etc.” coisas bacanas, não é “esculacho”, aquilo é coisa de gente que eles também acham “bacanas” e procuram imitar; eles estão impregnados da ideologia individualista e consumista, que é bombardeada sobre eles vinte e cinco horas por dia e que eles absorvem até pelos poros. Como não têm os meios, para serem consumidores dos objetos de desejo que lhes são injetados, veem no crime o atalho para conseguirem.

        Aí vem o dilema, não há ricos nas suas redondezas para “expropriarem”; ferraris não vão nas favelas. Sobra para as vítimas ao alcance, chegando no máximo nas classes médias. Ricos se isolam, contratam segurança. Você está certo em não defender, pena de morte, redução de maioridade, grupos de extermínio e essas coisas bolsonarianas; mas complacência com a criminalidade, convenhamos que não leva a nada, não é mesmo?

        Restam as fases mais adiantadas, não individualistas, da luta de classes. Não basta “compreender” ou interpretar a revolta expressa na criminalidade, importa transformá-la. Mas aí teremos de alongar o assunto. Fica para a próxima.

    2. Isto, perfeito:

      “No mais, defender o direito dos oprimidos e resistir à barbárie da dominação não passa pela aceitação da barbárie do oprimido e aniquilação das conquistas civilizatórias do dominador”.

      Há uma posição de certa “esquerda”, que devemos condescender com o islamismo na Europa, porque eles são o lado fudido de lá, então, nada de críticas à religião, para não ofender uma minoria já marginalizada, o que seria uma atitude “islamofóbica”. Acontece que a islamofobia concreta não está na crítica da religião, ela acontece no desemprego, no subemprego, na marginalidade, na exclusão, nas perseguições policiais, no discurso de demagogos xenófobos e de seus ideólogos; no seu último número, um desses ideólogos é esculhambado na capa da revista. Os cartunistas se opunham aos verdadeiros islamofóbicos e se solidarizavam com a minoria excluída, sem complacência com a religião.

      Acontece também, que os fudidos são maioria em todas as religiões, portanto, aqui em nosso continente, nada de críticas ao abrigo da pedofilia dentro da ICAR, pois a maioria dos fudidos da América Latina são católicos, poderiam se ser sentir ofendidos se as acusações persistirem. Nada de críticas também aos sepulcros caiados do protestantismo evangélico, que comercializam o Cristo em seus templos, com “teologias” da prosperidade e da solução na fé para os problemas sociais; vendem aos fudidos mais desesperados “lotes no céu”, obscurantismo, homofobia a rodo e resignação com a sua condição social, pois é Deus quem lhe está provando assim. Essa é uma visão demagoga e hipócrita, tem abrigo nesse tipo de “esquerda” entre nós, quando por oportunismo eleitoreiro eles, por exemplo, retiram de seus programas a legalização do aborto e a criminalização da homofobia.

      Quero minha liberdade ampla de criticar o ópio do povo. Considero inaceitável a criminalização por blasfêmia nos tempos modernos. Não sou condescendente com práticas religiosas que se apegam à aplicação literal, de narrativas religiosas da antiguidade e do período medieval, quando a escravidão, a servidão, os autos da fé, a perseguição de hereges e a submissão das mulheres aos caprichos patriarcais eram práticas corriqueiras. Quero a liberdade, as leis do país assim me permitem, para chamar de escroto, psicopata ou filho da puta, o profeta pedófilo que comeu uma menininha de nove anos, ainda mais quando seus seguidores insistem, em dar prosseguimento ao seu exemplo nos dias atuais. A proposição da esquerda é libertária, inclui a libertação do homem de seu passado medieval.

  4. ” O inferno são os outros” Jean Paul Sartre

    enquanto  a razão estiver com ele a barbárie tende a se acentuar..nem cahrges agressivas e preconceituosas nem metralhadoras disparadas em nome da fé..

  5. As máscaras

    Este episódio envolvendo o Charlie Hebdo faz cair as máscaras entre os que de fato defendem uma sociedade livre e aqueles que consideram que deve haver censura, sobretudo coibindo blasfêmia.  Leonardo Boff e outros articulistas justificaram – a meia voz, sem dizer realmente as palavras, mas dando tudo a entender – um ato terrorista.  Estão, como o comentarista, do lado dos totalitarismos.

    Que caiam as máscaras!

     

  6. Moi non plus

    Basta sair dos pontos turísticos de Paris para se sentir um personagem de Gabriel García Márquez em “Crônica de uma Morte Anunciada”.

    A situação é volátil, explosiva. O diagnóstico, feito em 2005, continua atual ( fonte: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/imprimir/4403 )

    “O que chama atenção é a forma como os jornais de esquerda (Liberation, L’Humanité), de centro (Le Monde) e de direita (Le Figaro) colocam essa tradição interpretativa de lado, preferindo ignorar os contornos políticos que marcam a crise nos banlieues. Na verdade, nenhum jornal quer discutir os equívocos de uma política social que atravessou todos os tipos de governo, incluindo os 20 anos de administração socialista. Seria o mesmo que admitir incapacidade do Estado francês em lidar com o problema da imigração e a precarização das condições de vida nas periferias – fenômeno que mistura racismo, xenofobia e negligência do poder público. Um dado estatístico ilustra bem esse problema: enquanto a taxa de desemprego na França é de 10%, nas periferias ela ultrapassa os 40%.”

    Observação: as taxas de desemprego aumentaram ainda mais com a crise econômica!

    Então, temos uma situação de uma imprensa que não ajuda a discutir seriamente a situação das periferias. Pior que isso: ofende a crença dos habitantes desses lugares.

    Virou inimiga, alvo de malucos de toda a espécie.

  7. ótimo artigo.
    para amansar e

    ótimo artigo.

    para amansar e tentar esclarecer os malucos de todos os segmentos….

    que pelo jeito adoram maniqueísmos, claro.

    só o maniqueísmo injeta força aos macartistas de sempre….

  8. E se surgisse uma sátira com os mortos do Charlie?

    Como seria classificada a sátira? Dentro ou fora dos limites? Quais limites? Quem definiria esses limites?

    1. Sem problemas.

      Artigos como este postado acima e outros do mesmo gênero, tipo “somos contra os atentados, MAS… a liberdade de expressão tem de ser restringida, patati, patatá, etc, o escambau e tal”, eles são tão enxovalhantes à memória dos cartunisas, quanto a mais grotesca charge que se possa desenhar.  Eles vão sendo respondidos, por quem ainda quer preservar sua saúde mental.

    2. Charge com os mortos nao saiu, mas em cima do episódio sim

      No próprio Charlie que sairá quarta-feira (vi no jornal Libération, onde estao alojados os cartunistas sobreviventes). 

    3. O limite seria o consenso

      O limite seria o consenso social, estabelecido em lei (primariamente, a Constituição). No caso brasileiro, a Constituição veda ataques a princípios religiosos. É claro que leis podem ser desrespeitadas, mas, nesse caso, aqueles que as desrespeitam não tem, no caso específico, proteção do Estado: ficam ao sabor das reações pessoais dos agredidos.

  9. Relativismo.

    Alguns esquerdistas chegam ao ponto de culpar o ocidente (e a democracia ocidental) de dar liberdade demais aos esquerdistas do Charlie Hebdo para provocar a reação dos jihadistas muçulmanos. hihi 

    Outros condenam a matança provocada pelos fundamentalistas islâmicos, única e exclusicamente, porque o CH era de esquerda, nascido nos movimentos de 68, senão, se o CH fosse de “direita” o atentado seria sherehazadamente justificável.

     

     

  10. Vergonha

    Nada justifica os atentados, mas se eles nao publicassem charges ofensivas, isso nao teria acontecido…

    Cansado de ler este tipo de argumento covarde, me pego tentando entender como alguem “de esquerda” pode emitir este tipo de raciocinio sem ficar vermelho, sem sentir um pingo de vergonha!

    Os humoristas sao tao responsaveis pelos atentados quanto a menina que decide usar uma mini-saia e’ responsavel por um estupro! Eles “sabiam que isso podia acontecer”, entao o problema e’ deles. Alias, imagino que o Assis ache que os humoristas foram responsaveis pela morte dos policiais e outros transeuntes que nada tinha a ver com as charges, ne? 17 pessoas morreram.

    E’ uma tristeza ver que o Assis gasta todo o texto atacando as vitimas e tudo que fala sobre os criminosos e’ que “nada justifica”. Uma frase de meia-condenacao, se muito e seguida por um “mas” covarde. 

    Ainda bem que 1.5 milhao de franceses e centenas de milhares ao redor do mundo resolveram deixar claro que nao pensam assim. Nem todos os que estao protestando hoje concordam 100% com o tipo de humor do CH. O que acontece e’ que eles nao caem na armadilha ridicula de relativizar um crime hediondo apenas porque as vitimas nao eram perfeitas.

    Quem nao consegue entender a diferenca entre os possiveis erros dos humoristas e o crime dos terroristas e prefere focar nos primeiros…. esta fazendo o jogo dos ultimos!

     

    1. Esperar o que de quem diz o que transcrevo abaixo:

      “Mesmo na mais liberal das nações, os Estados Unidos, o equilíbrio ora pende para o lado liberal-republicano (como agora, a partir de Reagan), ora pende para o lado democrático, como anteriormente com Roosevelt, Kennedy e Johnson”  

      Como é que é? A mais liberal das naçoes é os EUA? Por isso é que têm Patrioct Act, prisao de Guantanamo, torturas em presos, etc. Sem falar de Assange, Manning e o outro de que me esqueci do nome. 

      1. Você não entendeu o contexto


        Você não entendeu o contexto do meu artigo: falo de liberal no sentido de liberalismo econômico, não de liberalismo democrático. Do ponto de vista econômico, os Estados Unidos não apenas são o mais liberal dos países, quando são os principais promotores do liberalismo econômico no mundo.

  11. Pode ser a gota d´água

    Testando hipóteses:

    1 – Os judeus que foram tomados como reféns no supermercado não tinham feito nada que pudesse ser invocado para justificar sua escolha como reféns. Quaisquer judeus serviriam, pois o objetivo do sequestrador teria sido protestar contra a opressão dos palestinos pelo Estado de Israel. Da mesma forma, o Charlie Hebdo teria sido escolhido aleatoriamente pelos terroristas, entre quaisquer jornais de esquerda: o objetivo do atentado teria sido protestar contra um governo socialista que se opõe ao chamado Estado Islâmico.

    2 – As charges corrosivas do Charlie seriam particularmente intoleráveis para pessoas que, sentindo-se cronicamente humilhadas, ofendidas e injustiçadas – como indivíduos e como integrantes de uma dada comunidade – viam um grupo de intelectuais ocidentais abastados e arrogantes esculachar os seus símbolos mais sagrados, sistemática e impunemente. 

    Aconselho o filme “Paradise Now” para quem deseje entender a lógica subjetiva dos homens-bomba. São sujeitos que se sentem tão aviltados, desonrados e oprimidos pela sua situação pessoal e/ou coletiva, que tomam qualquer provocação como uma ofensa intolerável – ou como a esperada oportunidade para retaliar, afirmar a própria dignidade, mesmo que de forma enlouquecida e homicida.

    É inútil tentar combater esse tipo de coisa com palavras de ordem em defesa à “liberdade de imprensa”. Simplesmente, não é assim que funciona no mundo real.

    Li uma piada particularmente inteligente em defesa das zoações anti-religiosas do Charlie Hebdo: “Sou Deus Todo-Poderoso, Criador dos Tempos e Espaços, Onipresente e Onisciente, Início e Fim de tudo. Posso aguentar a porra de uma piada!”

    Mas essa anedota teria uma contrapartida evidente: “Eu e meu povo temos sido discriminados, humilhados, oprimidos, violentados e aviltados há décadas. Não aguento mais nada – especialmente a porra de uma piada que achincalhe o que, para mim, é mais sagrado.” Pode ser a gota d’água…

    1. Continua a mesma faísca-atrasada.

      É aquela história, relógio que atrasa não adianta; regule o ponto do distribuidor, está batendo pino. Informe-se melhor, para a máquina rolar mais redonda.

      A escolha do jornal foi tudo, menos aleatória. As ameaças se sucediam, um atentado já tinha acontecido, o jornal foi jurado. A ação foi meticulosamente planejada, levantaram o dia de reunião na redação, os executantes demonstraram ótimo preparo militar, tinham histórias de envolvimento com grupos radicais, com passagem por prisão e viagem a possíveis campos de treinamento. Seus nomes constavam em listas de serviços de segurança, franceses e americanos, estavam devidamente mapeados.

      Julian Assange levanta sérias dúvidas sobre o caso; um cheiro de arquivo queimado exala do episódio: http://actualidad.rt.com/actualidad/162850-wikileaks-francia-assange-paris

      Crimes dessa natureza não têm explicação passional, do tipo “pode ser a gota d’água”. Não há passionalidade em atos cuidadosmente preparados, com rotas de fuga planejadas. Isso pode acontecer, quando um trabalhador, depois de anos de humilhações, é demitido sumariamente porque “o trem atrasou meia hora” e reage de modo explosivo, diante do que considerou uma afronta do patrão; pode acontecer também, quando alguém individualmente se imola, em gesto de desespero, ateando fogo as vestes ou explodindo como bombista, como forma de protesto para chamar atenção para determinada causa política. Mas nada disso aconteceu na redação do jornal. Foi uma ação que serve a propósitos muito bem pensados.

      Por fim, nem tudo que é explicado é automaticamente justificado. Justificar é emitir um juízo de valor, fruto de avaliação com nossos princípios, nossa ética e nossa conduta moral. O que forma uma mente assassina, um militante radical, um fundamentalista religioso, para tudo isso existem não só filmes, mas vasta literatura dedicada e bastante explicativas. Posso entender todos o motivos que levou alguém a um crime, mas daí justificar ou concordar com o ato, vai uma distância enorme.

    2. Vc nao adorava Zyzek?

      Pois devia ler o que ele escreveu sobre esse discurso de coitadismo em cima do terrorismo. Estou sem o link, acho que li no Diário do Centro do Mundo. 

  12. Liberdade e responsabilidade

    Se nem os esclarecidos conseguem entender o proposito de um Charlie Hebdo, quiça a população extremamente crente em suas religiões, apegada a Deus e o temos da morte como fim. 

    Charlie Hebdo era um jornal destinado a um publico pequeno, a maioria remanescente de 68, de esquerda, ateu, intelectualizado, os quais as charges eram vistas como provocações necessarias num mundo ascepetizado, consumista, politicamente correto e muito quadrado. Charlie Hebdo não tinha grande influência, era um pequeno jornal, com sua tradição satirica e questionamentos de um mundo bur(r)ocratizado ao extremo e uma França a beira do estado de nervos.

    Não vejo porque cristãos, judeus ou muçulmanos deveriam se importar com as satiras do Hebdo, elas não mudavam a opinião de quem acredita em Maomé ou Deus. Os muçulmanos de Paris processaram e a justiça francesa deu razão à ideia voltariana de liberdade de expressão. Apenas isso. Não de calunia. Não de invenções. São, por obvio, meios diferentes.  

    O titulo desse post parece-se com o titulo de um artigo para pais, que não sabem como ou até onde devem impor limites aos filhos. Charlie Hebdo não era uma criança mimada e birrenta, era/é um jornal extremamente critico de seu tempo e de seu meio. Sabiam do riscos que corriam, mas viver de joelhos ?….

  13. Acontece que o mundo está cheio de hipócritas…

    …que modelam suas opiniões de acordo com as suas conveniências. 

    Se um jornalista qualquer se utiliza da sua ilimitada liberdade de imprensa para proferir ideias que desconstroem o movimento LGBT, por exemplo, será, sem dúvida, execrado pela esquerda. Sendo que, possivelmente, muitos lhe desejariam a censura. 

    Da mesma forma, se ocorrer excessos contra ideais e interesses da direita, esta desejar-lhe-ia a censura. 

    Ora, quando iremos defender nossas opiniões em relação a direitos universais de forma imparcial? Até quando seremos tão hipócritas?

    Recentemente, um estudante da UFBA compartilhou anonimamente em um grupo do facebook um fetiche sexual. Ele disse adorar se esfregar em outros estudantes homens da universidade durante os trajetos no buzufba (ônibus da instituição). 

    Em um dos comentários do post, outro estudante disse que se fizessem isso com ele, certamente agrediria o aproveitador. Foi o suficiente para que dezenas de pessoas comentassem acusando-o de preconceituoso, machista e homofóbico.  

    Há um tempo atrás houve toda aquela revolta contra os aproveitadores que “roçavam” nas mulheres no metrô de São Paulo. 

    Os mesmos que se revoltaram foram os que defenderam atitude idêntica no caso do buzufba, mas desta vez o aproveitador era um gay e a vítima outro homem. Foi o suficiente para que as opiniões mudassem de lado. 

    Enfim, defendo a liberdade total da imprensa e a ilimitada liberdade de expressão. Mas injúrias, calúnias e difamações devem ser combatidas na justiça, não através de meios de censura. 

    1. OBS pelo verdadeiro autor:

      “Meu texto anterior – “Je ne suis pas Charlie” – foi compartilhado por muitas pessoas no facebook, tendo sido modificado por alguns. Cortaram parte do último parágrafo, acrescentaram algumas linhas sobre o STF, o PT e o PSDB… O pior é que o grande Leonardo Boff acabou recebendo uma dessas versões modificadas, e publicou em seu blog dando créditos à outra pessoa. Já entrei em contato com ele e a situação já foi corrigida, mas gostaria de deixar claro que fui eu mesmo quem escreveu o texto, não copiei nenhuma linha dele de nenhum outro autor. Meu texto foi publicado na quinta-feira, o compartilhamento que Leonardo Boff (ou alguém da equipe dele) pensou ser o original é de sexta-feira. 

      Não me oponho à livre circulação desse texto, já autorizando inclusive sua tradução para qualquer idioma (algumas pessoas me pediram). Só peço para que ele não seja modificado ou editado e para que seja creditada a autoria. Se puderem me avisar se forem republicá-lo, me dando o link da página, seria ótimo. Obrigado a todos e me perdoem por toda essa confusão”.http://emtomdemimimi.blogspot.com.br/2015/01/confusao.html?m=1

  14. É ducaralho………………..

    Obrigado Almeida por compartilhar que Locke era sócio da Royal african Company, que fazia comércio de escravos na Costa Africana. Caso tenha maiores detalhes, por favor publique um artigo na Rede, ou melhor no GGN, que ficremos grato.

    Desconhecia esta faceta do Locke !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

  15. explicação e justificativa: relacionados, mas diferentes!

    Sinceramente está me dando canseira ler os comentários sobre esse assunto. Me parece que vivemos em uma época de pleno obscurantismo que vaí dos jornalões aos programas de TV e atravessa até mesmo ensino universitário (talvez como resultado da combinação do ‘vale tudo’ do neoliberalismo e do pós-modernismo, onde tudo são valores e os fatos simplesmente não existem!). Explicar um acontecimento não é justificá-lo. Ao se explicar um terremoto não se está justificando a morte que ele causou. Ok, na sociedade a relação entre causa e justificativa não é tão simples, um massacre brutal como o cometido em Paris não é a mesma coisa que um terremoto. Mas da mesma forma que a relação entre causa e justificativa  não é completamente separada como em um terromoto, me parece – e para vários cientistas sociais, a excessão dos pós-modernos onde não existe explicação, pois tudo é justificativa – não é tão direta, uma simples identidade, como vários comentarios entedem, como se a explicação fosse já uma justificativa.  A sociedade é por demais complexa para que exista essa relação simples, uma mesma causa pode gerar muitos efeitos diferentes. Assim se de acordo com alguns, em uma opinião que eu compartilho, uma das causas da brutalidade ocorrida em Paris é a geopolitica e a politica econômica dos países capitalistas ditos ‘mais desenvolvidos’, esta causa poderia ter gerado (e na verdade gera) vários efeitos diferentes e por isso apontá-la não é justificar o assassinato das vítimas. Mas é fato que gerou esse efeito, pelo menos de acordo com uma das explicações plausíveis. E claro que há outras causas e a discussão específica sobre o Charlie me parece que ficou muito ‘fulanizada’, e girando em torno de lemas abstratos como ‘liberdade de imprensa’, talvez fosse necessário rediscutir o estado da cultura capitalista ocidental hoje(por exemplo, o pós-modernismo que segue como hegemonico no campo da cultura; há discussão de sobra a respeito desse assunto em alguns campos da esquerda há mais de trinta anos!).

    Pode se discutir essas causas, mas dizer que a esquerda está ‘justificando’ o atentado ao apontá-las é fruto da ignorância ou da má-fe. A má-fé neste caso pode se referir a um agir politico interessado: evitar que essas causas geopoliticas, culturais e econômicas gerem efeitos que venham na direção de uma alternativa global, internacionalista e universalista de esquerda. Pode até haver pessoas que se autodenominam de esquerda que estejam identificando a explicação com a justificativa, mas até agora eu não vi.

     

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