Paulo Nogueira Batista Jr.
Paulo Nogueira Batista é economista, foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai, de 2015 a 2017, e diretor executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países em Washington, de 2007 a 2015. Lançou no final de 2019, pela editora LeYa, o livro O Brasil não cabe no quintal de ninguém: bastidores da vida de um economista brasileiro no FMI e nos BRICS e outros textos sobre nacionalismo e nosso complexo de vira-lata. A segunda edição, atualizada e ampliada, foi publicada em 2021. E-mail: [email protected] X: @paulonbjr Canal YouTube: youtube.nogueirabatista.com.br Portal: www.nogueirabatista.com.br
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Espírito de Bacurau, por Paulo Nogueira Batista Jr.

Não desanimem, leitores. Há prazer na luta, também. Nem que seja por causa de um toque de sadismo que temos todos, em maior ou menor grau.

Espírito de Bacurau

por Paulo Nogueira Batista Jr.

Quero deixar aqui consignada a minha exortação enfática e solene: 2020 é ano de descascar o bambu em tudo que é gado, marreco, pato e tucano! E vamos parar, por favor, de pregar que “ao ódio se responde com amor”. O bateu/levou, como se sabe, é a mais importante ferramenta pedagógica da história da humanidade. 

Infelizmente, consciência pesada não é muito mais do que de medo do revide. O rancor mais renitente e abjeto, por exemplo, é muito mais encontradiço do que qualquer autêntico sentimento de culpa. Seria muito melhor, claro, que o ser humano fosse capaz de alguns escrúpulos, alguns remorsos, alguns arrependimentos. Há exceções, de certo – os santos, os heróis, os sábios. Mas são poucas, muito poucas. Quando aparecem provocam espanto ou descrença. 

Por que estou dizendo tudo isso? É que, desde 2015, a esquerda, a centro-esquerda e os democratas vêm apanhando feio aqui no nosso querido país. Muitos resistem corajosamente, não há dúvida. Mas prevalece, lamento dizer, uma certa resignação, misturada com autocomiseração e um orgulho descabido de “estar do lado certo da história”. Como se a história reconhecesse virtudes ou méritos morais! O suposto mérito dos que foram derrotados sem luta não será lembrado por ninguém. Em uma frase: resistir não basta – é preciso reagir.

Bem sei que há outro caminho, mais doce, mais louvável, mais nobre. O caminho de Cristo, Tolstói e Gandhi. Não responder à violência com violência. Oferecer a outra face. Mas, convenhamos, qual foi afinal a falha mais grave, mais fundamental do cristianismo? No meu modesto entender, foi pedir demais ao ser humano, esperar demais desse material precário, defeituoso. Pedir amor ao próximo! Parece pouco mas é muito, demais mesmo. A formulação original e um pouco mais completa já tende, é verdade, a certo realismo quanto à natureza humana: “Ame ao próximo como a si mesmo”. Um absurdo mesmo assim. Pascal, cristão agônico, reconhecia que “le moi est haïssable”(o eu é odioso). E Sartre, mais próximo de nós, disse: “l’enfer c’est les autres” (o inferno são os outros). Portanto, a julgar por grandes pensadores como os citados, não há motivo para cultivar amor próprio ou pelos outros. 

Não desanimem, leitores. Há prazer na luta, também. Nem que seja por causa de um toque de sadismo que temos todos, em maior ou menor grau. Mas isso nem é o mais importante. O mais importante, a meu ver, está na advertência de Nietzsche: “In friedlichen Zeiten, fällt der kriegerische Mensch über sich her” (Em tempos de paz, o homem guerreiro ataca a si mesmo). Portanto, revidar, lutar, guerrear é o caminho da saúde. 

Desde o ano passado, já se podia notar uma mudança de ventos. É verdade que menos no Brasil do que em outros países da América do Sul, Chile notadamente. Mas mesmo aqui. Participei, em novembro, de um pequeno embate que me pareceu um presságio alvissareiro. Um grupo de arruaceiros invadiu a embaixada da Venezuela em Brasília, invocando o nome do fantoche Juan Guaidó, aquele autoproclamado “presidente” da Venezuela. Instalaram-se na embaixada à força, contando com aparente beneplácito das autoridades brasileiras. Um dos filhos do presidente Bolsonaro chegou a comemorar a invasão. 

Veio então a reação. Atendendo a pedido de ajuda do encarregado de negócios da embaixada venezuelana, grupos de esquerda e de movimentos sociais se reuniram em frente à embaixada para protestar. Eu estava por acaso em Brasília e fui para lá. Com o passar do tempo, aumentava o número de manifestantes, gritando slogans e exigindo a expulsão dos invasores. A polícia cercava a embaixada, impedindo a entrada dos manifestantes. Lá dentro, os arruaceiros ficaram aquartelados.

Eis que surgem alguns bolsominions, jovens de classe média, sujeitos fortes e agressivos. Começaram a gritar e xingar os manifestantes de esquerda. Foi o que bastou: baixou o espírito de Bacurau e o pau cantou. Com chutes e bordoadas, o pessoal botou os valentões para correr. Uma beleza. 

O governo percebeu que não valia a pena comprar aquela briga. Acontece que há poucos quilômetros dali, começava naquele dia a cúpula dos líderes dos Brics. No final da tarde, os arruaceiros deixaram a embaixada pela porta dos fundos sob escolta policial. Deveriam ter sido presos, mas, enfim, foi uma vitória. 

Neste ano da graça de 2020, que o espírito de Bacurau esteja convosco.

Paulo Nogueira Batista Jr. é economista, foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai, e diretor executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países. Acaba de lançar pela editora LeYa o livro O Brasil não cabe no quintal de ninguém.

E-mail: [email protected]

Twitter: @paulonbjr

7 Comentários

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  1. Por gentileza, peço não seja divulgado esse comentário por se tratar de assunto pessoal, de um velho jornalista de 80 anos. Sou, há tempos, admirador do dr.Paulo Nogueira Batista Jr, e de seus textos, em especial deste do bacurau. Penso ser por aí mesmo. No entanto, gostaria muito de saber qual é o parentesco dele com o também grande Paulo Nogueira, com quem mantive estreita relações nos 1960. Ele era o pai do saudoso José Bonifácio Coutinho Nogueira, de quem fomos companheiros na heroica jornada para conduzi-lo ao governo de São Paulo. Grato pela compreensão

  2. Por conta dos males entendidos vamos começar por dizer que entendi a mensagem, ó nobre guru!
    Vosmecê não tá mandando deitar o pau de cambui do lombo de bolsominion até fazê o bicho esganiçá e mijá em arco, muito menos passá a marca-touro na goela dessa corja abrindo uma gravata vermelha de oreia a oreia de jeito a ficar relampeando osso.
    Trata-se de dominar o campo da comunicação, os lugares de fala e os espaços públicos. Retomar o domínio do discurso, voltar a controlar o roteiro e fazer presença sempre que preciso for, seja em manifestações públicas, seja contrapondo-se diretamente aqueles que insistem em reescrever a história, a negar fatos e a subverter nossos valores.
    Posso dizer que sinto-me dia-a-dia mais impaciente, mais indignado e, por conta disso, muito mais agressivo nas minhas demonstrações de revolta e repúdio, ou seja, não escuto mais asneira sem a devida resposta, não levo mais desaforo prá casa. Não que alguém me tenha faltado ao respeito, onde transito e por minha própria condição há pouco espaço para isso. Refiro-me ao respeito àquilo que defendemos ser a terra brasilis e aquilo que queremos que seja a herança para as próximas gerações, a expressão literal do motto da Revolução Francesa, “liberté, egalité, fraternité”. Bem, ao menos os dois primeiros…

    1. Discurso, pois é….a fala do ministro sinistro contra o funcionalismo não foi a toa….
      Tenta-se criar um ambiente favorável para a aprovação da reforma administrativa que aniquila o serviço público, mesma tática aplicada na destruição da previdência….repete-se inverdades, manipula-se dados e utiliza-se a mídia bandida para divulga-los….
      E disso o desgoverno miliciano vai sobrevivendo, de discursos……

  3. A bênção!! Paulo Nogueira Batista Jr.
    Uma rápida olhadela dos Brasileiros para os Guaranis Paraguaios, Aymaras Bolivianos, os Originários no Brasil, demais Latinos, mais 1/128 avos de sangue Iraniano: fórmula para fazer o que necessário pra mudança.
    Grato uma vez mais por toda simplicidade, clareza e objetividade.

  4. É uma pena que a esquerda partidária insista no tolo “cavalheirismo” com quem cavalheiro não é. Já falo isso há mais de década. Nos círculos sociais de que participo, não se fala mais de política (“deixa pro zap”). Eu consegui isso. Parto logo pra desmoralizaçao, pro esculacho, pra zoeira. Me ajuda o fato de ter nascido e crescido na zona norte do Rio de Janeiro, onde se aprende a “criar casca” desde muito cedo. Nao tem debate razoável quando o outro lado só profere boçalidade e mentira, na ausencia total de espirito científico. Nao adianta, portanto, ficar citando Habermas…

    Não devo dinheiro pra ninguém; ninguém tem mais diploma que eu; e se partir pra porrada, perde, ou, no minimo, o jogo fica duro… Então, ou parte-se pra garrafada, pra faca ou pro tiro (tenho amigos também), ou…”deixa isso pro zap”. Besteirol não prospera comigo.

    Mais uma vez, ou a esquerda partidária aprende a usar seus “entitlements” (Sen), ou já era.

    Não precisa pegar em armas, brigar…nem mesmo gritar: é preciso somente saber falar, saber debater. E o exemplo das lideranças tem sido o pior possível há muito tempo.

  5. Me senti representada nesse discurso e tenho procurado agir assim. Apenas gostaria de fazer uma ressalva de que é o meu amor pelo próximo e a mim mesma que me faz esbravejar e não calar contra tantos despautérios. Jesus Cristo também perdeu as estribeiras com os vendilhões do templo e não perdeu a oportunidade de denunciar os exploradores do povo pobre. Muitas das leis que protegem nossos direitos nasceram da nova forma de pensar surgida após Jesus vir ao mundo. O que me faz lutar por um mundo sem desigualdes é porque acredito que é possível fazer aqui na terra um outro céu.

  6. Me senti representada nesse discurso e tenho procurado agir assim. Apenas gostaria de fazer uma ressalva de que é o meu amor pelo próximo e a mim mesma que me faz esbravejar e não calar contra tantos despautérios. Jesus Cristo também perdeu as estribeiras com os vendilhões do templo e não perdeu a oportunidade de denunciar os exploradores do povo pobre. Muitas das leis que protegem nossos direitos nasceram da nova forma de pensar surgida após Jesus vir ao mundo. O que me faz lutar por um mundo sem desigualdes é porque acredito que é possível fazer aqui na terra um outro céu.

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