Eugênio Aragão: Não há como salvar Rodrigo Janot

Foto: Jorge William/Agência O Globo

Por Eugênio Aragão

“Nu d’ês é bão…”: não há como salvar Rodrigo Janot.

O título desta nota não contém erro ortográfico. Remete a uma das frases preferidas de Rodrigo Janot em legítimo mineirês, também disseminada como “lei da nudez”: “nu d’ês é bão, no meu não!”.

A frase denuncia escapismo, atitude de quem não gosta de enfrentar riscos a si. Quem a escolhe como moto de vida profissional demonstra não ser um líder, no sentido próprio da palavra, alguém que sobressai por virtudes que possam ser tomadas como exemplo a ser seguido pelos outros. Nenhuma sociedade sobreviveria regulada pela “lei da nudez” e, muito menos, uma instituição.

O episódio revelado em fragmentos na noite de ontem é mais um espécime prático de aplicação da lei da nudez. Rodrigo Janot se contorceu para explicar o inexplicável e concluir: “no meu não”.

Reconheceu o óbvio: as gravações de Joesley foram fabricadas em casa, por instigação da equipe do Procurador-Geral da República e sem autorização judicial. Insistiu, porém, em que, como provas, seriam íntegras, plenamente aproveitáveis. Afinal, não seria a “suposta” molecagem de Marcelo Miller, seu ex-auxiliar, que colocaria tudo a perder. “No meu não”.

Nenhum penalista, ainda que iniciante, subscreveria a ressalva sobre a integridade da escuta ilegal de Michel Temer. Escutas ambientais só são lícitas, sem autorização judicial, se forem tomadas por quem, partícipe no interlóquio, queira usá-las em defesa própria. Este é o entendimento solidamente firmado pelo STF. Não foi este o caso das gravações de Joesley.

O que se tornou público ontem foi o uso de um prospectivo delator premiado como longa manus do ministério público, clandestinamente plantado no domicílio alheio, para ali extrair informações da boca de um alvo de devassa política. Sim, porque aquilo que estava em curso quando da gravação do alvo não podia ser chamado de “investigação”. Esta pressupõe fato determinado, completado no passado. Já a devassa é a busca frenética de um fato comprometedor. É o que a Força Tarefa da Lava Jato tem feito incessantemente, em Curitiba e em Brasília. Usar um prospectivo delator premiado para essa tarefa é iniciativa do melhor estilo mafioso.

Lembra cena típica de filme sobre a “Cosa Nostra”, em que um pequeno batedor de carteira com sonhos de grandeza quer entrar para a organização e é submetido a teste de valentia e lealdade: obriga-se o pobre coitado a matar um policial, para mostrar do que é capaz, como um aperitivo de sua utilidade para a organização. Joesley, ao que tudo indica, foi usado como o batedor de carteira. Foi obrigado a oferecer à Procuradoria Geral da República um aperitivo para conquistar a premiação. O aperitivo era Temer.

Ninguém no grupo da Lava Jato pode dizer que não sabia dessas práticas. Muito menos o chefão. O uso de prospectivos delatores para a escuta ambiental não autorizada tem sido recorrente. Foi assim com Bernardo, filho de Nestor Cerveró, que gravou Delcídio do Amaral; foi assim com Sérgio Machado, que gravou José Sarney, Renan Calheiros e Romero Jucá. No caso de Delcídio, a crueldade foi requintada: após ter, este, fechado negociação com a Procuradoria Geral da República, por acordo do qual constava cláusula de sigilo por três meses, deu-se que a cláusula não foi aceita pelo relator, Ministro Teori Zavascki, por não encontrar amparo legal.

Por um desses acasos da vida, a gravação de Delcídio foi tornada pública logo a seguir, impedindo o senador a voltar atrás no acordo de delação. Entre as patacoadas do acerto constava declaração do senador de que Dilma Rousseff teria, com a nomeação de Marcelo Navarro para o STJ, visado a obstar investigações contra a construtora Odebrecht. Uma hipótese sem qualquer lastro, como, agora, reconheceu a polícia federal, mas que serviu para abrir inquérito contra a Presidenta às vésperas da votação da admissibilidade do impeachment no Senado, com clara finalidade de desgastá-la perante a opinião pública.

O que causa perplexidade é o cinismo da gestão de Rodrigo Janot à frente do Ministério Público Federal, quando insiste em que sua atuação tem sido estritamente “técnica”. Façam-me rir. Já o disse alhures, o técnico é uma forma de dar roupagem de isenção a decisões que são essencialmente políticas. O direito usa a técnica como meio de legitimar essas decisões. Mas decidir sempre é optar. O julgador opta entre, no mínimo, duas teses: a do autor e a do réu, ambas revestidas de fundamentos jurídicos e, portanto, ambas plausíveis se sustentadas com boa técnica. A independência do juiz está no intervalo entre essas teses, que tem o nome de lide. Não pode decidir fora dela, pois seria decidir “ultra petita”, como se diz no bom jargão profissional. A opção, quando não balizada por sólida jurisprudência, é algo completamente subjetivo. E o juiz faz política ao optar. Assim também o faz o ministério público quando decide, ou não, levar um caso adiante.

Mas política não é sempre molecagem. Ela funciona como tempero necessário para preservar as instituições e a governabilidade. Pressupõe-se de quem vai decidir que tenha equilíbrio e senso de justiça, de correção, de critério – virtudes que só se adquirem com muita experiência, ao longo de anos de atuação. Por isso, não é crível tenha o Procurador-Geral da República deixado um grupo de procuradores verdes, sem seu cabedal, rolar solto. O procurador Marcelo Miller, que, pelo que se anuncia, estaria por detrás dessa “técnica” de exigir aperitivos de prospectivos delatores premiados, com meros treze anos de casa, não pode ter agido por conta própria. As informações colhidas por sua “técnica” foram usadas não só em juízo pelo chefe da instituição, mas, também, pela instituição-corporação (hoje é difícil divisar entre ambas), para fazer seu barulho e adquirir musculatura – política (neste caso, com sentido de molecagem mesmo).

Das duas uma: ou o Procurador-Geral se revelou um grande irresponsável, deixando o barco correr enquanto gente de sua equipe pintava e bordava com falta completa de ortodoxia técnica; ou então ele era parte da trama, aquiescendo com a “técnica” de Miller. Afinal, defendia e defende com unhas e dentes a atuação do grupo da Lava Jato como íntegra e profissional. De uma forma ou de outra, terá ainda muitas explicações a dar.

Por sinal, curioso é o tratamento diferenciado dado a Marcelo Miller, se comparado com o que foi emprestado a outro colega, o Doutor Ângelo Goulart. Ângelo nunca pediu aperitivos ilícitos de prospectivos delatores; nunca plantou escutas em domicílios alheios sem autorização judicial; nunca negociou passe com escritório de advocacia para atuar em prol dos investigados depois de exonerado do ministério público. E nada se provou de concreto contra Ângelo. Disse o falastrão Joesley, na conversa plantada no Jaburu, que tinha um procurador e um juiz no bolso. Depois disse, em delação premiada – sabe-se lá instigado por quem – que Ângelo estaria a receber 50 mil reais para auxiliá-lo. Não acharam um tostão com Ângelo. Sua casa, seu carro, tudo foi revirado. Suas movimentações financeiras foram absolutamente regulares.

Mas ele foi tachado de corrupto aos olhos da Nação, com direito a transmissão pelo programa dominical “Fantástico” da Rede Globo e ficou preso por mais de setenta dias sem poder contar sua versão dos fatos a ninguém. Mais recentemente, em outra entrevista, mesmo sem nenhum avanço na investigação contra Ângelo, Rodrigo Janot voltou a expô-lo como colega envolvido “em corrupção”. O que fez Ângelo? Passou uma gravação de uma audiência entre um colega e diretores da Eldorado Celulose para um advogado de Joesley Batista. A entrega da gravação nada tinha de ilícita, porque tomada de ato que deveria ser público, a bem da higidez do trato do ministério público com as partes. A gravação servia, ao que tudo indica, para convencer Joesley a aceitar fazer delação premiada para evitar a derrocada de seu império empresarial. Mal sabia Ângelo que as negociações sobre a delação já estavam em curso e adiantadas, com Marcelo Miller à sua frente.

Já Marcelo Miller, exposto nas novas gravações de Joesley, após ter abandonado o ministério público para se lançar em mais rentável carreira de advogado, defendendo o império empresarial de Joesley, recebe o benefício da dúvida. Nada de pedido de prisão. Nada de acusação de corrupção. Ele pode prestar suas declarações, sua versão, até próxima sexta feira, sem nada temer. Para os lavajateiros, a atuação de Marcelo merece ser prestigiada e honrada. Diferente de Ângelo, diretor da associação de classe, que teria se aproximado perigosamente da candidatura de Raquel Dodge ao cargo de Procuradora-Geral da República e merece ser publicamente apedrejado e ter sua reputação destroçada. “Nu d’ês é bão”.

Mas, por erro de cálculo estrutural, desabou o edifício que homiziava a política da “técnica” de Janot. Ficou exposta à curiosidade coletiva. Fez tudo errado. Confiou em quem não devia ter confiado. Omitiu-se na defesa da democracia e deixou de exercer o que a Constituição lhe atribuiu – ser “Chefe do Ministério Público da União” (art. 128). Preferiu as intrigas da politicagem interna e o discurso corporativo fácil. Revelou-se um ignorante no jogo da macropolítica. Traiu quem lhe dera a mão, não para beneficiar quem quer que seja, mas para tirar o país da polarização inaugurada com o processo do chamado “Mensalão”. Não o tirou e acirrou o conflito. Permitiu que jovens procuradores partidariamente motivados destruíssem a economia e levassem o moralismo doente ao judiciário. E nem conseguiu tratar os colegas com dignidade. Ângelo Goulart que o diga.

A “lei da nudez” falhou e não tem como salvar o do Rodrigo Janot.

Redação

7 Comentários

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  1. Do texto, a respeito de

    Do texto, a respeito de Janot, destaco:

    “Preferiu as intrigas da politicagem interna e o discurso corporativo fácil. Revelou-se um ignorante no jogo da macropolítica. Traiu quem lhe dera a mão, não para beneficiar quem quer que seja, mas para tirar o país da polarização inaugurada com o processo do chamado “Mensalão”. Não o tirou e acirrou o conflito. Permitiu que jovens procuradores partidariamente motivados destruíssem a economia e levassem o moralismo doente ao judiciário. E nem conseguiu tratar os colegas com dignidade. Ângelo Goulart que o diga.

    A “lei da nudez” falhou e não tem como salvar o do Rodrigo Janot.”

  2. É Mefistófeles batendo à porta de Rodrigo Janot……
    Dá uma tristeza danada….. Vermos a seriedade e a dignidade de um Eugênio Aragão e esse arremedo de procurador, essa lástima, essa vergonha ambulante que se chama Rodrigo Janot…
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    Perdeu-se de si mesmo, perdeu todos os parâmetros do que é digno, é como um ser que se deixa corromper pela primeira vez, e numa espécie de surto moral e existencial se joga na lama de vez, e nela chafurda sem perceber a sujeira grudada em seu corpo, o mal cheiro, nada o afeta mais o jogo, a farsa, têm que seguir até o fim…..
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    Nada restou para sua biografia! Sua herança para o MPF é um vexame, um dia isso será claro, seu destino é o mesmo do patético Joaquim Barbosa, que mendiga atenção e reconhecimento tardios, tentando desesperadamente mostrar o equilíbrio e o amor à justiça que tanto lhe faltaram no exercício do cargo.
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    Num futuro breve, nos poucos espaços que a ele se abrirem na mídia, veremos um Janot sereno, humilde, tentando explicar o inexplicável, provavelmente emitindo palpites totalmente diferentes daquilo que FEZ, como se qualquer coisa possa redimi-lo um dia, e nada pode, salvo o que jamais terá a dignidade de fazer: confessar todos os seus erros e armações e pedir desculpas ao povo brasileiro…. Seu ego doentio e narcísico impediriam esse gesto de grandeza, seu fanatismo político e a ausência de grandeza, nele uma coisa natural, idem…..
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    O que vemos são os estertores de um cadáver! Um triste cadáver que avacalha a si mesmo e à instituição a que nunca serviu, com uma mortalha última – a denúncia contra Lula, Dilma, o PT…. – que é como o auge de seu partidarismo no cargo que ultrajou desde o início.
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    Repararam que Janot é um homem sem sorrisos hoje em dia? Aquela euforia do que considerava uma vitória pessoal e profissional retumbante – o massacre ao PT, o papel no GOLPE, a perseguição implacável, desumana e perversa a Lula, – já não é percebida em sua expressão corporal. A sensação que temos, é que “a ficha caiu”, e de algum modo, Mefistófeles lhe apareceu, riu em sua cara e deu o aviso triunfal: “A festa acabou, Rodrigo….. Vim cobrar a conta do sucesso e a fama que te dei, e não sairá barato!…..”
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    Um horrível fim de festa espera o sr. Rodrigo Janot…….

  3. Lugar perigoso, o de Janot…

    Justamente, caro Eugênio: confiou em quem não devia ter confiado. Vendeu a alma ao diabo, que agora deve estar dando gargalhadas no Inferno, esperando Janot. Que, diferente de Godot, parece que  vai chegar rapidinho…

    Janot não era, afinal, do “clube”, da máfia…

    Vai ser difícil a pessoa que ficar no lugar dele se virar com essa turma, se ela pretende levar o Direito a sério, não? Ou se mantém viva e no cargo ou leva o Direito a sério, tenho a impressão.

    1. Falando em quem confiou em

      Falando em quem confiou em quem não devia, Eugênio Aragão é mestre nisso…

      Foi um dos que nos legou esse pulha do Janot !!!

  4. Pois é, professor Eugênio

    Pois é, professor Eugênio Aragão, como diria aquele suspeito transformado em herói, Roberto Jefferson, parece que o teu texto instigou no tíbio Janot os instintos mais primitivos (e rasteiros). Logo em seguida às tuas linhas, ele agiu de novo e fez uma denúncia ridícula e canalha contra os presidentes Dilma e Lula e contra o PT.

    E aí, guardadas as devidas proporções, lembrei do texto do Evangelista Lucas falando de Herodes prendendo João Batista:

    Cap. 3,  19 Sendo, porém, o tetrarca Herodes repreendido por ele por causa de Herodias, mulher de seu irmão Filipe, e por todas as maldades que Herodes tinha feito,

    20 Acrescentou a todas as outras ainda esta, a de encerrar João num cárcere.”

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