Explicando ao procurador por que servidores públicos sofrem represálias, por Wilson Luiz Müller

Vamos relembrar algumas coisas para ajudar o procurador a entender como chegamos ao ponto de servidores federais serem punidos por  trabalhar bem.

Explicando ao procurador por que servidores públicos sofrem represálias

por Wilson Luiz Müller

Em tuíte, o procurador da república Vladimir Aras comentou a exoneração do diretor do Ibama por causa da operação que retirou garimpeiros e madeireiros ilegais de terras indígenas no Pará: “Agora servidores públicos federais sofrem represálias por trabalhar bem?”

Vamos relembrar algumas coisas para ajudar o procurador a entender como chegamos ao ponto de servidores federais serem punidos por  trabalhar bem.

Na gestão de Rodrigo Janot, Vladimir Aras chefiou a Secretaria Internacional da Procuradoria Geral da República – PGR, que tratava de todos os pedidos de cooperação com outros países. As investigações envolvendo outros países passavam pelas mãos do procurador da República.

The Intercept Brasil, em longa reportagem, de 12 de março de 2020, detalha os meandros da cooperação com os Estados Unidos, demonstrando que os procuradores brasileiros estavam cientes de que não estavam seguindo o regramento jurídico que disciplina a matéria.

“Mas a equipe de Dallagnol fez de tudo para manter sua relação com procuradores americanos e agentes do FBI no escuro.”

“Os “Americanos não querem que divulguemos as coisas”, justificou Dallagnol num bate-papo com um assessor de comunicação em 5 de outubro de 2015. Era a resposta ao aviso de que a “imprensa está em polvorosa com a vinda de agentes/promotores dos eua para cá esta semana”.

“À época, ao menos 17 americanos viajavam para a sede do MPF em Curitiba para quatro dias de reuniões com a força-tarefa. Deltan tentou manter sigilo, mas a visita vazou para jornalistas. E foi pela imprensa que o Ministério de Justiça – comandado pelo petista José Eduardo Cardozo – soube da vinda dos investigadores estrangeiros quando eles já estavam no Brasil.”

“O tratado de assistência legal mútua assinado por Brasil e EUA, chamado de MLAT, na sigla em inglês, estipula que caberia a Cardozo aprovar colaboração jurídica entre os procuradores brasileiros e americanos. Mas isso era tudo que Dallagnol queria evitar.”

“Eu não gostei da ideia do executivo olhando nossos pedidos e sabendo o que há”, ele disse a um colega. Era uma resposta sobre dúvidas relacionadas à visita levantadas por um delegado federal que trabalhava no DRCI, a divisão do Ministério de Justiça que faz a coordenação de cooperação internacional.”

“Quando o governo Dilma Rousseff descobriu a visita, ficou “indignado”, segundo Vladimir Aras, procurador responsável pela cooperação internacional na Procuradoria Geral da República, a PGR, disse a Dallagnol. Foi então que o chefe do DRCI enviou várias perguntas a respeito do passeio dos americanos no Brasil à PGR. Mas Dallagnol convenceu Aras a limitar as informações que repassaria ao DRCI, revelam as conversas entregues ao Intercept. O chefe da Lava Jato resistiu até mesmo a enviar os nomes dos agentes americanos que estavam em Curitiba. “Os contatos estão sendo feitos de acordo com as regras nacionais e internacionais. Sugiro que sugira que o DRCI pare de ter ciúmes da relação da SCI/MPF com outros países rs”, Dallagnol escreveu.”

“Não é verdade. As informações do arquivo entregue ao Intercept indicam que — de novo — Dallagnol e seus colegas atropelaram as regras que disciplinam a atuação de procuradores da República.”

“Além do governo federal, o próprio Aras [trata-se de Vladimir – nota minha] parecia receoso quanto à atitude do colega de Curitiba: “Delta, como já conversamos, essa investigação dos americanos realmente me preocupa. Fiquei tranquilo quando vc garantiu que esse grupo de americanos não fez investigações em Curitiba quando esteve aí”, ele escreveu em um bate-papo privado. “O MPF e a SCI não podem permitir isso”, Aras insistiu.”

Prossigo. Justiça seja feita ao procurador Vladimir Aras. De todos os vazamentos de conversas tornadas públicas, Vladimir foi a única voz a demonstrar algum nível de preocupação com o devido processo legal e com a necessidade de atuação conforme as leis e os tratados internacionais. Feito o registro (apesar de solenemente desconsiderado o alerta prudente), o resultado foi o que hoje todos sabemos. A cooperação ilegal entre procuradores brasileiros e estadunidenses fez com que a Petrobras tivesse que pagar multas em valor  cinco  vezes superior ao que a Lava Jato conseguiria recuperar. Além disso, a malfadada operação resultou na destruição das empresas de engenharia nacional e na entrega de grande parte das reservas de petróleo a companhias estrangeiras.

“O jornal O Globo destaca nesta segunda (9) que a Lava Jato “recuperou” para a Petrobras, nos últimos cinco anos, cerca de R$ 4 bilhões com acordos de leniência, delação premiada, renúncias voluntárias e ajustamento de conduta. No Twitter, o procurador de Curitiba Roberson Pozzobom comemorou e disse que “os trabalhos continuam”. O que o jornal dos Marinho não informa é que, também por causa da Lava Jato, só nos Estados Unidos, a Petrobras perdeu um total de 3,8 bilhões de dólares.” (Luís Nassif, GGN).

No câmbio atual, o montante equivale a R$ 19,7 bilhões, quase cinco vezes o valor recuperado.

Ficamos sabendo depois, com as reportagens do Intercept, que entre as pretensões da Lava Jato estava a audaciosa meta de destruição do sistema político e de justiça vigentes. Sobrariam apenas “as instituições de justiça”, que evidentemente se resumiam àquilo que tinha a benção da Lava Jato. Deltan Dallagnol chegou até a idealizar uma estátua em homenagem à Força Tarefa.

“A minha primeira ideia é esta: Algo como dois pilares derrubados e um de pé, que deveriam sustentar uma base do país que está inclinada, derrubada. O pilar de pé simbolizando as instituições da justiça. Os dois derrubados simbolizando sistema político e sistema de justiça…”, continuou Deltan. (Conversa entre Deltan e Sérgio Moro, FSP  e Intercept 21/08/2019).

“O procurador Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, atuou em bastidores para beneficiar um outro procurador, Vladmir Aras, para ser indicado ao cargo de procurador-geral da República, indicam novas mensagens da Vaza Jato. Deltan teria feito lobby com ministros do governo de Jair Bolsonaro, senadores e ao menos 2 ministros do STF.” (Poder360).

“Em 11 de outubro, Aras enviou uma mensagem a Deltan com 1 pedido para que o procurador conversasse com o então juiz Sergio Moro para apoio a sua candidatura à PGR. “Fala com Moro sobre minha candidatura a PGR. Com bolsonaro eleito, vou me candidatar”, escreveu Aras (O Poder360 optou por reproduzir as mensagens da forma como foram escritas originalmente, sem correções ortográficas ou gramaticais).

Senhor Vladimir, não sei o que vocês entendiam por destruição do sistema político e de justiça existentes. Sempre entendi que o sistema então vigente era aquele consagrado pela Constituição Federal de 1988. Cheio de falhas, é verdade, necessitando de permanente aperfeiçoamento. Porque a simples destruição só poderia dar lugar a algo pior, o que comumente se denomina de ditadura, seja ela dissimulada ou escancarada.

A Força-Tarefa da Lava Jato, ao assumir um papel político-ideológico (autodefinindo-se como ator político, como se partido fosse) não autorizado  no  nosso ordenamento jurídico (papel reservado aos cidadãos e partidos), criou o cenário social e as premissas sobre as quais se ergueu o bolsonarismo, que também se definia como sendo “contra tudo isso daí”. Era o que dizia o candidato Jair, que ele iria destruir o sistema. Tanto isso é verdade que os procuradores da lava jato atuaram arduamente para que Lula não pudesse dar entrevistas na prisão, pois isso poderia evitar a vitória de Bolsonaro.

Pode-se fazer muitas críticas a Bolsonaro, menos a de que não tenha sido sincero quanto a sua defesa da ditadura como melhor forma de governo. Durante a campanha, ele prometeu várias vezes que seu governo seria formado basicamente por militares. Cumpriu essa promessa trazendo para o governo muitos militares que também defendem a ditadura. E juntos governam como uma ditadura de fato.

Procuradores, pessoas instruídas e conhecedoras de leis, não deveriam portanto se espantar com as medidas do atual governo, tipicamente ditatoriais.

Assim chegamos ao ponto em que é possível uma explicação coerente para o fato de servidores federais sofrerem represálias por trabalhar bem. Pois é o que ocorre sob um governo que age de forma ditatorial.

Os servidores que não tem o status de autoridade (não é o caso dos procuradores da república) tem que pôr o rabo entre as pernas e fazer o que a  turma fardada de cima manda. Quem não se dispõe a isso corre o risco de sofrer represálias, sem que as instituições de defesa de direitos difusos dos cidadãos (MPF incluído) tomassem qualquer iniciativa para defender esses que sofrem represálias ilegais. Não se sabe se foi o caso do chefe exonerado, ou se a operação que irritou os ditadores de plantão, por prejudicar seus amigos ilegais, foi obra não do chefe, mas do exercício regular de fiscalização de bons e conscientes servidores.

Vale, em todo o caso, o exemplo pedagógico de como agem os ditadores, quem são suas vítimas, para evidenciar que quem, tendo poder e autoridade para agir, deixa de agir por covardia ou por concordância com os ditadores de plantão.

A indignação isolada do procurador com a exoneração de alguém que trabalha bem deve ser saudada. Mas isso é muito pouco e não resolve nada. Indignação de verdade é a nossa ao constatarmos o acovardamento, além do razoável, de autoridades outrora tão atuantes.

Onde foi parar a valentia dos procuradores da república? Faltam casos a serem investigados? Terminou a corrupção? Vou citar alguns casos que gostaríamos muito que o Ministério Público Federal investigasse, para que houvesse uma resposta satisfatória à sociedade:

– quem mandou matar Marielle?

– onde está Queiroz e qual o seu papel como tesoureiro do clã Bolsonaro?

– por que Flávio Bolsonaro e Queiroz não foram alvos da Operação Furna da Onça que investigava as “rachadinhas” na Asembleia do RJ?

– qual a relação do capitão Adriano (morto na Bahia) com a família Bolsonaro?

– porque o BNDES pagou R$ 48 milhões para um relatório de oito páginas para uma auditoria afirmar que não havia caixa preta, valor esse pago a empresa estrangeira, contrariando a legislação vigente? Não são fortes os indícios de superfaturamento e lavagem de dinheiro?

– por que  milhões de brasileiros estão sendo induzidos pelo governo a se infectar com o novo coronavírus (como novos-judeus sendo empurrados para câmaras de gás), contrariando todas as recomendações dos órgãos de saúde, sem que o MPF se posicione a favor da vida?

A conclusão é simples. Ditaduras procuram subjugar o funcionamento normal das instituições. Enquanto as autoridades responsáveis pelas instituições não cumprirem com suas responsabilidades, fazendo o que precisa ser feito, a ditadura vai avançando, com represálias, com ameaças, com repressão, até conseguir calar a todos.

Um dos objetivos dos ditadores  é levar à inação as pessoas que tem autoridade e liderança. Por enquanto esse objetivo está sendo atingido. É por isso, senhor procurador da república, que pessoas sem autoridade sofrem represálias por trabalhar bem.

Wilson Luiz Müller – Integrante do Coletivo Auditores Fiscais pela Democracia (AFD)

3 Comentários

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  1. EXCELENTE.
    Até que enfim alguém afirma com TODAS AS LETRAS que estamos em uma ditadura de fato.
    Só quem não enxerga isso é um idiota ou acovardado.
    EU SOU A FAVOR DA EXTINÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL.
    EU SOU A FAVOR DA PRISÃO DE TODOS OS PROCURADORES, JUÍZES, POLICIAIS FEDERAIS, DESEMBARGADORES E MINISTROS DO STF QUE MILITARAM NAQUELA FARSA OU A ELA DERAM SUPORTE.
    Sem aproveitar qualquer um daqueles concursados(procuradores que não participaram da farsa lava jato) em outro órgão público qualquer.

    1. JOSSIMAR, QUE OS ANJOS DO INFINITO UNIVERSO ouçam e vejam o que você diz.
      Prisão para todos aqueles que atuaram naquela farsa, como traidores, inimigos e que para isso tenham o tratamento de inimigos do Brasil, como país.

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