Aldo Fornazieri
Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.
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Fogo na Amazônia queima futuro do Brasil, por Aldo Fornazieri

Que o Brasil é um país sem futuro se sabe há bastante tempo. O sintoma mais grave dessa evidência é o fato de ter na presidência um homem moralmente degenerado, dotado de uma personalidade doentia, criminosa, delinquencial.

Man made fres to clear land for cattle or crops. Daniel Beltra/Greenpeace

Fogo na Amazônia queima futuro do Brasil

por Aldo Fornazieri

O fogo que queima a floresta Amazônica provocou queimaduras de 3º grau no governo como um todo, resultando em danos globais irreparáveis. A imagem do Brasil no mundo é, sem dúvida, a pior de toda a sua história. Mas, de forma menos danosa, as chamas chamuscaram significativamente outros atores: o Ministério Público, os governos estaduais da região e os partidos de centro e de esquerda. Todos foram pegos de surpresa pela gravidade da crise que vinha se anunciando desde o início do governo Bolsonaro, mas que ganhou intensidade nos últimos meses pelos desatinos destrutivos e declaratórios do presidente e de seu ministro Ricardo Salles.

Bolsonaro e Salles foram os artífices do desmonte dos frágeis mecanismos de monitoramento, fiscalização e controle ambientais, tais como o Ibama, o ICMBio, o INPE etc. Além da destruição dessa estrutura ambiental, as declarações dos dois  foram autorizativas para a derrubada da floresta e para os incêndios criminosos. Assim, a floresta se viu em meio a duas frentes de fogo: uma circunstancial, típica da época do ano, porém, agravada pela falta de ações de prevenção e controle; e, outra, criminosa, estimulada pelo presidente e pelo ministro e por outras autoridades governamentais.

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O Ministério Público se omitiu criminosa e covardemente em face do desastre que se  anunciava e se construía. Os partidos de oposição e de esquerda, na sua costumeira dormência, sequer adotaram atitudes de denúncia antes que a crise internacional explodisse. Ressalvas sejam feitas a alguns parlamentares da Rede e do PSol, que vinham denunciando os desmandos do governo.

A crise ambiental mergulhou o Brasil na maior crise diplomática desde a Segunda Guerra Mundial. Nenhum partido de oposição e de esquerda se posicionou oficialmente sobre o assunto. O PSol apenas incluiu o tema do meio ambiente como uma prioridade do segundo semestre por força dos acontecimentos. O fato é que as esquerdas nunca entenderam a gravidade e a importância da questão ambiental e sempre trataram o assunto com descaso e negligência. Neste ponto faça-se justiça à Rede Sustentabilidade de Marina Silva que desde sua origem percebeu a dimensão estratégica que o tema tem no presente e no futuro, para a sociedade brasileira e para a humanidade.

Nas reações contra os desatinos criminosos do governo Bolsonaro e da queima da floresta os partidos de esquerda foram a reboque das ações espontâneas de setores sociais, que convocaram manifestações e o panelaço. Trata-se  de uma inversão completa de papeis: a função dos partidos seria a de dar direção e sentido aos movimentos e setores sociais. Mas aqui, tal como no tema da educação, os partidos são dirigidos pelas lutas espontâneas, pois são partidos sem força, sem vitalidade, sem estratégia, acomodados nas suas burocracias, nos seus cargos e nos seus gabinetes.

Que o Brasil é um país sem futuro se sabe há bastante tempo. O sintoma mais grave dessa evidência é o fato de ter na presidência um homem moralmente degenerado, dotado de uma personalidade doentia, criminosa, delinquencial.  A contraface dessa figura mórbida é a ausência de lideranças, de propostas, de projetos e sequer de debate público relevante nas oposições. Nenhum partido tem projeto estratégico para a Amazônia – um projeto que desenvolva a região e que melhore a vida das pessoas que lá vivem preservando a floresta e a biodiversidade.

A floresta Amazônica não é o pulmão do mundo. Mas ela tem um papel crucial para a absorção de CO2 (dióxido de carbono), fator importantíssimo para atenuar os efeitos do aquecimento global. A destruição da floresta provocará desastres ambientais em vários lugares do Brasil e da América do Sul, alterando, entre outros fatores, o regime das chuvas. O Sudeste poderá ter secas prolongadas, com o agravamento das crises hídricas num futuro próximo. A produção agrícola do país poderá sofrer graves crises em várias regiões.

O único projeto que existe para a Amazônia é aquele que provém da ditadura militar e que encontra ressonância forte no atual governo: projetos agropecuários, extrativismo por madeireiros, mineração, industrialização e grandes obras como usinas hidroelétricas. A Transamazônica e a Usina de Belo Monte, implementada no governo Dilma, são os símbolos do projeto de ocupação e desenvolvimento da Amazônia elaborado pelos generais da ditadura. É este projeto, que vai dizimando índios e ribeirinhos, que ainda povoa a cabeça de Bolsonaro, de Augusto Heleno, de Villas Boas e de outros militares. A necessidade de manutenção da floresta e de um projeto que explore suas potencialidades inerentes, nunca foi pensado.

É evidente que existem  fortes interesses estrangeiros nas imensas riquezas biológicas, minerais e hídricas da Amazônia. Mas, neste ponto, a esquerda não pode dar as mãos ao nacionalismo tosco da direita. Quanto mais a floresta for ameaçada, quanto menos o Brasil tiver capacidade de desenvolver a região de forma sustentável, mais as ameaças se farão sentir. A única forma de conter as ameaças consiste em desenvolver a região sem destruir a floresta, sem agredir a biodiversidade e sem poluir as águas.

A equação que explica a Amazônia hoje é que ela é brasileira e dos demais países que a abarcam, mas, ao mesmo tempo, ela é um bem da  humanidade. A humanidade tem o direito de exigir que este bem seja preservado, pois é um bem planetário, um bem do futuro da vida e das espécies, incluindo a espécie humana. É esta consciência que se espalha hoje pelo mundo e pela sociedade brasileira e é por isso que o assunto tem alta sensibilidade social e alto potencial de mobilização.

O Brasil pode e deve constituir um grande poder de barganha estratégica se for capaz de construir um projeto sustentável de desenvolvimento da Amazônia, preservando as florestas, os recursos hídricos e a biodiversidade, exercendo sua soberania em consonância com os interesses da humanidade. Para isto terá que ser mais eficaz do que vem sendo até agora e, tarefa difícil, terá que superar a disposição deliberadamente destrutiva do atual governo.

Ao colaborar com a destruição da Amazônia, Bolsonaro e os que o secundam nessa empreitada se mostram falsos patriotas e vendilhões da soberania. Conter Bolsonaro e este grupo não será uma tarefa fácil. Vozes da sociedade começam a levantar a bandeira do impeachment. Trata-se de um processo traumático, como foi evidenciando com o golpe contra Dilma. Ademais, um impeachment sem a sociedade nas ruas não é uma saída. Mas parece que Bolsonaro quer chamar o impeachment sobre si. De qualquer forma não serão os tribunais quem vai conter Bolsonaro. Nem a pálida oposição que ele sofre no Congresso. Somente a sociedade nas ruas pode detê-lo.

Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política (FESPSP).

Aldo Fornazieri

Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.

15 Comentários

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  1. “Nós sempre vivemos na miséria, e nos acomodaremos a ela por algum tempo, mas não esqueça que os trabalhadores são os únicos produtores de riqueza. Somos nós, os operários, que fazemos marchar as máquinas nas indústrias, somos nós que extraímos o carvão e os minerais das minas, somos nós que construímos as cidades. Porque não iríamos reconstruir, e ainda em melhores condições, aquilo que foi destruído? A ruína não nos dá medo. Sabemos que não vamos herdar nada mais que ruínas, porque a burguesia tratará de arruinar o mundo na última fase da sua história. Porém, nós não tememos as ruínas, porque levamos um mundo novo em nossos corações. Esse mundo está crescendo nesse momento”. – Buenaventura Durruti, Revolucionário Anarquista Espanhol

    1. Rui,
      a ruína não nos dá medo, o que nos dá medo é construir com diligência enquanto alguém espera com alegria para tirar tudo de nós, iniciando um novo ciclo de ruína.

  2. Duvido que Bolsonaro sofrerá impeachment – pois isso significaria uma humilhação aos militares no circo de horrores que é o circo da câmera dos deputados no processo de impeachment como foi visto no da Dilma. Nesse momento talvez os militares estejam vendo se a saída do poder do Messias não causaria uma rebelião no andar de baixo das forças militares. Assegurado isso, fariam a seguinte proposta irrecusável a Bolsonaro = você renuncia e seus filhos ficarão livres das encrencas que já aprontaram. Lembremos que o vice é o Mourão, não o Roosevelt rs.

    Sobre o desmonte dos orgãos de controle de desmatamento, isso é fruto da mensagem que esse governo boçal passa, a da lei do mais forte. E não é só na Amazônia = moro na zona sul de São Paulo e neste ano a quantidade de folhetos colados em tudo que é lugar anunciado venda de terrenos em região de proteção ambiental é enorme e debaixo do nariz das autoridades.

  3. Concordo plenamente com o sentido e as palavras do artigo do professor.
    O desalento diante dos fatos é plenamente justificável e assombroso, ainda mais se considerarmos que as oposições, especialmente o chamado lulismo, nem ao menos esboçaram uma tímida tentativa de realizar a tão necessária autocrítica; sobre a condução de seus governos, nem das posições estapafúrdias, adotadas nas eleições presidenciais de 2018.
    A continuar assim, o governo dos cafajestes seguirá caminhando a passos acelerados em direção a um de seus principais e visíveis objetivos: construir um governo autoritário.

    A

  4. Como sempre brilhante e direto com o dedo na ferida mas neste país isso pouco importa dado o nível intelectual de nossos governantes em sua maioria sem nenhuma informação sobre o que temos e podemos. Não espere reação sobre isso que não venha de outros países com maior grau de preocupação que nosso povo. Será que um dia aprenderemos? Talvez quando a Amazônia estiver cheia de beduínos e camelos tenhamos aprendido.

  5. Caro Aldo,
    A “humanidade” que merece a Amazônia, são os habitantes da região.
    A “humanidade” estrangeira, se tomar a administração dessa floresta, é uma vilã pior do que qualquer pesadelo imaginável. Se a Amazônia ficar na mão de estrangeiros, aí é que vai haver poluição, envenenamento, destruição. Só olhar a história: África e oriente médio.
    A exploração ordenada da Amazônia deveria ser feita por empresas sérias e estatais, com a supervisão/utilização das próprias forças armadas.
    O fato é que quem destruiu este país foram os militares. Que permitiram a criação da Globo e, com ela, a alienação do país.
    Em quem confiar? Em milico? No judiciário? Em político?
    Os milicos entregaram as estatais, não se preocupam com a “neo escravidão” do povo. Tudo bem, se seus direitos forem mantidos.
    Não é possível pensar numa ocupação estrangeira, até pela condição geográfica.
    Acho que o governo dá.
    O Morão não falou que a Merkel treme pelo Trump.
    É só o Trump olhar nos olhos do presidente Bozo e de seus generais ..e pedir, com jeito….eles dão!
    A doutrina Monroe diz que os europeus tem que esquecer a América, pois ela é nossa! Nossa ( dos EUA).
    Acho que as queimadas vão continuar, mais moderadas ( deram muita bandeira) e a destruição, digo a exploração da Amazônia se dará pela burguesia brasileira, pelos imbecis da região e pelas mineradoras, americanas principalmente.

    1. Na real…..acreditar que esses gringos querem o bem do país é ser muito tosco……..

      Estamos entre a exploração pelos brasileiros vendidos ou pelos estrangeiros *bonzinhos”…

      Por exemplo, li que toda aquela montanha de ouro roubada foi extraída por uma empresa estrangeira para ser mandada só exterior……

      E o que o povo brasileiro ganha com isso???????

      Extrair ouro é mais ecológico do que queimar a mata???

      Conta outra.

      Mas a ONU vai nos salvar, a mesma que dorme em cima do processo de Lula e permite várias aberrações pelo mundo………..que grita com os países pequenos e mia feito um gatinho manhoso para as potências……

  6. Pobre patria amada, idolatrada e desgraçada.
    Eu vi a terra queimada, o cheiro da fumaça entrando pelas narinas e enchendo os pulmões e a pobre capivara tentando escapar, prisioneira entre o fogo de um lado e a velocidade dos carros na estrada. Os macaquinhos se aproximavam nas arvores, famintos. Estendi o braço e um destemido tocou sua pata delicada em minha mão. Senti toda sua vibração. Seus olhos vivos. Fui ao famoso parque da Araras no interior de MT e qual não foi minha tristeza ao constatar que as araras la não vão mais. Pergunto ao proprietario da pousada e me diz que o local esta sendo abandonado pelas araras por causa mudança climatica da região. Não ha diminuição da espécia? Talvez… No Pantanal vejo os jacarés impertubaveis na paisagem aparentemente imutavel. Porém, advertem da diminuição dos peixes e algumas espécies de aves.
    Enfim, nosso futuro ficou em algum lugar, entre a redemocratização e a prisão de Lula.

  7. Não acredito no bom mocismo francês, mas considero que a “desculpa” foi boa!
    Muito melhor que as desculpas dadas por golpistas de 2014 e bolsonaristas de hoje…
    O que está claro para mim é que:
    O serviço de inteligência do G7 captou a guerra híbrida que perdemos e a sordidez dos golpistas, todos egoístas e gananciosos que deram o golpe em 2014!
    Quem vê de fora, longe da emoção perpetrada por isso tudo que foi, vê que petroleiras tiveram incentivos fiscais da ordem de 1 trilhão de reais! Vê a entrega de empresas e nichos de negócios a subpreços!
    São negociatas de bilhões e bilhões!
    Eles esperaram algum tempo para ver se o povo acordava!
    O povo não acordou, então cria-se o entendimento que foi aceito perder alguns trilhões do futuro de nossas crianças e jovens a troco de nada!
    E com disposição de entregar o a amazônia aos EUA vai aumentar o desequilibro não só entre EUA e Europa, mas com Russia e China!
    Tanto é que Russia e China já estão na beirinha do Brasil ali na Venezuela!
    O próprio Macron disse que a internacionalização será pauta da ONU!
    O G5 vai dividir o Brasil, se bolsonaro continuar…

  8. Aos que insistem em dizer que o PT precisa fazer autocrítica, lembro que Gilberto Carvalho e o próprio LULA, em duas das entrevistas quecdeu na prisão já a fizeram.
    Repetir essa cobrança exaustivamente e culpabilizar o PT, que foi quem melhor cuidou da Amazônia e reduziu significativamente o desmatamento lá, não chega a ser tão ODIENTO como os bolsonarista, mas tem um travo de despeito.

  9. O professor Aldo cada vez fica mais confuso nos seus artigos cada vez são verdadeiras colchas de retalhos sendo este quase um copia e cola de diversas manifestações que no meio de tudo coloca a esquerda, principalmente o PT nominalmente referido como culpado de tudo. Importante que chutar o Bolsonaro numa situação desta é como chutar um cachorro morto, mas tem que colocar a Dilma, também nominalmente referida como a mesma estivesse colocando fogo na floresta com os agro-boys da região.
    É extremamente interessante ler o texto e procurar algo de novo ou inédito que é apresentado nele, nada se acha.
    Lá pelo fim do texto é que vem a cereja do Bolo, depois de igualar o PT e isentar do PSOL, o mesmo que apoia Witzel no Rio de Janeiro apoiando ações armadas contra “criminosos” ou aqueles que a polícia considera como tal, há uma conclamação a internacionalização de parte do território nacional, como esta parte da nação não existissem brasileiros, índios, mestiços ou mesmo pequenos posseiros, para ser tratado como patrimônio da Humanidade.
    Esquece o autor que todo o mundo concorre para o meio ambiente e se há imensas áreas desta floresta sendo queimada é para permitir que lá se produza soja, não para nos alimentarem, mas sim para engordar as vaquinhas leiteiras holandesas, francesas ou inglesas.
    As pessoas não se dão conta que estamos exportando não é soja, é água, sol e solo, pois nossos amigos ecologistas da dos países europeus dependem desta soja para não morrerem de fome.
    Se eu fosse escrever um artigo sobre o fogo na Amazônia começaria com a contabilidade que deve ser feita com quem se beneficia de todo este fogo, serão os pequenos posseiros e os índios que são empurrados para uma floresta que cada dia diminui mais? Certamente que não, porém isto não é contabilizado, esquecendo todos que quando há um crime a pergunta que deve ser feita no início de cada investigação é a quem interessa.
    Não devemos ficar nesta verdadeira paranoia da extrema direita que procuram nos Europeus e suas ONGs misteriosas a culpa de tudo, também não podemos ficar como alguns da esquerda que procuram dos USA um plano diabólico de manter só para eles as riquezas de metade do Brasil, devemos sim identificar no imperialismo internacional, que transita entre os países do norte de um lado para outro pensando como vão poder saquear nossas riquezas da forma mais rápida e mais funda o nosso país. Angela Merkel, Emmanuel Macron, Trump e outros são todos sócios na mesma empreitada, cada um querendo uma fatia maior do bolo, por isto é que há alguma “rugas” (como diria o juiz de piso), mas não se iludam, ou nós assumimos a nossa amazônia ou eles nos tomarão.

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