Masculinidade tóxica: violências e opressão, por Arnaldo Cardoso

Que tem como principal vítima a mulher, mas que também está na base dos fenômenos do autoritarismo e encontra particular expressão e valorização na performance do populismo de extrema direita

Masculinidade tóxica: violências e opressão

por Arnaldo Cardoso

Das múltiplas manifestações e iniciativas em torno do dia 25 de novembro, que desde 1999 passou a ser o Dia Internacional de Luta Contra a Violência à Mulher, merece destaque uma matéria produzida para a Deutsche Welle (DW) pela jornalista, pesquisadora e consultora  brasileira Karina Gomes que recentemente lançou o livro “Implementação dos Direitos Humanos e da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável nas Cidades: Questões-Chave e Exemplos” da série “Human Rights Go Local”.

A matéria em questão trata do complexo problema das masculinidades, em particular daquilo que temos chamado de “masculinidade tóxica” que tem como principal vítima a mulher, mas que também está na base dos fenômenos do autoritarismo e encontra particular expressão e valorização na performance do populismo de extrema direita em países como Estados Unidos, Itália e Brasil, sendo Trump, Salvini e Bolsonaro seus ícones.

A matéria utilizou da ferramenta de entrevistas com cidadãos moçambicanos e, em especial, com Gilberto Macuacua, apresentador do programa de televisão “Homem que é Homem” e ativista social que vive em Maputo, Moçambique.

Com a pergunta “O que é ser macho, um ‘homem de verdade’?” Karina abre a matéria ouvindo uma jovem moçambicana expondo criticamente que “no pensamento masculino ‘macho’ é superior a um ‘homem normal’”, visão que exclui os direitos da mulher, como iguais.

Citando estereótipos como “homem que é homem não expressa sentimentos, não chora, não demonstra fraquezas…” Karina complementa que “o comportamento dos homens é muito influenciado por estereótipos e padrões que se esperam do sexo masculino”. Em seguida lança ao ativista social Gilberto  Macuacua a pergunta “O que é masculinidade?”  que responde com as seguintes palavras “É um conjunto de características e expectativas sociais em relação a indivíduos do sexo masculino. […] Sobre os ‘machos’ a sociedade já espera uma determinada forma de ser e estar desta pessoa”.

Ressaltando as diferenças culturais e regionais existentes em Moçambique, Gilberto nos apresenta alguns exemplos disto.

“Moçambique é um país multicultural. Para quem está no Norte, para ser considerado um homem, tem de passar pelos ritos de iniciação. Mesmo tendo 60 ou 70 anos, se não passou pelos ritos de iniciação é considerado um menino. Não tem direito à palavra, por exemplo em reuniões. No Sul não tem os ritos de iniciação, mas por exemplo, na Província de Gaza, se o indivíduo não foi à pastorícia (levar o gado para pastar) não é considerado homem”.

Gilberto conta ainda que, de modo geral, a recusa dos estereótipos da agressividade, da virilidade, coloca em suspeição a masculinidade do indivíduo. Assim como uma impossibilidade de assumir o papel de provedor ou de gerar um filho produzem sentimentos de frustração e, muitas vezes leva o homem à depressão e outros distúrbios.

O ativista social avalia que “precisamos renovar, reconstruir essas masculinidades […] Se as construímos, também devemos poder desconstruí-las e, assim, termos uma sociedade mais justa e sem violência, onde o homem se torna emancipado”.

Continuando sua exposição, Gilberto afirma com a convicção resultante da experiência “o homem nunca esteve emancipado, enquanto vive sob essas normas rígidas do patriarcado que atenuam e se sobrepõem aos Direitos Humanos”.

A matéria produzida pela jornalista Karina Gomes ouviu também diversos jovens homens moçambicanos. Diante da pergunta “Como desenvolver uma masculinidade saudável?” as principais respostas foram:

– Com ética é que se constrói um homem com “H maiúsculo”.

– Não sendo machista.

– Respeitando a mulher e tendo bom caráter.

– Compartilhando os problemas que todos enfrentam.

– É necessário que nos ajudemos uns aos outros, especialmente na relação do homem com sua esposa.

– Ajudar a mulher e dar assistência aos filhos é uma obrigação do homem.

Voltando a ouvir Gilberto Macuacua, o ativista expôs que “Esse conjunto de normas não pode ser apagado de repente. [No meu caso foi] pouco a pouco. Fui sentindo os benefícios dessa mudança, o que me deu ânimo para seguir em frente. Mas ainda não sou um homem transformado cem por cento”.

Após a jornalista Karina Gomes perguntar a Gilberto Macuacua “Que mudanças são necessárias em termos de políticas públicas?” o ativista respondeu servindo-se de sua experiência, quando há nove anos sua mulher engravidou e ele se viu diante de uma série de tabus e preconceitos que se estendiam de sua esfera mais próxima de amigos e familiares até as estruturas do sistema de saúde pública de Moçambique, em consultórios, clínicas e maternidades, diante dos quais provocou estranhamento um homem pretender acompanhar o pré-natal de sua companheira.

Gilberto ressaltou criticamente que na mídia também não há nenhuma campanha influenciando e estimulando a participação dos homens no acompanhamento da mulher no pré-natal. “No sistema de saúde de Moçambique falta legislação, faltam políticas nesse sentido”.

Concluindo sua valiosa análise que deveria servir de estímulo a homens de todo o mundo o apresentador da TV de Moçambique e ativista social sintetizou “É um modelo ecológico em que não basta o indivíduo ter vontade, não basta a família ou a comunidade, é preciso que haja políticas públicas que acompanhem esse processo. Para a transformação da masculinidade é preciso olhar para todas essas etapas e segmentos da sociedade até terem o mesmo entendimento dos problemas causados pelas masculinidades tóxicas, e aí sim estaremos abertos para buscar alternativas do que é um homem novo”.

Arnaldo Cardoso, cientista político

Redação

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