O Acordo de Alcântara sacrificaria a soberania, o desenvolvimento, e os direitos dos quilombolas brasileiros
por Sean T. Mitchell
No dia 20 de agosto, a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara aprovou o “Acordo de Salvaguardas Tecnológicas” que permite aos Estados Unidos a utilização do Centro de Lançamento de Satélites de Alcântara, no Maranhão, passo chave para a possível ratificação final pelo Congresso brasileiro.
O presidente Bolsonaro comemorou a votação, tweetando que “há 20 anos esperávamos a efetivação de um acordo que pudesse nos colocar no seleto grupo da corrida espacial.” Cabe ressaltar que tal afirmação representa uma mudança radical e estranha do presidente. Quando congressista, Bolsonaro foi energicamente contra um acordo semelhante que fora proposto no ano 2000. O Senador Eduardo Bolsonaro, presidente da Comissão, ecoando seu pai, tweetou que, “Se ele for revogado EUA seguirá lançando seus foguetes e satélites de outros locais. Mas como ficarão os quilombolas e os cidadãos de Alcântara?” Faz tempo que os defensores do Acordo, assinado em Washington no dia 18 de março, vem afirmando que os mesmo desenvolverá o programa espacial brasileiro e, ao mesmo tempo, ajudará as muitas comunidades quilombolas da região e protegerá a soberania do Brasil. Essas afirmações são corretas?
Como pesquisador norte-americano que viveu, estudou, e escreveu sobre Alcântara por muitos anos, entendo que o dito Acordo fará exatamente o contrário do que vem sendo afirmado por seus apoiadores. Em particular, se aprovado, o Acordo vai minar os direitos constitucionais dos quilombos de Alcântara às suas terras e à preservação do seu modo de vida, comprometendo também de uma vez por todas os planos brasileiros de desenvolver um programa espacial independente e uma política externa soberana.
Quando o Centro de Lançamento foi anunciado na década de 1980, o (então) Ministério da Aeronáutica o apresentou como o mais ambicioso projeto científico a ser empreendido por um “país em desenvolvimento.” Ao abandonar essas ambições, o Brasil receberá pouco em troca. O fato é que não tem que ser assim. O Brasil pode desenvolver seu programa espacial e proteger os direitos de suas populações tradicionais e as populações minoritárias.
A construção do Centro de Lançamento expulsou mais de 300 famílias de quilombolas de suas casas costeiras para agrovilas do interior, onde não tinham terra suficiente ou acesso aos recursos oceânicos para manter o modo de vida que desenvolveram após o declínio da exportação de algodão e do trabalho escravo na região durante o século XIX. Esses moradores, antes independentes, agora se encontravam mais pobres e dependentes dos pequenos salários disponíveis no Centro de Lançamento. Decepcionados com o fracasso das promessas governamentais de desenvolvimento e com a pobreza visível nas agrovilas, as centenas de famílias quilombolas que ainda vivem nas suas comunidades costeiras resistem há muito tempo a expropriação de suas terras. São comunidades que vivem na península da periferia da Amazônia Legal que continuam a exercer pesca e agricultura sustentáveis.
Essas famílias conseguiram permanecer no território por duas razões principais. Primeiro, o Centro de Lançamento existente já dispõe de terra suficiente. Os quase 9.000 hectares ocupados pelo atual Centro de Lançamento têm uma extensa infraestrutura de lançamento já construída. O programa espacial brasileiro pode florescer na terra que já possui. Segundo, o governo federal reconheceu os territórios de Alcântara como “remanescentes das comunidades dos quilombos” em 2004, assegurando seu direito constitucional às suas terras sob a Artigo 68 da Constituição (ADCT). Mas apesar dessas proteções constitucionais, o novo Acordo faz parte de um projeto de expansão da área ocupada pelo Centro Espacial e resultaria na expropriação de cerca de 800 dessas famílias quilombolas de suas terras ancestrais. Para os defensores do mesmo, esse sacrifício seria necessário para assegurar que o Brasil entre no “seleto grupo da corrida espacial,” como disse o presidente Bolsonaro. Mas a realidade é muito diferente.
Sob os presidentes Temer e Bolsonaro, o Brasil desistiu de investir no desenvolvimento de um programa espacial competitivo. Em 2019, por exemplo, apenas 179 milhões de reais foram autorizados para o programa espacial brasileiro, uma queda abrupta comparada aos 603 milhões autorizados em 2012, quando o Real era muito mais forte do que é hoje. Da mesma forma, quando o Brasil iniciou seu programa espacial, em 1961, teve um importante avanço em desenvolvimento espacial em relação aos países como Índia e China. Agora essas nações saltaram à frente, com programas espaciais independentes e bem-sucedidos, e que recebem investimentos na casa dos bilhões de dólares (EUA), enquanto o Brasil gasta apenas milhões nestas atividades científicas.
O Acordo de 2019 é muito semelhante ao outro que fora feito em 2000, mas rejeitado pelo Congresso brasileiro por várias falhas apontadas, inclusive pelo então deputado Jair Bolsonaro, que disse que tal acordo iria “abrir mão de parte da nossa soberania para ganharmos alguns milhões de dólares por ano, não alugando o Centro de Lançamento de Alcântara, mas, na verdade, alienando-o“. Isso era verdade quando o deputado Bolsonaro o disse em 2001 e continua sendo verdade agora que ele é presidente.
A criação de “áreas restritas” em Alcântara fora do alcance dos brasileiros, parte central do novo Acordo, talvez pudesse ser justificada pela dita necessidade de proteger e prevenir a transferência da tecnologia americana. No entanto, sob seus termos, o Acordo também imporá limites rígidos à transferência de tecnologia de outros países e das suas empresas para o Brasil. Além disso, o Acordo restringe os países que poderão aguar em Alcântara. Países que não tenham assinado o Regime de Controle de Tecnologia de Mísseis (MTCR, em inglês), por exemplo, estarão proibidos de transferir tecnologia, financiamento, ou pessoal para projetos desenvolvidos em Alcântara. A China, principal parceiro brasileiro no lançamento e desenvolvimento de satélites na última década, não é signatária do MTCR e, portanto, será proibida de participar de ações em Alcântara, bem como qualquer nação que os Estados Unidos considerem ter cometido “atos de terrorismo”.
Essas limitações darão aos Estados Unidos um veto efetivo à cooperação internacional brasileira em seu principal centro de lançamento. Além disso, o Acordo proíbe que o Brasil “use o dinheiro dos lançamentos no desenvolvimento de veículos lançadores”, colocando limites ao desenvolvimento do próprio programa de lançamento de satélites do Brasil. Fica claro, pois, que o prometido Acordo limita severamente a capacidade do Brasil de possuir essa tecnologia em si, tornando o Brasil dependente dos Estados Unidos.
Nada disso, nem o sacrifício das comunidades quilombolas, nem o sacrifício de um programa espacial soberano, são necessários. O Brasil já esteve muito próximo de desenvolver com sucesso a tecnologia de lançamento de satélites, principalmente antes da trágica explosão do foguete VLS-1 em 2003, que matou 21 engenheiros e técnicos, e da qual o programa de lançamento de satélites do Brasil nunca se recuperou. Com este acordo, e com os atuais níveis lamentáveis de financiamento do programa de lançamento de satélites do Brasil, o programa espacial brasileiro nunca se recuperará, e o governo brasileiro limitará desnecessariamente sua soberania e minará os direitos dos quilombolas de Alcântara.
A Índia e a China não precisaram colocar cláusulas destruidoras da soberania em acordos de salvaguardas tecnológicas, porque já têm programas espaciais independentes que lhes permitem negociar a partir de uma posição de força. O Brasil, ao abandonar seu próprio programa espacial e ao minar o desenvolvimento tecnológico e social brasileiro, está negociando a partir de uma posição de fraqueza.
Há uma solução para Alcântara que une os direitos dos quilombolas de Alcântara a um projeto de desenvolvimento tecnológico brasileiro soberano. O Brasil deve retomar o investimento em seu próprio programa espacial e buscar parcerias internacionais que não requeiram o abandono de uma política tecnológica soberana. Os quase 9.000 hectares de terra já expropriados em Alcântara, e a formidável experiência em instituições brasileiras como o INPE e o IAE, fornecem ampla base para um programa de lançamento que poderia aproveitar as vantagens gravitacionais de Alcântara nos mercados de lançamento internacionais. O que é necessário é investimento e garantia dos direitos do povo brasileiro.
Como um estrangeiro que ama e acredita no Brasil e no povo de Alcântara, espero que o Congresso rejeite este Acordo e, em vez disso, reinvista no desenvolvimento tecnológico soberano e atue para proteger os direitos das populações minoritárias do Brasil, objetivos que são ao mesmo tempo alcançáveis e desejáveis.
Sean T. Mitchell é professor de Antropologia na Rutgers University, Newark (EUA). Realizou muitos anos de pesquisa em Alcântara e é autor de “Constellations of Inequality: Space, Race, and Utopia in Brazil” (University of Chicago Press, 2017).
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Já foi embora a EMBRAER, que a Imprensa noticiou primeiramente como uma ‘parceria’, uma ‘sociedade’. Nós vimos. Agora tentam entregar todas Pesquisas Aeroespaciais Brasileiras de quase 1 século. Até hoje aquele acidente muito mal explicado que dizimou grande parte de Cientistas Brasileiros. O interesse norteamericano por uma parceria com a Nação Brasileira, Nós constamos, na compra e aquisição de tecnologia de uma novo caça para a FAB. Ou seja o total desprezo. A parceria que o Governo dos EUA dispensa para Chile, Argentina ou Colômbia. Os ‘Aloprados Tupiniquins’ não perceberam que quanto mais aumenta seu Poderio Militar, mais os NorteAmericanos investem e ampliam as Forças Armadas de seus parceiros na região. Chile e Argentina, de sangrenta ditadura. Colômbia que NorteAmericanos financiaram o combate à Guerrilha por mais de meio século. Enquanto isto na Terra da Inocência…..
Quem compromete a soberania, o desenvolvimento e os direito dos quilombolas não é o sujeito que ocupa a presidência da república. Quem compromete tudo isso são os leitores dessa figura e seus patrões golpistas.
Enquanto ficarmos centrando fogo nessa figura tosca,que foi colocada aí para isso mesmo, mais e mais o país sera destruído.
O Pais ja é uma idiocracia, com os fascistas tomando conta do Pais. E pessoas como o professor norte-americano Sean Mitchell tem mais respeito e da valor a “esse lixo”, como Bolsonaro ja se referiu ao Brasil, do que a “elite” daqui.