O bode expiatório brasileiro, por Abrão Slavutsky

Foto: Brasil 247.

do Psicanalistas pela Democracia

O bode expiatório brasileiro

por Abrão Slavutsky

Escutei muitas vezes que os judeus são o bode expiatório. Tardei em entender o que o judeu tinha a ver com o bode. No livro Levítico da Bíblia (16:7-22) está escrito que no Dia da Expiação, Yom Kippur, também chamado de Dia do Perdão dos judeus, o Sumo Sacerdote levava dois bodes ao Templo. Um era sacrificado pelos pecados do povo e o outro era a quem se transferiam os pecados do povo. Depois esse bode era solto no deserto. Agora os judeus religiosos usam galinhas na véspera de Yom Kippur, e quando criança vivi esses rituais. Não era agradável ter um galo agitado acima da cabeça enquanto eram feitas rezas.

A expressão bode expiatório passou a expressar o que havia de pior na gente projetado nos outros. Os outros são os diferentes, os estranhos, estrangeiros. Na Idade Média, os judeus se transformaram no bode expiatório preferido. Também as mulheres, através das sábias bruxas e feiticeiras, foram castigadas e mortas nas fogueiras. O mesmo ocorreu com os negros na longa escravidão das Américas. Nas famílias e nas escolas, podem escolher uma vítima para atacar. O mesmo com os LGBT, que tantas vezes são maltratados. O ódio é poderoso e precisa de vítimas para gozar. Lembrem a música “Geni” do Chico Buarque: “Joga pedra na Geni, joga bosta na Geni”. Montaigne, em seus Ensaios, escreve que os tiranos empregam sua arrogância para prorrogar a morte de seus inimigos e assim saborear sua vingança.

O bode expiatório é a projeção inconsciente de tudo que é ruim no outro. A projeção é uma defesa arcaica que se encontra nos seres humanos, mas em particular na paranoia. Faz parte da condição humana esse comportamento, como ocorre nas superstições. Um exemplo é o pobre número treze, que não tem culpa alguma de ser chamado de treze, mas está marcado como número do azar.

Hoje escrevo pensando num dos bodes expiatórios do Brasil, que é Lula. Lembro o porteiro de um prédio que me disse há anos: “Tudo que desejo é ver Lula na prisão”. Fiquei impressionado por ele ser alegre e de repente ter irrompido seu ódio. Lula saiu do governo com 83 por cento de aprovação da população após oito anos de dois mandatos. Foi reconhecido aqui e no mundo pelas melhorias sociais na saúde, na educação e na dignidade que seus governos geraram a milhões e milhões de pobres. O Brasil cresceu economicamente uma média de 4% ao ano. Houve erros graves nos governos do PT e no partido. Falei com militantes abatidos com os destinos partidários desde o mensalão. O PT, ao chegar ao poder, tentou se sustentar como fazem todos os partidos e errou o caminho. Não é fácil governar para o povo numa sociedade comandada por elites que só pensam nos seus auxílios e vantagens. O ódio a Lula e à esquerda cresceu ano a ano, silenciosamente, até o golpe de 2016.

Lula foi marcado como ladrão e corrupto, pois essas palavras foram repetidas milhões de vezes em todas as mídias. Os demais são quase esquecidos. Dá a impressão de que alguns juízes agem em estado de exceção e invocam a teoria do domínio do fato que nunca foi usado no Brasil. Prenderam o Lula por um triplex que nunca foi dele. O juiz líder do processo conviveu com líderes do PSDB e agora ingressou no novo ministério do presidente recém-eleito, e tudo parece normal! E ele se vende como sendo técnico, não político, o que já é a melhor piada do ano. Todorov afirmaria que os inimigos íntimos da democracia tomaram conta do poder.

Hoje cresce o apoio internacional pela liberdade de Lula. Noam Chomsky, o famoso cientista e pensador, disse ao visitá-lo na prisão: “Lula é o mais eminente preso político mundial”. Grandes líderes europeus e da América já foram prestar sua solidariedade a ele, juntamente com os artistas e acampados solidários ao ex-presidente.

Norberto Bobbio escreveu: “O fascista fala o tempo todo em corrupção. Fez isso na Itália em 1922, na Alemanha em 1933 e no Brasil em 1964. Ele acusa, insulta e agride como se fosse puro e honesto”. Bobbio pode exagerar, mas tem que ser levado em conta quando se trata de política.

É pequeno ou nulo nosso poder de influência sobre a prisão de Lula. Escrevo agora para lembrar que o humanismo está ferido e sonhar é mais do que preciso. Na tristeza podemos voar para Pasárgada com Manuel Bandeira. E lembrar que estão do nosso lado os artistas, os cientistas, os médicos como Drauzio Varela, e Mujica, Mandela, Olívio, Marielle, 45 milhões de brasileiros e a solidariedade internacional que crescerá.

Redação

2 Comentários

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  1. “Um exemplo é o pobre número

    “Um exemplo é o pobre número treze, que não tem culpa alguma de ser chamado de treze, mas está marcado como número do azar.”

    _Mais uma prova de que quem está por trás desse GOLPE são os americanos. embora tenham grande aparato tecnológico e científico eles são altamente superticiosos, a ponto de em seus edifícios não possuir o 13º andar. Ora, o número do PT é o 13, que na cabeça deles deve ser o seu azar… portanto deve ser errediacado o quanto antes. Eis aí a razão disso tudo.

    _Já pensaream um país desenvolvido sob o número 13,  hein!!

    _A psicanálise deve elucidar. Só Freud explica.

  2. Nem Lacan nem Freud dão conta de tanta fissura

    Que o PT bode expiatorio da corrupção esta claro para todos. O problema é como o PT sai dessa armadilha e tira Lula da prisão…

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