O alto desemprego vai explodir se continuar a política atual, por José Dari Krein e Pietro Borsari

A insistência nas políticas de ajuste fiscal e de progressivas ondas de reforma trabalhista e previdenciária não cumpriram as promessas de incrementar a economia e gerar empregos

Foto RBS

do blog Trabalho e Reforma Trabalhista

O alto desemprego vai explodir se continuar a política atual[1]

José Dari Krein[2] e Pietro Borsari[3]

A crise sanitária global da Covid-19 chega ao Brasil em contexto de baixo dinamismo econômico. Isto se reflete nos números do mercado trabalho do último trimestre de 2019: 16,2 milhões de desempregados (aberto e desalento) e 6,7 milhões de subocupados por insuficiência de horas, além da alta informalidade (40% dos ocupados). Ao contrário da narrativa do governo, a economia não estava “decolando”[4] antes da pandemia. A construção civil desacelerou no 3º tri de 2019 e apresentou queda de 2,5% no trimestre seguinte. Em fevereiro de 2020, o setor de serviços caiu 1% em relação ao mês anterior e a taxa acumulada de 12 meses do PIB estava em 0,7%.  A produção industrial teve queda 1,1% em 2019 e, em março/2020 recuou fortemente (-9,1%)[5]

Os novos dados da PNADC (IBGE) – primeiro trimestre de 2020, mostram fundamentalmente um cenário prévio à pandemia e confirmam a contínua deterioração do mercado de trabalho:

i. Aumento de 1,3 p. p. na taxa de desocupação (está em 12,2%) quando comparada com o último trimestre (redução de 0,5 p. p. em relação ao 1º tri 2019);

ii. Frágil capacidade na criação de novas vagas: foram reduzidas 2,3 milhões em relação ao trimestre anterior, ou seja, a dinâmica de criação de empregos, que já era fraca, piora no começo de 2020;

iii. Taxa de subutilização de 24,4%, que é maior em relação ao último trimestre (23%) e menor em relação ao 1º tri 2019 (25%), totalizando, 27,6 milhões de pessoas, sendo 12,9 mi desocupadas, 6,5 mi subocupadas por insuficiência de horas e 8,3 mi na força de trabalho potencial (desalentadas ou não), o que significa dizer que, em certo sentido, faltou trabalho para 27,6 milhões de pessoas;

iv. A elevada taxa de informalidade, traço marcante do mercado de trabalho brasileiro, continuou no elevado patamar dos 40% da população ocupada. Houve queda de 7% de empregados sem carteira assinada no setor privado (832 mil pessoas) em relação ao trimestre anterior, representando a primeira redução desde 2016 neste tipo de ocupação, o que , junto ao trabalho por conta própria, demonstra uma reativação precária do emprego nos últimos 5 anos. Por não se tratar de um processo de formalização do emprego, sinaliza apenas o agravamento do desemprego que se anuncia para os próximos meses. A queda reflete como os informais estão em uma condição vulnerável;

v. A população fora da força de trabalho bateu recorde ao atingir 67,3 milhões de pessoas, representando crescimento tanto em relação ao trimestre anterior (2,8%) quanto ao mesmo trimestre de 2019 (3,1%). Este contingente expressa a parcela da população que não está ocupada e tampouco procurando emprego, o que em tempos de crise configura uma perspectiva bastante ruim para as famílias brasileiras. A condição de estar fora da força de trabalho atinge mais acentuadamente as mulheres, que representam 64,7% do total, no final de 2019 (últimos dado disponível). Tão grave quanto é o cenário para as pessoas negras fora da força de trabalho, visto que 42,3% delas viviam, em 2019, com rendimento domiciliar per capita de até meio salário mínimo.

Os dados expressam a permanência do quadro de um mercado de trabalho desestruturado, que não se recuperou da crise de 2015/2016. As orientações políticas encaminhadas pelos governos para enfrentar a crise do emprego não trouxeram bons resultados. A insistência nas políticas de ajuste fiscal e de progressivas ondas de reforma trabalhista e previdenciária não cumpriram as promessas de incrementar a economia e gerar empregos  e o desemprego só não foi maior no período pois uma parte importante dos atuais ocupados tiveram que “se virar” no trabalho por conta própria e na informalidade.

Mas a tendência é muito pior. Os efeitos econômicos da crise sanitária vão se expressar de forma desastrosa nos números do mercado de trabalho nos próximos meses e a atuação das autoridades públicas para preservar a renda tem se mostrado lenta e insuficiente. O Auxílio Emergencial de R$ 600,00 por três meses destinados aos desempregados, MEI e trabalhadores informais é um exemplo disso. Trata-se de uma medida morosa e muitíssimo aquém do necessário (na duração e no montante) para amparar a população mais vulnerável, inclusive quando comparada a outros países.

No setor formal, até o dia 10 de maio cerca de 6,6 milhões de vínculos de trabalho foram contemplados pelo “Programa emergencial de manutenção do emprego e da renda”, do Ministério da Economia (MP 936). Essa medida constrange, em um primeiro momento, a despedida em massa desses trabalhadores, ao viabilizar a suspensão do contrato de trabalho e a redução de jornada e salário. Constituiu uma alternativa mais barata para as empresas frente o pagamento das verbas rescisórias, caso optassem por despedir. No entanto, ainda que essa e outras tímidas ações do governo[6] tenham por objetivo preservar os empregos formais, o cenário mais provável é que esteja ocorrendo apenas um adiamento das despedidas. As medidas têm curto prazo de vigência, caso não sejam prorrogadas; impactam a demanda agregada no período subsequente, dada a redução na massa salarial[7]; e não representam de fato a proibição das despedidas, visto que o empregador não está desimpedido de quebrar o vínculo de trabalho, podendo fazê-lo mediante pagamento de multa (caso tenha aderido ao programa), após o período de carência ou, ainda, simplesmente por não participar do programa.

Assim, embora o número de solicitações de seguro-desemprego tenha apresentado um incremento moderado de 22% em abril (comparado com mesmo período no ano anterior), esse número se deve, em parte, às dificuldades na solicitação do benefício[8], que antes era nos postos do SINE e agora é por internet. Problemas similares nos aplicativos vêm ocorrendo desde 2019, como pode ser observado nas longas filas dos que buscam acessar os benefícios sociais.

Escalada do desemprego

Há grande incerteza sobre o tamanho do impacto negativo que a crise vai gerar sobre a economia e os empregos no Brasil[9]. Consideramos que ainda é cedo para fazer uma previsão muito precisa, porém os cenários pessimistas das estimativas (taxa de desemprego mais próxima de 20% do que 15%, ao final do ano) parecem fazer mais sentido diante da velocidade que o processo de paralisação das atividades tem acontecido. Provavelmente será uma crise prolongada e com recuperação lenta após pandemia, em meio de transformações tecnológicas e do modo de vida. E, principalmente, se continuarem prevalecendo as atuais orientações de política econômica de austeridade fiscal e de diminuição do sistema de proteção social e dos direitos.

A situação trágica que se apresenta para a questão do emprego e da renda no país não significa a flexibilização das medidas de isolamento social. Ao contrário, coloca-se a necessidade da atuação do Estado de forma mais incisiva no combate à epidemia de acordo com as melhores práticas sanitárias internacionais, acompanhada necessariamente da garantia de renda e emprego para toda a população.

A ideia de que a economia seria reativada com a liberação das atividades é uma ilusão. Neste momento, o cenário de incerteza aberto pela crise instituiu uma insegurança generalizada nos agentes econômicos. As empresas não vão investir ou contratar, as famílias vão se resguardar e conter os gastos, os desempregados e vulneráveis vão fazer o possível para sobreviver. Em outros termos, o consumo, o investimento e a exportação estão seriamente deprimidos, e “liberar atividades” só agravará a disseminação da Covid-19 e o colapso do sistema de saúde. Cabe ao Estado sustentar minimamente a capacidade de consumo das famílias e de solvência das empresas, como forma de contar a depressão econômica e permitir que o isolamento social (e a vida) seja efetivamente um direito para todos.

[1] Versão ampliado do artigo cf. http://www.cesit.net.br/pandemia-e-desemprego-analise-e-perspectivas/

[2] Pesquisador do CESIT, Professor do Instituto de Economia/UNICAMP, da REMIR – Rede de Estudos e Monitoramento Interdisciplinar da Reforma Trabalhista e do GT Mundos do Trabalho: Reformas.

[3] Doutorando do CESIT (Instituto de Economia/UNICAMP), pesquisador da REMIR – Rede de Estudos e Monitoramento Interdisciplinar da Reforma Trabalhista e do GT Mundos do Trabalho: Reformas

[4] Ver artigo do economista Pedro Paulo Z. Bastos: https://www.cartacapital.com.br/opiniao/economia-brasileira-nao-estava-decolando-antes-do-coronavirus/

[5] https://www.iedi.org.br/artigos/top/analise/analise_iedi_20200505_industria.html

[6] Para ver as diversas medidas do Governo em relação ao trabalho, ver: http://www.cesit.net.br/medidas-para-o-trabalho-no-contexto-de-pandemia-um-atentado-contra-a-razao-humana/

[7] Dois estudos projetam um cenário de que a queda da massa salarial pode variar entre 9% a 27%. Caso se viabilizem as projeções do governo, a queda mensal será em torno de 8,9 bilhões, o que puxará para baixo a demanda no curto prazo, como já indica a pesquisa do IBGE no primeiro trimestre de 2020, com a queda de 2,9 bilhões de reais na massa de rendimentos. Ver (1) http://www.cesit.net.br/proposta-do-governo-de-reducao-de-jornada-e-de-salarios-vai-empurrar-o-pais-para-a-depressao-economica/; e (2) https://www.eco.unicamp.br/images/arquivos/nota-do-cecon-MP936-F2.pdf

[8] Ver: (1) https://tribunadepetropolis.com.br/trabalhadores-enfrentam-dificuldade-em-solicitar-seguro-desemprego; (2) https://agora.folha.uol.com.br/grana/2020/04/seguro-desemprego-tem-falhas-no-aplicativo-e-trabalhadores-ficam-sem-receber.shtml; e (3) https://brasil.elpais.com/economia/2020-04-30/ha-mais-de-um-mes-tento-pedir-o-seguro-desemprego-na-internet-a-fila-dos-sem-qualquer-beneficio-na-pandemia.html

[9]O FMI estima que o PIB irá contrair 5,3% e o desemprego chegará até 14,7% em 2020: https://oglobo.globo.com/economia/fmi-pib-do-brasil-encolhera-53-desemprego-chegara-147-neste-ano-1-24370004;  O Instituto Brasileiro de Economia da FGV, assinalada previsão de queda menor para o PIB, 3,4%, porém com taxa de desemprego mais elevada, 17,8%:  https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/04/24/taxa-de-desemprego-media-deve-subir-para-178percent-neste-ano-projeta-fgv.ghtml;  As previsões do Grupo de Indústria e Competitividade da UFRJ consideram que o PIB deve variar entre -3,1% e -11,0% e o desemprego pode atingir de 16,7% a 26,3%, para o cenário mais otimista e o mais pessimista, respectivamente. A estimativa do desemprego total foi baseada na queda do total de ocupações projetada pelo documento “Impactos macroeconômicos e setoriais da Covid-19 no Brasil”, IGC/ IE – UFRJ, que pode ser acessado em: https://www.ie.ufrj.br/images/IE/home/noticias/GIC_IE%20Avaliacao%20Impactos%20C19%20v04-05-2020%20final.pdf

Redação

1 Comentário

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  1. Tudo isto pois Bolsonaro quer manter uma política econômica depressiva, não quer injetar dinheiro público de forma organizada e decente (ao contrário da sua política, sempre grata aos bancos).
    Neoliberalismo é economia de dinheiro louco, especulativo e improdutivo. Na hora que quebra, sempre está de pires na mão.
    Agora, se você agisse (os neolibelos sabem disso muito bem) tal qual o FMI “você quer dinheiro, mas terá uma série de políticas e contrapartidas”, eles responderiam “ei, ei, não é bem isso o que a gente disse.”
    O mercado não quer contrapartidas nem responsabilidades.

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