O Paradoxo entre Democracia e Desigualdades, por Pedro Cavalcante

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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O Paradoxo entre Democracia e Desigualdades

por Pedro Cavalcante

“Nós podemos ter democracia ou nós podemos ter concentração de riqueza nas mãos de poucos, mas não podemos ter os dois”. Essa célebre frase do Juiz da Suprema Corte norte-americana Louis Brandeis (1856 -1941) não apenas se mantém atual como reforça um grande paradoxo que os países democráticos desenvolvidos e, principalmente, emergentes ainda não conseguiram superar. Se de um lado, os processos de democratização têm evoluído, tanto mediante a ampliação dos mecanismos representativos tradicionais quanto pela demodiversidade de procedimentos que incorporam novas formas físicas e virtuais de participação política. De outro, a lógica democrática não necessariamente vem gerando alteração na distribuição de riquezas dessas sociedades.

No caso brasileiro, alguns aspectos agravam esse dilema. Primeiro, a redução significativa da pobreza e miséria nas últimas duas décadas, devido às políticas focalizadas de transferência de renda e da política de aumento real do salário mínimo, não alteraram efetivamente os níveis de desigualdades do país. Estudos recentes de pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e do Laboratório de Desigualdade Mundial (World Inequality Lab), liderados pelo economista Thomas Piketty, indicam que a situação da concentração de renda no Brasil se manteve similar ao observado internacionalmente, ou seja, estável com um pequeno agravamento após a crise financeira de 2008. No entanto, o padrão de desigualdade brasileiro é notoriamente um dos maiores do mundo que nos aproxima mais das nações do Oriente Médio do que das desenvolvidas. 

Esse cenário, todavia, não parece sensibilizar o atual governo que não inclui o tema na agenda prioritária ou os principais pré-candidatos a presidência da República que, com raríssimas exceções, posicionaram o problema nas suas plataformas eleitorais. Esse fato chama atenção, sobretudo, porque a pesquisa recente do Ibope/CNI sinalizou que a redução da desigualdade é uma das principais prioridades que os brasileiros gostariam que fosse o foco do futuro presidente. Logo, nota-se uma nítida dissociação entre as preferências dos eleitores e candidatos.

Naturalmente, não se trata de uma questão trivial. A desigualdade é considerada um típico wicked problem, termo ainda sem tradução para o português, que significa um problema multicausal, complexo, transversal e sem soluções simples. Não obstante, é crescente o consenso entre acadêmicos e organismos multilaterais, como Cepal e OCDE, que o caminho da equidade pressupõe ao menos quatro frentes principais – necessárias e complementares, são elas:

  1. Política tributária: elevar a taxação sobre renda, lucro e capital com efeitos progressivos e, em paralelo, reduzir os impostos sobre bens e serviços que possuem um caráter regressivo, ou seja, cobram proporcionalmente mais de quem tem menos;

  2. Formação de Capital Humano: ampliação constante de investimentos em todas as fases da trajetória educacional da população e em ciência e tecnologia. Obviamente, os desníveis educacionais, por exemplo entre negros e brancos, impactam nas desigualdades de renda entre esses grupos populacionais. Logo, não é necessário apenas mais recursos, mas também focar em ações que reduzam defasagens históricas como essa;

  3. Mercado de trabalho: ênfase em políticas que aumentem o emprego e a formalização do trabalho, o que tende a elevar salários e benefícios dos segmentos menos privilegiados da economia;

  4. Seguridade Social: aumento dos gastos sociais com focalização em políticas distributivas para as famílias de baixa renda, em detrimento às concessões de benefícios e isenções previdenciárias a setores econômicos estruturados e aos altos salários da elite do serviço público.

A implementação desse conjunto de políticas públicas pressupõe uma ampla concertação entre atores políticos centrais dentro de uma perspectiva estratégica de longo prazo, mas as experiências de nações desenvolvidas indicam que esta trajetória vale a pena e tende a gerar padrões civilizados de desigualdade. O paradoxo, no caso nacional, é que, embora se observem avanços na participação democrática, reconhecimento da população acerca da relevância da priorização do problema a ser enfrentado e certo consenso sobre as soluções disponíveis, o tema esteja fora da agenda governamental ou das plataformas dos principais candidatos. 

Vale lembrar que é cada vez mais convergente, inclusive entre os economistas neoclássicos, que as desigualdades, em geral, trazem mais prejuízos que benefícios ao desempenho das nações e as afastam do desenvolvimento econômico e social sustentável. Portanto, justamente nas comemorações dos 30 anos da CF de 1988 que tem como objetivo fundamental a redução das desigualdades, negligenciar esse tema no debate presidencial que se avizinha é no mínimo preocupante.

Pedro Cavalcante – Doutor em Ciência Política e Professor de Pós-graduação da UnB, Enap e Idp.
Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

1 Comentário

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  1. Nossa mãe

    O atual desgoverno faz exatamente o iposto dos 4 pontos. Isso me leva a crer que o objetivo deste desgoverno seja exatamente anti democratico!

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