O poder discricionário da imprensa, por Luciano Martins Costa

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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do Observatório da Imprensa

O poder discricionário da imprensa, por Luciano Martins Costa

O noticiário do fim de semana oferece aos estudiosos da mídia informativa um campo fértil para entender alguns dos dilemas da comunicação no nosso tempo. Para toda informação selecionada pelo sistema da imprensa hegemônica há uma contrainformação ou uma variedade de alternativas que podem oferecer interpretações diversas ou opostas ao que propõe a mídia tradicional. Então, por que predomina no imaginário da maioria a versão específica da imprensa?

Por exemplo, no caso da desastrada viagem de políticos brasileiros da oposição à Venezuela, a versão dos jornais, segundo a qual eles tiveram sua movimentação tolhida no caminho entre o aeroporto de Caracas e os endereços que pretendiam visitar, é colocada em dúvida por outras fontes, que dão conta de um trivial engarrafamento de tráfego. A insistência dos parlamentares em dizer que foram abandonados pelo embaixador brasileiro esbarra no esclarecimento de que o Itamaraty nunca lhes havia oferecido essa assistência.

Outro tema, o da possível rejeição de contas do governo federal por parte do Tribunal de Contas da União, se esvazia com a nota técnica pela qual o ex-secretário do Tesouro Arno Augustin se responsabiliza por operações tidas como irregulares, tira a presidente Dilma Rousseff da mira e a exime de ter que responder por manobras que melhoraram o resultado do balanço orçamentário de 2014.

Por outro lado, as acusações que levaram à prisão de executivos de duas das maiores empreiteiras do país, inclusive os presidentes das empresas, são colocadas em dúvida por esclarecimentos publicados pelo grupo Odebrecht em anúncio pago publicado nos jornais de segunda-feira (22/6).

Em cada um desses temas, que compõem a agenda proposta pela mídia tradicional e multiplicada no universo hipermediado das interações digitais, o único fator que consolida uma versão e marginaliza as demais é a escolha do editor. Por consequência, aquilo que o público em geral considera como verdade é apenas uma das possibilidades de cada evento noticiado, definida pelo viés da imprensa.

Ou alguém tem dúvida de que, se o empresário Marcelo Odebrecht estivesse sendo investigado por obras no metrô de São Paulo, ele estaria respondendo a um eventual processo em liberdade?

E mais: que esse assunto estaria enterrado, assim como outros casos de corrupção, como o escândalo da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano de São Paulo, que foi esquecido pela mídia?

Condenações a priori

As discussões sobre a condução de processos que ganham holofotes na imprensa são inconclusivas, não apenas porque o jornalismo declaratório reflete o interesse da mídia tradicional, mas também porque altera o poder discricionário dos investigadores e da Justiça.

Essa relação convergente entre o desejo do investigador e do julgador – de ver confirmadas suas suposições – e a oferta, pela mídia, de um aval para essas versões, cria uma lente que pode distorcer os fatos. Por isso, é interessante observar como a nota publicada pela Odebrecht (ver aqui), que ocupa meia página de jornal, insere uma quantidade considerável de dúvidas nas acusações que ocupam muitas páginas dos mesmos diários. No entanto, o que predomina no imaginário do público, com toda certeza, é a convicção de que a empresa não apenas está envolvida no esquema da Petrobras, como era o eixo principal do suposto cartel.

A imagem de um empresário poderoso algemado mexe com as emoções, e a imprensa sabe manipular esse “espírito da Bastilha”. Alguns teóricos da comunicação observam que a mídia tradicional ganha uma espécie de sobrevida justamente quando exerce o papel de ancorar alguns aspectos das múltiplas informações que formam o ambiente hipermediado. Essa é uma função diversa daquela tradicional, de mediar os fatos tidos como relevantes.

O jornal Valor Econômico contribui para o entendimento de como se dá essa ancoragem, na reportagem principal do caderno especial de fim de semana, sobre como o foco se transforma em artigo de luxo no ambiente saturado de informação.

Ao selecionar os elementos que serão inseridos na agenda pública, e definir a versão predominante dos fatos, a imprensa está exercendo um poder discricionário – de prender o foco do público em um aspecto específico de acontecimentos complexos.

A imagem dos empresários algemados significa uma condenação a priori. Nesse contexto, a liberdade de imprensa, exercida com um viés específico, se reverte em cerceamento de outras liberdades, como o direito de alguém demonstrar que está sendo injustamente acusado de um crime.

Ao contrário do que costumam dizer os representantes da mídia tradicional, o exercício discricionário desse poder atenta contra o direito à informação.

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

2 Comentários

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  1. O pior é que a Oldebrecht é

    O pior é que a Oldebrecht é tão forte que a justiça da república do Paraná resolveu pedir ajuda ao tio Sam. Quê?! ?!!! Que enredo mais idiota e mais pitoresco. A cada dia a lava jato  enfia o pé na jaca e como não tem justificativa, cria um fato novo. Isso é demonstração de quão fraca e enrolada  é essa investigação. Nada mais adequado do que a identificação irônica que Ricardo Mello deu ao Moro. Ele é o agente 86. Só pode.

  2. Tudo bem. A liberdade de

    Tudo bem. A liberdade de imprensa no país está sendo instrumentalizada para fins outros que não os de bem informar e esclarecer a população. Mas desde quando foi diferente? Aliás, esse poder discricionário já foi bem maior. Para atenuá-lo hoje temos mídias alternativas em tempo real. 

    Parece-me que tal qual o articulista os críticos da imprensa hiper dimensionam essa produção jornalística tipo prêt-à-porter, ou seja, feita sob encomenda para influir no processo político e econômico. Menos como uma demonstração de uma força que jaz ao longo do caminho e mais como um esforço para sobreviver. 

    A imprensa tradicional é um fantasma que anda. O questionamento mais incisivo deve ser para cima dos agentes públicos que se deixam influenciar ou pautam suas ações por medo ou simples chaleirismo. A imprensa, noves fora a questão ética, atua no seu vasto, imenso, quase infinito espaço concedido pela Constituição. 

     

     

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