Gilberto Maringoni
Gilberto Maringoni de Oliveira é um jornalista, cartunista e professor universitário brasileiro. É professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC, tendo lecionado também na Faculdade Cásper Líbero e na Universidade Federal de São Paulo.
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O problema da indústria na Venezuela, por Gilberto Maringoni

O problema da indústria na Venezuela vai muito além da "falta de vontade política" e adentra a seara das condições estruturais de uma economia lastreada na renda petroleira.

O problema da indústria na Venezuela

por Gilberto Maringoni

A economia venezuelana enfrenta um problema secular: a indústria de transformação praticamente inexiste e o petróleo funciona como enclave. Gigantesco, mas enclave. Gera poucos empregos – cerca de 100 mil numa população de 32 milhões de habitantes – e tem pequeno efeito multiplicador interno. Ou seja, por suas características, é uma atividade de exportação, que impulsiona poucos negócios no próprio país. Apesar de ser a principal fonte de divisas, atua como inibidor de outras atividades produtivas.

Assim, é quase impossível instalar uma indústria de bens duráveis na Venezuela sem integração regional e/ou sem um Estado verdadeiramente interventor na economia, padrão New Deal para cima. Os entraves são variados:

1. Há o problema cambial (doença holandesa). Quando o petróleo está em alta – e jorram excedentes na balança comercial – a sobreapreciação cambial inviabiliza o investimento e a produção interna, pela alta dos custos em moeda forte. O país passa a ter propensão a importar. Quando os preços desabam, não há dinheiro para investir. O caso é tratado no estudo de Celso Furtado (1957), “Venezuela, subdesenvolvimento com abundância de divisas”, editado em 2008 pela Contraponto.

2. Mesmo que essas dificuldades não existissem, o mercado interno mostra-se diminuto para comportar, por exemplo, uma indústria automobilística. A demanda não compensa o investimento. Para se tornar uma plataforma de exportação, voltamos ao problema cambial do item anterior;

3. O Estado venezuelano construiu, em 1953, durante a ditadura desenvolvimentista do general Pérez Jiménez – o Geisel deles – a Siderúrgica del Orinoco, em Ciudad Guayana. Eu a visitei, em 2005. Nunca encontrei os dados oficiais, mas diziam que em seu auge, a companhia empregava 60 mil (!) operários em toda a sua cadeia produtiva. Foi privatizada em 1997, no governo Rafael Caldera. Quando Chávez a reestatizou em 2008, trabalhavam ali 14 mil operários. Foi desativada no início deste ano. Era uma similar à CSN. Produzia placas, chapas e outras peças metálicas como insumo para a indústria. A demanda nunca correspondeu ao investimento feito;

4. A integração regional era uma possível saída desde que houvesse complementariedade nas cadeias produtivas dos países e desde que – mais uma vez! – se vencesse o problema cambial. Talvez isso pudesse ser feito se o Fonden (Fondo Nacional para el Desarrollo Nacional) funcionasse como os fundos chineses, que mantém parte do excedente externo fora do país e atuasse como regulador último do câmbio, depois das reservas em poder do Banco Central. Isso jamais aconteceu.

5. A partir de 2010-12, Chávez tentou trazer indústrias chinesas de bicicletas e de informática (computadores e celulares) para o país. Aqui também as oscilações cambiais mostraram-se um obstáculo. Vieram maquiladoras desses produtos.

Assim, o problema da indústria na Venezuela vai muito além da “falta de vontade política” e adentra a seara das condições estruturais de uma economia lastreada na renda petroleira.

Gilberto Maringoni

Gilberto Maringoni de Oliveira é um jornalista, cartunista e professor universitário brasileiro. É professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC, tendo lecionado também na Faculdade Cásper Líbero e na Universidade Federal de São Paulo.

18 Comentários

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  1. Resumindo: Não há possibilidade de sobrevivência de nenhum País, mesmo que tenha dinheiro? Ùnica solução é entregar nossa economia aos Países ricos para que eles nos mandem a COMIDA NOSSA DE CAda dia? Então tá.

  2. Cada país pode desenvolver as opções que quiser, desde que seja feito um planejamento adequado e busque explorar suas potencialidades. A Venezuela sempre serviu para atender aos interesses das grandes multinacionais do petróleo e à pequena burguesia que domina a economia. A partir do momento que determinar suas melhores opções e iniciar o processo de desenvolvimento, com certeza obterá os resultados previstos, agregando a população no processo, tendo um recurso finito – petróleo – como base. Importante é manter seus recursos sob controle do povo. Neoliberalismo só é rentável para os exploradores externos.

    1. Vejam o Irã! Hoje em dia os norte-americanos já tem medo dos sistemas de mísseis iranianos, produzidos com tecnologia iraniana e fabricados naquele país.
      Ou seja, indústria de ponta, da qual podem derivar diversas atividades civis.

  3. O problema não é o Maduro, e o Golpista Guaidó não é a solução, muito pelo contrário, ele só vai piorar o problema: o problema é o capitalismo e a solução é o socialismo real, isto é, a expropriação dos meios de produção e o controle da produção pela classe trabalhadora.

      1. Desde Ícaro até Santos Dumont, as tentativas de vôo humano só tinham resultado em fracassos e tragédias. Se Santos Dumont tivesse perguntado onde deu certo o homem alçar vôo, ele teria voado?

        “Essa «alienação» – para que a nossa posição seja compreensível para os filósofos – só pode ser abolida mediante duas condições práticas. Para que ela se transforme num poder «insuportável», quer dizer, num poder contra o qual se faça uma revolução, é necessário que tenha dado origem a uma massa de homens totalmente «privada de propriedade», que se encontre simultaneamente em contradição com um mundo de riqueza e de cultura com existência real; ambas as coisas pressupõem um grande aumento da força produtiva, isto é, um estádio elevado de desenvolvimento. Por outro lado, este desenvolvimento das forças produtivas ( que implica que a existência empírica atual dos homens já decorra no âmbito da história mundial e não no da vida local ) é uma condição prática prévia absolutamente indispensável, pois, sem ele, apenas se generalizará a penúria e, com a pobreza, recomeçará paralelamente a luta pelo indispensável e cair-se-á fatalmente na imundície anterior. Ele constitui igualmente uma condição prática sine qua non, pois é unicamente através desse desenvolvimento universal das forças produtivas que é possível estabelecer um intercâmbio universal entre os homens e porque, deste modo, o fenômeno da massa «privada de propriedade» pode existir simultaneamente em todos os países (concorrência universal), tornando cada um deles dependente das perturbações dos restantes e fazendo com que finalmente os homens empiricamente universais vivam de fato a história mundial em vez de serem indivíduos vivendo numa esfera exclusivamente local. Sem isto: 1.) o comunismo só poderia existir como fenômeno local; 2.0) as forças das relações humanas não poderiam desenvolver-se como forças universais e, portanto, insuportáveis continuando a ser simples «circunstâncias» motivadas por superstições locais; 3º) qualquer ampliação das trocas aboliria o comunismo local. O comunismo só é empiricamente possível como ação «rápida» e simultânea dos povos dominantes, o que pressupõe o desenvolvimento universal das forças produtivas e as trocas mundiais que lhe estejam estreitamente ligadas”. – Karl Marx, Ideologia Alemã

        “As revoluções burguesas, como as do século XVIII, avançam rapidamente de sucesso em sucesso; seus efeitos dramáticos excedem uns aos outros; os homens e as coisas se destacam como gemas fulgurantes; o êxtase é o estado permanente da sociedade; mas estas revoluções têm vida curta; logo atingem o auge, e uma longa modorra se apodera da sociedade antes que esta tenha aprendido a assimilar serenamente os resultados de seu período de lutas e embates. Por outro lado, as revoluções proletárias se criticam constantemente a si próprias, interrompem continuamente seu curso, voltam ao que parecia resolvido para recomeçá-lo outra vez, escarnecem com impiedosa consciência as deficiências, fraquezas e misérias de seus primeiros esforços, parecem derrubar seu adversário apenas para que este possa retirar da terra novas forças e erguer-se novamente, agigantado, diante delas, recuam constantemente ante a magnitude infinita de seus próprios objetivos até que se cria uma situação que toma impossível qualquer retrocesso e na qual as próprias condições gritam:

        Hic Rhodus, hic salta!
        Aqui está Rodes, salta aqui!”

        Marx, 18 Brumário

  4. Há sim uma saída, porém não a curto prazo. Investimento maciço em educação formando núcleos de excelência em áreas puntuais que exijam industrialização.

        1. Não. Por isso ele não pediu empréstimos a bancos, oferecendo a demanda como garantia. Pagou tudo de seu bolso, arriscando somente a si próprio. Mas os reformadores socialistas só arriscam aos outros.

  5. Nada do que está acontecendo atualmente na Venezuela é novidade. Nos últimos cem anos, a história deste país tem sido uma sucessão de espasmos: surtos de prosperidade quando o preço do petróleo sobe, seguidos de recessão, desordem e queda do governo quando o preço do barril cai. Ignoro se houve tentativas sérias de diversificar a economia.

  6. O Pedr Mundim quer saber em que país a expropriação dos expropriadores pelos trabalhadores deu certo. Bem. Deu certo no Haiti, na Serra Leoa, no Nepal, na IIndia, entre tantos outros países capitalistas.

    Até a invenção do avião, muitissimas tentativas do homem voar terminaram em fracasso. Voar, hoje, é a coisa mais normal do mundo. E se Santos Dumont tivesse desistido em razão dos fracassos anteriores?

  7. Possivel esquecer que sanções impostas pelos Estados Unidos entre 2013 e 2017 causaram à Venezuela um prejuízo superior a 300 bilhões de dólares e o fechamento de milhoes de postos de trabalho, correspondente a quase 25% da população ativa do país? Trump só piorou.
    O estudo abaixo corrobora os números acima e amplia um pouco a discussao sobre as razões do colapso na economia venezuelana, considerando inclusive suas tentativas de proteção cambial.
    https://www.celag.org/las-consecuencias-economicas-del-boicot-venezuela/
    Por fim, se considerarmos que o próprio universo precisou apenas de energia e espaço para sua criação, será tão complicado criar demanda num país?

  8. O que, na visão do Pedro Mundim, é frcasso do socialismo não passa de uma etapa da marcha triunfal do socialismo. Basta folhear a Ideologia Alemã e o 18 Brumário, obras de Marx, para ter uma visão real da realidade.

    O Socialismo tirou o Leste Europeu e o Norte da Asia do atraso milenar em que essas regiões se encontravam, trazendo-as para a vanguarda da história em pouquíssimo tempo e contra a hostilidade de todo o mundo capitalista.

    1. 60 anos atrás, o leste europeu estava bem à frente do extremo ocidente europeu, onde Portugal, Espanha e o sul da Itália eram países pobres. Hoje em dia esses lugares estão cheios de imigrantes do leste europeu limpando latrinas. Graças ao socialismo.

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