O que está sob ataque não é um mandato, mas a democracia, por Janio de Freitas

Por Janio de Freitas

Em nome da democracia

Na Folha

“Isso é democracia”. Não é, não. Um dos componentes essenciais e inflexíveis da democracia é o respeito às regras que a instituem. As regras existem no Brasil, precisas e claras na Constituição, mas o respeito é negado onde e por quem mais deveria fortalecê-las. O que está sob ataque não é mandato algum, são as regras da democracia e, portanto, a própria democracia que se vinha construindo.

Não há disfarce capaz de encobrir o propósito difundido por falsos democratas instalados no Congresso e em meios de comunicação: reverter a decisão eleitoral para a Presidência sem respeitar as exigências e regras para tanto fixadas pela Constituição e pela democracia. Há mais de nove meses, a cada dia surge novo pretexto em busca de uma brecha –no Congresso, em um dos diferentes tribunais, nas ruas– na qual enfim prospere o intuito de derrubar o resultado eleitoral.

O regime democrático é tratado na Constituição como “cláusula pétrea”, que se pretende com solidez granítica. O que não significa ser impossível transgredi-lo. Mas significa que quem o faça ou tente fazê-lo comete crime. E quem o comete criminoso é de fato, haja ou não a condenação que assim o defina. Tal é a condição que muitos ostentam e outros tantos elaboram para si.

A pregação de parlamentares identificáveis como um núcleo de agitação e provocação atenta contra a democracia. A excitação de hostilidades que esses parlamentares propagam pelo país é indução de animosidade antidemocrática –sem que isso suscite reação alguma, o que é, por si mesmo, indício da precária condição da democracia e da Constituição.

O que se passa hoje na Câmara, como método e objetivos da atividade, não é próprio de Congresso de regime democrático. Em muitos sentidos, restaura a Câmara controlada e subserviente da ditadura. Em outros aspectos, assume presunções autoritárias, de típico teor antidemocrático, ao ameaçar até aprovações do Senado de punitivas suspensões da sua tramitação.

Afinal, um dos focos da corrupção é arrombado. Os procuradores e juízes do caso receberam tarefa de importância extraordinária. Mas não é garantido que estejam plenamente respeitados nessa tarefa os limites das regras democráticas. À parte condutas funcionais que não cabe considerar neste sobrevoo do momento do país, é notória no grupo, e dele difundida, uma incitação a ânimos não condizentes com investigações e justiça na democracia. Pôr-se como salvadores da pátria, a partir dos quais “o Brasil agora será outro”, não é só um equívoco da ingenuidade. É uma ameaça, senão já algumas práticas, de poderes e atitudes exacerbados que fogem às regras.

Um exemplo que recebeu tolerância incompatível com sua importância: difundir informações inverídicas e sensacionalistas à imprensa, e ao país, “para estimular mais informantes” –como feito e dito por um procurador–, não é ético nem democrático. É autopermissão abusiva. E incitação a ânimos públicos que já recebem das realidades circundantes o bastante para serem exaltados.

O espírito antidemocrático não é alheio nem ao Supremo Tribunal Federal. É nele que um juiz pode impedir a conclusão de um julgamento tão significativo como o financiamento das eleições dos governantes e congressistas. Ou seja, dos que determinam os destinos do país e de seus mais de 200 milhões habitantes. Se alguém achar que é deboche, não vale a pena contestar. Mas convém lembrar que é uma evidência perfeita da prepotência primária, apenas ilusoriamente culta, que sobreviveu muito bem à ruína do seu sistema escravocrata.

Movimentos de ocupações urbanas e rurais são acusados de violar a democracia. É engano. Ilegais, sim, mas não são democráticos nem antidemocráticos. Sequer estão incluídos na democracia, desprovidos que são, todos os padecentes de grandes desigualdades econômicas sociais, de meios democráticos para obter os direitos que a Constituição lhes destina.

E os jornais, a TV, as revistas, o rádio –na verdade, os jornalistas que os fazem– nesse país que concebe a democracia como uma bola, tanto a ser chutada sempre, como a oferecer grandes e efêmeras euforias? Agradeço à sogra de um jogador de futebol, Rosangela Lyra, que me dispensa de alguns desagrados. Disse ela, à Folha, das pequenas e iradas manifestações que organiza pela derrubada do resultado da eleição presidencial: “As redes sociais amplificam e a mídia quintuplica”. Entregou. Delação de dar inveja aos gatunos da Petrobras.

“Isso é democracia” como slogan de antidemocracia só indica que o Brasil ainda não é ou já não é democracia.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

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  • Acho que esse faz jus, pois

    Acho que esse faz jus, pois deve ter centenas de artigos denunciando e chamando de canalhas todos que voram a favbor da derruba de Collor. Não  é mesmo?

    • Como comparar as duas

      Como comparar as duas situações, se a de Collor foi uma reação onde prejudicados foram justamente e em grande maioria, a classe média; quem nada tinha, os excluídos, continuaram tal qual estavam antes de todos os acontecimentos.

      No caso atual, o processo tenta convencer os antes excluídos, muitos dos que foram alcançados por um processo de inclusão dos governos do PT, após um processo vergonhoso praticado por dois termos de FHC. Como convencer, se a população atual viveu estas duas situações e tem elas presentes, ainda mais com o PT de Lula mais recentes?

      O maior problema hoje do PSDB e de toda a direita, é não ter proposta equilibrada e racional a oferecer., hoje não outra que não a da figura patética de um já provado corrupto como Aécio Neves e de um Congresso não menos corrupto onde a estrela é um tal de Eduardo Cunha, como tradicional e noticiado escárnio com as instituições?

      Os tempos são outros, com a informação chegando rápido por meios antes não disponíveis, fazendo justamente aquilo que é chave no processo político e, por extensão, o de Cidadania.

    • EU FALO POR MIM

      Errei quando me deixei levar pela grande imprensa contra Paulo Maluf e votei em Covas, Serra, mas também votei em melhores como Audálio Dantas e Ercy Ayala.

           Depois fiquei sabendo também que houve compra de votos para eleger Tancredo Neves e "nenhum da grande imprensa denunciou". Eaté hoje a grande imprensa e Justiça protegem Geraldo Alckmim, Serra, Aécim, e outros.

           Infeliznente também me deixei levar no caso do Collor. Principalmente a Rede Globo derruba governos, "faz a cabeça" da maioria e os espertalhões se aproveitam. 

            COLLOR AINDA HOJE É INJUSTIAMENTE PERSEGUIDO: Arquivaram provas contra Aécim e acusam Collor. E também Arquivaram processo do caso Aeroportos construídos criminosamente por Aécim.

           NO ENTANTO, no caso de FHC em 1999 aconteceu diferente. Apesar da grande crise, desvalorização do real, medidas contra os trabalhadores e a compra da reeleição de 1998,  a  REDE GLOBO apoiou sempre o governo, bem como toda a grande imprensa.

           E até o LULA, JOSÉ DIRCEU se posicionaram contra a derrubada de FHC e "deviam respeitar a democracia".

           A diferença é que agora existem as redes sociais. Mas eu considero não tão grande vantagem, pois não atingi o povão, milhões de brasileiros que ainda só assistem TVs e principalmente Rede Globo.

  • Se o Brasil não houvesse

    Se o Brasil não houvesse descoberto a riqueza que existe sobre o pré-sal, se a Petrobrás não houvesse desenvolvido tecnologia para expolora-lo, se o programa nuclear brasileiro não tivesse chegado ao desenvolvimento de equipamento mais moderno e eficiente para beneficiar urânio, se no nosso subsolo não houvesse tanto urânio e outros minerais, fora a água abundante, se o país não fosse o mais importante da América do Sul e membro dos BRICS, nada disso estaria acontecendo porque ele não teria a menor importância para o grande irmão do norte. Não estamos numaluta de classes, estamos numa luta entre nacionalistas e entreguistas.

  • Pelo observado, o Governo

    Pelo observado, o Governo Federal age como democrático, enquanto a maior autoridade é achincalhada e ofendida, sem, contudo, deter os manifestantes. Por outro lado, os manifestantes contra o Governo agem como irresponsáveis, seguindo parlamentares oposicionistas, que não querem o desenvolvimento do País, mas apenas, e tão-só, a destituição da mulher que foi eleita há menos de uma no por maioria de votos. No descompromisso com a realidade, que é o fato de estarmos dentro de uma crise estrutural e mundial, engrossam as manifestações de rua e do Congresso pedindo a morte do PT, da corrupção, de Dilma, de Lula, como se fosse possível admitir que sem o PT nosso Brasil estaria livre, indefinidamente de corrupção.

     

  • Cármen Lúcia

    "Não, não estou falando de governantes, e sim dos cidadãos. A sociedade precisa se organizar, estabelecer qual o consenso que se pode extrair. Instituições têm voz pela imprensa livre e podem chegar a consensos que se imponham para o cumprimento dos agentes que são isso mesmo, agentes, não donos do poder. A sociedade não pode ficar imobilizada por incerteza e medo do que pode acontecer. Uma sociedade não continua nesse desassossego muito tempo. O essencial é que ninguém imagine que se possa fazer à revelia da Constituição. Ela não é sugestão, é lei, para ser cumprida.

    Nenhuma ruptura institucional será admitida, de jeito nenhum. Não há crise constitucional, há crise de confiabilidade em pessoas, mas qualquer afastamento –não estou dizendo da presidente–, mas de qualquer pessoa, não pode ser feito sem acatamento das leis. Agora, todos que exercemos cargos públicos estabeleçamos de forma clara qual é o nosso papel. Não adianta imaginar que pode continuar por muito tempo como está. A economia precisa de soluções, precisa talvez esclarecer melhor o povo. Explique, todo mundo entende. Haverá quem não goste, mas não quem não entenda. É um momento difícil, como já teve outros. Nós, servidores públicos, temos de dar satisfação."

    http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/229669-a-sociedade-nao-pode-ficar-imobilizada-por-incerteza-e-medo.shtml

  • ME VEM À LEMBRANÇA

    os programas do falecido apresentador Ferreira Neto. Uns políticos ficavam exaltados contra Lula e o PT.

    Numas das eleições um (não lembro o nome)  levou uma Bíblia e dava murros na mesa e dizia: "Pela Bíblia Dom Evaristo Arns está escomungado (por ter apoiado Lula).

    E falavam também que "se Lula respeitar as regras do jogo quando eleito, ele nunca mais ganha outra eleição.".

    Porque esses elementos usavam o argumento de que Lula ia implantar a ditadura.

    Outro dia na internet li o artigo (uma parte apenas) de Clovis Rossi no qual pedia para que não acreditassem nessa história de que os pobres foram para a classe média, aumentou a classe média. 

       Mas ninguém falou nada disso, muito menos o Governo. Todos (o mundo civilizado) diz que "diminuiu a miséria no Brasil", as classes C e D melhoraram. Foi feito o que permitiram os donos do poder, foi feito opossível. Talvez tenha melhdorado somente 1%  em tão pouco tempo. Os Jornalistas que são contrao PT, o Governo PT (que verdade sempre uma grande coligação), procuram, vasculham tudo a procura de algo que possa atingir, derrubar o governo.

        O mesmo para a frase "tem que fazer o bolo crescer, para depois dividir".  Delfim Neto nega que tenha dito tal frase e eu acredito. Foi a imprensa quem jogou nas costas do gordo.

      

  • Jânio de Freitas;
    Corajoso,

    Jânio de Freitas;

    Corajoso, lucido, contundente, preciso, claro e didático.

    Qualquer pessoa de principios que ler esta matéria somente poderá aplaudí-lo.

    Valeu o dia de hoje.

    Genaro

     

     

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