O que fazer com uma ninhada de camundongos?, por Luis Felipe Miguel

Não, o Intercept Brasil não vai trazer uma solução miraculosa e nos liberar da cansativa tarefa de fazer o trabalho político.

Banksy

O que fazer com uma ninhada de camundongos?

por Luis Felipe Miguel

Moro soltou seu mau latim no Twitter para dizer que as revelações do Intercept Brasil eram a montanha parindo um rato.

Sob qualquer parâmetro do direito e da moral, as revelações não podem ser consideradas “um rato”. Elas exibem um juiz traindo suas obrigações profissionais mais elementares, cometendo crimes, participando de uma conspiração contra o regime democrático.

Para que sejam entendidas, basta alcançar um princípio muito simples: a imparcialidade do juiz.

Em qualquer lugar do mundo, as conversas divulgadas com o MP seriam mais do que suficientes para a queda e prisão de Moro, de Dallagnol e do resto da turma, a libertação dos réus que foram vítimas de suas maquinações e a anulação das eleições fraudadas de 2018.

Mas não estamos em qualquer lugar do mundo. Estamos no Brasil de Bolsonaro.

Depois de titubear um pouco, Moro e seus “acepipes”, como diria o ministro da Educação, logo encontraram o caminho para sua defesa: o cinismo puro e simples.

Negam o óbvio, enquanto piscam o olho para sua plateia.

Temos a corregedoria do MPF se apressando em arquivar qualquer investigação. Temos manifesto de centenas de juízes afirmando que se mancomunar com uma das partes é prática corrente e aceitável. Temos a Rede Globo. Temos o Supremo, um poder minúsculo, que não está só acovardado, como certa vez disse Lula, mas é cúmplice ativo da destruição do Brasil.

A multidão de mínions, que teme usar o próprio cérebro mais que o diabo teme a cruz, produz sua própria mistura de cinismo e ignorância. No fim, reduz a situação àquela frase lacradora, onde mínions e Gomes se encontram: “Lula tá preso, babaca”.

Moro perde popularidade, perde a luz própria que sempre mais simulou do que de fato teve, e se torna de vez um boneco na mão de Bolsonaro. Se dependesse de suas próprias forças, estaria frito. Mas está protegido pelo arco amplo da direita – bolsonarismo, MBL, Globo, FHC – que entendeu que o caminho do cinismo é o único seguro para garantir a continuidade do golpe de 2016.

O campo democrático, por sua vez, parece paralisado, esperando a anunciada, mas sempre postergada, bala de prata do Intercept.

Não sei se ela virá. Não sei qual é a agenda de Glenn Greenwald, nem acho que ele tenha a responsabilidade de dar rumo à oposição no Brasil.

Não acho boa a maneira pela qual ele se tornou personagem da crise, polemizando com a direita e a cada dia prometendo novas bombas. Seria melhor um perfil mais baixo, para agudizar a contradição “jornalista imparcial vs. juiz parcial”. Mas o principal é isso: ele não é, nem pode ser, o formulador da estratégia da esquerda. Não podemos ficar pendentes do cronograma do Intercept Brasil e de seus parceiros

A blindagem que o cinismo produz tem potencial para transformar qualquer revelação, por mais importante que seja, no tal rato parido pela montanha. Se Sérgio Moro tivesse um pingo de decência, já teria renunciado e se escondido em qualquer buraco, depois de exposto do jeito que foi. Mas se ele tivesse um pingo de decência, não seria Sérgio Moro.

Em vez de esperar pela improvável revelação final, que destruirá Moro, Bolsonaro e o golpe pela simples força de seu enunciado, devíamos trabalhar a sério com a ninhada de camundongos que temos. Falar com quem tem alguma disposição para ouvir e pensar, mostrando como a Lava Jato foi um instrumento para impedir que a vontade popular se manifestasse, discutindo como o discurso do combate desenfreado à corrupção leva à aceitação da destruição da democracia e, sobretudo, vinculando a perseguição contra Lula, a criminalização da esquerda e o golpe com a perda de direitos (congelamento dos gastos, reforma trabalhista, reforma previdenciária).

Não, o Intercept Brasil não vai trazer uma solução miraculosa e nos liberar da cansativa tarefa de fazer o trabalho político.

Luis Felipe Miguel

11 Comentários

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  1. A esquerda partidária está há décadas apanhando na midia, nas redes sociais, no zap, etc, e NAO APRENDE a se comunicar de jeito nenhum!

    Uns ainda nutrem um infeliz materialismo vulgar que leva a crer que “as condições materiais de existência” vão levar “povo às ruas…”

    Outros gostam de fazer papel de vítima mesmo, e neste ponto a direita acerta em cheio. Prenderam o único que sabe falar em todo o espectro da esquerda. Os demais, ficam por aí no textão, no academiques, etc; e agora deram pra brincar de tuitar também. NAO APRENDEM que o boçalnaro somente surfou numa onda que veio sendo formada ao longo décadas de pregação antissocial.

  2. Sobre ser cansativo o trabalho político, me ocorre um paralelo: se a Petra Costa em seu ambíguo “Democracia em Vertigem” termina com palavras de desânimo, ainda mais considerando o personalismo individualista tão caro aos regimes que precisam da desunião entre as pessoas, talvez ELA se sinta desmotivada. Dá para entender: mera ideologia não é lá grandemente motivacional. Motivacional é a fome por comida, por educação, por segurança mínima ante o vindouro, por justiça, por prosperidade, por reconhecimento, pertencimento e dignidade.

    Fazer o trabalho político não é cansativo para quem sente essas fomes. Quem se cansa de procurar água quando está com sede? Ninguém, exceto quem se sente atendido em suas demandas, se sente desmotivado ante meras – sim, meras – denúncias, por mais graves que sejam. Talvez a repetição insistente e as eloquências das evidências de que estamos sob um grande sistema que nos prejudica pode induzir, sim, algum desânimo, algum sentimento como “se não se pode vencê-los, una-se a eles”. Um efeito da exposição às verdades factuais só desanima a quem ou não passa de rato ou rata, jamais alcançando o status de homem ou mulher, ou se sente – talvez não ideológicamente falando mas atávicamente falando – ou já está satisfeito ou satisfeita. Quem vive e tem fome não se cansa.

    1. Quase esqueci de mencionar uma das mais importantes fomes: a fome por um país mais justo, por uma sociedade melhor, pela independência e soberania de seu povo. É que essa fome só é legítima a quem tem consciência cidadã. Dizer que quer justiça social mas enxergando apenas as demandas de sub-grupos sociais – por exemplo, até o Luciano Hang, o Flávio Rocha, o João Amoedo, o João Doria, o Geraldo Alckmin, o José Serra e o Cabo Daciolo dizem que querem o bem do Brasil… até o Sergio Moro, o Deltan Dallagnol etc. dizem isso -, sem conhecer as necessidades e demandas populares, cai no vazio. Colocar sub-grupos, por exemplo a iniciativa privada, na gestão do que é público não é, por óbvio, ter espírito público, é ter espírito privado. Se empresa privada for preocupada com outra coisa senão consigo mesma, se sua fome for realmente pelo bem estar da sociedade, vai à falência.

      A fome por justiça social e não por justiça para si mesmo é a grande diferença.

  3. Belo artigo. Sobretudo esse trecho,” Se Sérgio Moro tivesse um pingo de decência, já teria renunciado e se escondido em qualquer buraco, depois de exposto do jeito que foi. Mas se ele tivesse um pingo de decência, não seria Sérgio Moro”.

  4. Concordo com colega Luis Felipe Miguel: o “The Intercept” está caminhando por uma seara perigosa do ponto de vista de um jornalismo investigativo independente – que não temos no Brasil -, mesmo com toda sua contribuição. Não me parece um bom caminho o TI chamar para si o enfrentamento político a partir de suas revelações jornalísticas, por mais relevantes e importantes que sejam. LM

    1. Pois é… ainda sob os eflúvios do filme de Petra Costa, que se por um lado denuncia por outro reforça e naturaliza o ponto de vista do indivíduo, da mesma forma as revelações do Greenwald em combinação com o mesmo individualismo pode induzir a atitudes esquisitas, dissociadas, sempre centradas no indivíduo…

      “É mesmo, né? Vendo bem [o filme de Petra e as denúncias de Greenwald], Sergio Moro [ELE] foi parcial e usou a máquina pública para SEUS interesses pessoais, partidários… Bem feito que foi denunciado, viu?! EU me sinto tão bem agora, tão vingado que vou até ali, na cozinha, fazer um cafezinho.”

      Nada sobre a coletividade, nada sobre cidadania, nada sobre nosso país exceto Ali Kamel usando a firma “Globo” para dizer, que a economia vai mal, que o desemprego isso, que milhões de brasileiros desistiram de procurar emprego, enfim, que enquanto país estamos mal, como se não fosse exatamente isso que o golpe tem como objetivo. Ora, essa devastação, essa vandalização da coisa pública é justamente o que os privatistas planejaram…

      Muita cara-de-pau da mídia e das elites virem com esse alarmismo, agora. Botaram fogo e ficam denunciando e gritando que está pegando fogo…

    2. Sinceramente, acho que foi o medo de serem tachados de “petistas” que levou muitos jornalistas, juristas e acadêmicos a essa situação dantesca.

      Até o momento o The Intercept está defendendo o Jornalismo, com “J”, algo que foi abandonado pela febre antipetista.

      Não fico nem um pouco surpreso com os ataques e a campanha de desmoralização movida pelos lavajateiros, pela globo e pelos bolsominions. A fase de “isentismo” já passou há muito tempo.

      Mal comparando, o FHC chamou de “partidarismo” o repúdio aa presença dele no Congresso da LASA (Sociedade Latino Americana de Sociologia). Lá não tem bobo. A tática é manjada

  5. O silêncio mais ensurdecedor que este brilhante artigo provoca é a incompreensível passividade e apatia da suposta oposição ao desgoverno do miliciano-chefe. Onde estão escondidos nossos parlamentares, nossos sindicalistas, nossos estudantes, as lideranças do movimento social (sob perseguição judicial em SP), os dirigentes partidários, a esquerda? Cadê todo o mundo?

    1. Se não têm coragem para o exemplo, imagina para o sacrifício

      a esquerda está por aí, acreditando que a tarefa do Intercept é absolver um, Lula, e condenar o outro, Moro

      sem uma revolução popular e nacional seguiremos reféns do terrorismo judicial lava jato

    2. Estão em toda parte e trabalhando muito. Só que a mídia não mostra.
      Um exemplo: o pessoal do MST tá a mil, produzindo, colhendo, vendendo, dando drible até no João Dória, que quis impedi-los de montar sua feira no Parque da Água Branca, esse ano. Mas tem gente nas universidades, nos sindicatos, nos partidos políticos, nas escolas estaduais e municipais… até nas repartições públicas, nas empresas públicas tem gente trabalhando de forma cidadã, aqueles que não se deixaram aliciar pelas promessas de se dar bem caso ajam como privatistas. Isso fora o pessoal nas ruas, nas manifestações públicas (Parada LGBT, Marcha da Maconha, etc.)… até nas várzeas de peladas domingueiras pode se encontrar. Como disse, não só a mídia não mostra como também os democratas não saem por aí quebrando tudo, já que são legalistas (como disse Lula, “para haver justiça social é só cumprir a CF).

      O pessoal não cansa e não para, é só procurar que acha.

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