Profecias científicas, por Gustavo Gollo

Então, delirem, sonhem, confiem na lógica e na razão abstrata e devaneiem louca e impetuosamente, guiados pela beleza, e o façam com garra, como se em busca do gol.

Profecias científicas, por Gustavo Gollo

Meu conselho aos que desejam aprender a arte da profecia científica é não confiar na razão abstrata, mas decifrar a linguagem secreta da Natureza dos documentos da Natureza, os fatos da experiência. — Max Born*

Devo adiantar que, nas linhas a seguir, negarei o conselho do grande físico e sugerirei o oposto. Antes disso, comentarei a expressão surpreendente grafada na citação.

Certas locuções se perderam no tempo por motivos fúteis. Contemporaneamente, os cientistas ficaram quase proibidos de usar expressões como “profecias”, ou “transmutação das espécies”, que poderiam ser bastante apropriadas em variadas ocasiões, relegando-as apenas aos místicos. O uso de “transmutação” em lugar de “evolução”, por exemplo, pouparia aos evolucionistas o constrangimento da sugestão de melhoria, inexistente na teoria, mas inerente à expressão, como bem sabia Darwin.

Apenas em vista dessa proibição velada, surpreendi-me ao encontrar a expressão “profecia científica” na pena de Max Born, um dos ícones da grande física do início do século XX. De fato, “profecia” se adequa com absoluta precisão ao trabalho dos físicos teóricos – os físicos mais conhecidos são quase todos teóricos; poucos físicos experimentais são conhecidos pelo grande público.

Profecias científicas

As profecias físicas transcorrem em 2 níveis. O mais simples deles corresponde aos cálculos de atualização de dados, quero dizer, encontrar o estado atual de um sistema, dadas as condições inicias. Corresponde a uma tarefa corriqueira, executada o tempo todo pelos estudantes de física como treinamento, e equivale ao que fazem os engenheiros. Um exemplo desse tipo mais simples de profecia seria a previsão da rota de um dado cometa.

O segundo nível de profecia corresponde à grande ciência, efetuada apenas pelos grandes cientistas, esses magos extraordinários que grassaram nos últimos séculos.

Um exemplo clássico dessa grande ciência consistiu na descoberta de Netuno, cuja profecia realizada através de cálculos foi confirmada por observações posteriores; observações guiadas pelos cálculos proféticos, ressalte-se. Tratei dessa profecia aqui:

https://jornalggn.com.br/artigos/o-grande-momento-da-historia/

Outro evento que ilustra extraordinariamente esse segundo nível profético foi a invenção da teoria da relatividade, o maravilhoso delírio ficcional de Albert Einstein que revolucionou a visão de mundo sobre todas as coisas. Comemoramos, aliás, dias atrás, o centenário das observações do eclipse, realizadas em Sobral, no Ceará, que confirmaram as extravagantes profecias de Einstein realizadas 14 anos antes. Dessa, tratei aqui:

https://jornalggn.com.br/ciencia/teoria/

São as profecias de segundo nível que verdadeiramente compõem a grandiosidade da ciência, as que nos apaixonam e nos fazem vibrar. Para mim, são muitíssimo mais entusiasmantes que qualquer gol; creio que o sejam para todos que as compreendem. Vale ressaltar que quase todas as profecias científicas foram efetuadas por físicos.

Ciência e experimento

Embora eu não negue a importância das observações, creio que elas venham sendo absurdamente supervalorizadas há tempos, especialmente nos últimos 100 anos. Penso, seguindo Karl Popper e David Hume, que o verdadeiro papel das observações consista em testar profecias, tendo assim um papel secundário na grande ciência decorrente das manifestações proféticas.

Penso que recomendações como o conselho de Born citado acima, resultaram na lamentável decadência científica manifestada nos últimos tempos, fato que tratei, por exemplo aqui:

https://jornalggn.com.br/opiniao/sobre-a-estagnacao-cientifica-contemporanea/
Contrariamente a Born, aconselho os jovens a delirar e profetizar grandiosamente, a engendrar as mais belas ficções que consigam – por mais que se esforcem, dirão os teístas, não conseguirão superar o engenho do Criador. Urdam os mais maravilhosos enredos e talvez se aproximem da trama deslumbrante que compõe o mundo.

Então, delirem, sonhem, confiem na lógica e na razão abstrata e devaneiem louca e impetuosamente, guiados pela beleza, e o façam com garra, como se em busca do gol.

Se conseguirem seus intentos, sentirão o clique das ideias se encaixando e o ímpeto de pular e comemorar o gol.

Em seguida, imerso em alegria, realize os testes experimentais, ou proponha-os a outros. Mas, atenção, tente refutar suas próprias ideias, tente mostrar experimentalmente que sua teoria está errada! Nunca tente fazer o contrário. Tente sempre mostrar que sua teoria está errada – tenha isso em mente o tempo todo, desde o início da construção da teoria. Faça isso você mesmo porque, de qualquer modo, outros o farão. Mas, perceba, se a teoria estiver correta, você não conseguirá refutá-la, e, será essa a melhor confirmação que dela conseguirá obter.

Ciência é um tipo muito especial de ficção, trata-se de ficção profética.

Veja também:

https://jornalggn.com.br/ciencia/cinco-concepcoes-de-ciencia/

https://jornalggn.com.br/noticia/ciencia-e-arte-por-gustavo-gollo/

https://jornalggn.com.br/cinema/a-historia-do-mundo-a-serie-por-gustavo-gollo/

A ser continuado…

A ser continuado

*“My advice to those who wish to learn the art of scientific prophecy is not to rely on abstract reason, but to decipher the secret language of Nature from Nature’s documents, the facts of experience.” —Max Born, Experiment and Theory in Physics, 1943, pp. 1, 8, 34–35, 44

Gustavo Gollo é multicientista, multiartista, filósofo e profeta

Redação

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