Quem tem medo do Juiz de Garantias?, por Rômulo Moreira

As reações vindas dos mais variados setores de nossa comunidade jurídica mostram a dificuldade que será a efetiva implementação do Juiz das Garantias

Quem tem medo do Juiz de Garantias?

por Rômulo de Andrade Moreira

Finalmente, ainda que tarde, temos agora no Brasil o Juiz das Garantias, em virtude de ter sido promulgada a Lei nº. 13.964/19, que acrescentou ao CPP os arts. 3º.-A a 3º.-F. Quis o destino (?) que esta lei surgisse em um período de tamanho retrocesso na cultura jurídico-penal brasileira, prenhe que está de ideias e decisões punitivistas, utilitaristas, eficientistas, populistas, conservadoras e retrógradas.[1] Sem dúvidas, o Juiz das Garantias trata-se da mais importante alteração legislativa já vista no País, desde que entrou em vigor este (e ainda) velho CPP.

As reações vindas dos mais variados setores de nossa comunidade jurídica, desde gente do Poder Executivo federal[2], até de uma grande e muito bem significativa parcela do Poder Judiciário e do Ministério Público, mostram a dificuldade que será a efetiva implementação do Juiz das Garantias.[3]

É impressionante mesmo como muitos, milhares!, de integrantes do Ministério Público e do Poder Judiciário teimam em conservar o processo penal brasileiro como aquele concebido no século passado, nos anos 40, de tendência rigorosamente fascista, autoritária e inquisitorial.

É de assustar também a forma como essa mesma gente, sem qualquer embasamento teórico ou científico, abrindo mão de argumentos falaciosos, trata de uma maneira tão rasa e simplista a criação do Juiz das Garantias.

E, por fim, é desanimadora esta resistência, pois, como disse acima, tais reações tornarão difícil que se instaure no País este novo sujeito processual. Será uma tarefa árdua para os defensores de um processo penal democrático e de matriz acusatória.

É preciso, atentos a Dworkin, saber que “o cálculo utilitarista que a sociedade eficiente em custos utiliza para determinar como serão os processos criminais é um cálculo que não pode incluir o dano moral.[4]

Comentando o novo CPP da Província de Buenos Aires e, mais particularmente, o Juiz de Garantias, Bertolino, fazendo como se fora um jogo de palavras – como ele próprio admite -, afirma que com o Juiz de Garantias “a lei processual penal de Buenos Aires pretendeu, antes de qualquer outra coisa, estabelecer a ´garantia de um juiz`” (grifo e aspas no original). É ainda dele a observação de “que a própria denominação legal vincula-o, sem prejuízo de outras considerações, com a realidade das garantias processuais”, tratando-se da concretização da “dimensão constitucional da jurisdição.[5]

Observa-se que, antes mesmo de disciplinar detalhadamente a competência do Juiz das Garantias, tratou o legislador de estabelecer, no art. 3º-A., que “o processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação.” Este artigo, trata-se de uma verdadeira introdução às normas gerais estabelecidas em seguida, pois deixa de uma maneira muito clara que toda a interpretação que se queira fazer em relação aos dispositivos do nosso Código, deverá atender, primeira, obrigatória e rigorosamente, às regras e aos princípios do sistema acusatório, especialmente o princípio acusatório.

A propósito, Falcone, estudando este princípio, explica que, em razão dele, não pode “ser uma mesma pessoa a que realize a investigação e a que decida.” Assim, o modelo acusatório “pretendeu devolver ao investigado/acusado a qualidade de sujeito de direitos, o que o procedimento inquisitivo negava, transformando-o em um mero objeto de um procedimento inquisitivo, presidido por um juiz instrutor e de acusação.”[6]

Ora, se agora há no próprio CPP, dentre os seus primeiros artigos, um em especial que estabelece ter o nosso processo penal uma estrutura acusatória, é dizer, vinculado ao princípio acusatório, proibindo-se qualquer “iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação”, obviamente que este cânone deve ser, doravante, observado em todos os processos criminais, e sem tergiversações.

Na verdade, a Constituição Federal já assim o exigia, mas, como se sabe, aqui no Brasil é preciso que a lei ordinária também o diga, pois há quem sempre teime em interpretar a Constituição à luz da legislação ordinária, e não o contrário, como tem que ser. Trata-se de um verdadeiro método interpretativo à brasileira e, o que é pior, ensinado em nossas faculdades de Direito e disseminado em salas de audiência, em sessões de tribunais e em gabinetes de Juízes e membros do Ministério Público.

Com efeito, doravante, teremos, em regra, dois juízes competentes: um que atuará na fase de investigação criminal (atendendo, sempre que solicitado, aos pleitos da Polícia e do Ministério Público), e outro que terá competência para instruir o processo e julgar o acusado, liberto (este segundo Juiz), das amarras próprias de uma parcialidade forjada a partir do conhecimento dos elementos informativos colhidos durante a investigação criminal, sem a observância dos postulados do devido processo constitucional.

Aliás, para evitar a contaminação do Juiz da Instrução e Julgamento, os autos que compõem as matérias de competência do Juiz das Garantias deverão ser desentranhados do processo, ficando arquivados na secretaria do Juízo das Garantias, à disposição do Ministério Público e da Defesa, ressalvando-se, tão-somente, os documentos relativos às provas irrepetíveis, os meios de obtenção e os de antecipação de provas, que serão apensados em apartado. Neste caso, ficará assegurado às partes o amplo acesso aos autos arquivados na secretaria.

Eis o ponto central: a imparcialidade do julgador, “a primeira exigência de um juiz, que não pode ser, ao mesmo tempo, parte e julgador no conflito submetido à sua decisão”, conforme sintetiza Juan Montero Aroca.[7] E a lei não deixa dúvidas: o Magistrado que, na fase de investigação venha a praticar qualquer ato incluído no rol das competências do Juiz das Garantias, ficará impedido de funcionar no processo como Juiz da Instrução e Julgamento. Isso é fundamental para que se lhe garanta – o mínimo que seja ainda – a necessária e indispensável imparcialidade própria do sistema acusatório. Trata-se, portanto, de uma nova causa de impedimento, além daquelas já estabelecidas no art. 252, CPP. A violação a este preceito, tornará nulos os atos praticados pelo Juiz impedido, nos termos do art. 564, I, CPP.

A propósito, Ferrajoli afirma que a imparcialidade deve ser, para o Juiz, “um hábito intelectual e moral”, razão pela qual não deve ter o Magistrado qualquer “interesse acusatório”; para ele, “a função judicial não pode ser contaminada pela promiscuidade entre juízes e órgãos da polícia, que só devem ter relações – de dependência – com a acusação pública.”[8]

O Juiz das Garantias será o responsável pelo controle da legalidade de qualquer investigação de natureza criminal, seja aquela levada a efeito pela Polícia – por meio do Inquérito Policial -, seja aquela conduzida pelo Ministério Público – a partir da instauração do Procedimento Investigatório Criminal, previsto na (inconstitucional) Resolução 181, do CNMP.[9] Também caberá a ele “a salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário.

Esta competência abrange a investigação de quaisquer infrações penais, exceto as de menor potencial ofensivo (art. 61 da Lei nº. 9.099/95); nestas, continuam aplicáveis as disposições previstas na Lei dos Juizados Especiais Criminais, especialmente no que diz respeito ao Termo Circunstanciado (art. 69) e aos acordos civil e penal (composição civil dos danos e transação penal, previstas no art. 72).[10]

O Juiz das Garantias será designado conforme as normas de organização judiciária da União, dos Estados e do Distrito Federal, observando-se critérios objetivos a serem periodicamente divulgados pelo respectivo Tribunal. Nas comarcas em que houver apenas um Juiz, os Tribunais locais criarão um sistema de rodízio de Magistrados, a fim de atender às novas disposições.

Aqui, não vislumbramos os obstáculos que estão impondo para impedir que se cumpra a lei. Evidentemente, que haverá a necessidade da criação de novos cargos de Juízes e, consequentemente, novos gastos. Qual o problema? Não há sempre orçamento para custear aumento de despesas com salários e estrutura física e material do Poder Judiciário? Pois bem. Agora, este orçamento terá que também ser suficiente para arcar com os custos de implementação do Juiz das Garantias, ainda que se sacrifique, por exemplo, aumentos salariais, compras de automóveis, construções de palácios, etc.

Nas comarcas em que houver apenas um Juiz (e, sabemos, são muitas em todo o Brasil), e enquanto não forem criados os novos cargos, caberá ao substituto legal do Juiz titular (em observância à garantia do Juiz Natural), caso haja necessidade (ou seja, se o Juiz titular da comarca tiver oficiado na fase investigatória), atuar como Juiz da Instrução e Julgamento. Simples! Não há dificuldade, senão falta de vontade política, o que é inadmissível! Quando se quer, se faz; quando não se quer, cria-se dificuldade…

A competência do Juiz das Garantias cessará com o recebimento da peça acusatória, com a citação do acusado e, se for o caso, com a absolvição sumária. Neste sentido, observa-se que os arts. 3º.-B, XIV e 3º.-C fazem referência expressa ao art. 399, CPP. Aqui, preferível seria menção ao art. 396, CPP, mas assim não o foi. E onde se lê art. 399, evidentemente, não se pode ler art. 396. Portanto, a ele caberá, após o oferecimento da denúncia ou da queixa, fazer o juízo de admissibilidade da imputação formulada, admitindo-a ou não; se receber a denúncia ou a queixa, deverá, em continuidade, determinar a citação do réu (aplicando, se cabível, os arts. 366 ou 367, CPP) e, após a resposta preliminar (arts. 396 e 396-A), absolvê-lo sumariamente, se for o caso de absolvição sumária (art. 397, CPP).

Caso não absolva sumariamente o réu, somente então enviará os autos para o Juiz da Instrução e Julgamento, que deverá designar dia e hora para a audiência, ordenando a intimação do acusado, de seu Defensor, do Ministério Público e, se for o caso, do querelante e do assistente. As questões porventura pendentes serão decididas agora pelo Juiz da Instrução e Julgamento, ressalvando-se que as decisões proferidas pelo Juiz das Garantias não vinculam o Juiz do processo, que deverá reexaminar a necessidade das medidas cautelares em curso, no prazo máximo de dez dias, haja ou não requerimento das partes.

E quais as competências específicas do Juiz das Garantias? Em primeiro lugar, caberá a ele receber a comunicação imediata da prisão e o auto da prisão em flagrante, a fim de que adote uma das providências estabelecidas nos arts. 310 e 311 do CPP. Assim, a ele competirá zelar pela observância dos direitos do preso, podendo determinar que este seja conduzido à sua presença, a qualquer tempo, haja ou não pedido neste sentido.

Também ele deverá ser informado sobre a instauração de qualquer investigação criminal, seja procedida pela Polícia, seja pelo Ministério Público, decidindo sobre o requerimento de prisão provisória ou qualquer outra medida de natureza cautelar, bem como, se houver necessidade, deferir o pedido de prorrogação da prisão provisória ou da medida cautelar já decretada, substituí-las ou revogá-las. No caso de pedido de prorrogação, será obrigatório, independentemente de urgência ou de perigo de ineficácia da respectiva medida, que se estabeleça o contraditório, em audiência pública e oral, e na presença do Ministério Público e de Defensor, diversamente do que ocorre na hipótese do art. 282, § 3º., CPP.

Caso haja necessidade da produção antecipada de provas consideradas urgentes e não repetíveis (arts. 225 e 155, CPP), ao Juiz das Garantias deverá ser dirigido o respectivo requerimento, sempre assegurados o contraditório e a ampla defesa, também em audiência pública e oral, e na presença do Ministério Público e de Defensor.

Outrossim, será dele a competência para, havendo necessidade comprovada, analisar pedido de prorrogação do prazo de duração do Inquérito Policial ou do Procedimento Investigatório Criminal, em vista das razões apresentadas, respectivamente, pela autoridade policial ou pelo representante do Ministério Público. Se o investigado estiver preso poderá, mediante representação da autoridade policial (neste caso, ouvido o Ministério Público) ou a partir de requerimento do próprio Ministério Público, prorrogar, uma única vez, a duração do procedimento investigatório por até quinze dias. Finda esta dilação, e sem que seja concluída definitivamente a investigação, a prisão deverá ser obrigatória e imediatamente relaxada, posto já ilegal.

Se houver impetração de Habeas Corpus com o fim de sobrestar ou pôr fim à investigação, caberá ao Juiz das Garantias o seu conhecimento, devendo conceder a ordem sempre que não haja “fundamento razoável para sua instauração ou prosseguimento.” Afinal, como dizem Afrânio e Souto Maior, para a instauração de um procedimento investigatório de natureza criminal, é preciso “a toda evidência, que o fato noticiado à autoridade policial, examinado sempre em tese, encontre tipicidade objetiva em alguma norma penal incriminadora.[11] Aliás, sempre que haja impetração de Habeas Corpus, qualquer que seja o pedido ou a causa de pedir, sendo antes do oferecimento da denúncia ou da queixa, também será dele a competência para o processo e julgamento da ação. Em qualquer caso, havendo necessidade, poderão ser requisitados documentos, laudos e informações ao Delegado de Polícia ou ao Ministério Público sobre o andamento da investigação.

Também é de sua competência determinar a instauração do incidente de insanidade mental (art. 149, CPP), além de assegurar prontamente o direito da Defesa de ter acesso a todos os elementos informativos e eventuais provas produzidas no âmbito da investigação, observando-se a Súmula Vinculante 14 e os incisos do art. 7º., da Lei nº. 8.906/94, o Estatuto da OAB.

Se houver requerimento, caberá também a este Magistrado deferir pedido de admissão de assistente técnico (art. 159, § 3º., CPP); homologar (ou não) o acordo de não persecução penal (art. 28-A, também acrescentado pela nova lei) e o de colaboração premiada, quando formalizados durante a investigação. De mais a mais, compete-lhe decidir sobre os requerimentos de interceptação telefônica, do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática ou de outras formas de comunicação, quebra dos sigilos fiscal, bancário, de dados e telefônico, busca e apreensão domiciliar, acesso a informações sigilosas, bem como, em geral, todos os outros meios de obtenção da prova que restrinjam direitos fundamentais do investigado.

Deverá assegurar o cumprimento das regras para o tratamento dos presos, impedindo o acordo ou ajuste de qualquer autoridade da Polícia ou do Ministério Público, com órgãos da imprensa para explorar a imagem da pessoa submetida à prisão, sob pena de responsabilidade civil, administrativa e penal, devendo as autoridades disciplinar, via regulamento, o modo pelo qual as informações sobre a realização da prisão e a identidade do preso serão, de modo padronizado, transmitidas à imprensa, assegurados a efetividade da persecução penal, o direito à informação e a dignidade da pessoa submetida à prisão.

Esta é uma questão muito controversa e diz respeito a um aparente conflito entre a liberdade de expressão e de informação e o direito individual de ter a imagem protegida e a honra preservada. Eis uma matéria muito sensível, assim definida por Escalante: “Uma contraposição entre duas modalidades deônticas derivadas da liberdade de expressão ou informação, e o direito à preservação da honra, consistente em que um ato  de manifestação de pensamento, opinião ou informação de um deles está permitido por aquelas liberdades e, por sua vez, está proibido pelo direito de preservação da honra alheia. O conflito consiste, em suma, na permissão de opinar e informar e a proibição de lesão do direito à honra.[12]

De toda maneira, é preciso atenção e rigor no cumprimento deste dispositivo, pois o mais que se vê no Brasil é uma exposição absurda, perversa e inconstitucional da imagem de investigados, sem a necessária preservação dos direitos individuais declarados e garantidos pela Constituição. Por outro lado, numa Democracia é indispensável que os meios de comunicação tenham a liberdade (com responsabilidade) de informar os cidadãos, com os cuidados para não contribuírem com prejulgamentos e futuras e injustas condenações.

Para concluir três questões últimas, a saber:

Primeira: entendo que não há qualquer razão, seja do ponto de vista das novas disposições, seja em decorrência da Constituição Federal, para limitar o Juiz das Garantias aos processos na primeira instância; muito pelo contrário, também devem ser observadas as novas disposições processuais penais nas ações penais originárias. Neste caso, quando um Desembargador ou Ministro tiver oficiado na fase de investigação, outro deverá ser o relator para a instrução e para proferir o voto. Qualquer entendimento contrário, fará tabula rasa da finalidade do Juiz das Garantias.

Segunda: em relação aos processos pendentes na data da entrada em vigor da nova lei, deve-se atentar para o art. 2º., CPP (“a lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior”). Ou seja, relativamente às ações penais em curso (estejam em primeiro grau, nos tribunais, no STJ ou no STF), se um Juiz, Desembargador ou Ministro deferiu alguma medida requerida durante a fase de investigação, o processo deve ser encaminhado ulteriormente para outro Magistrado, seja o substituto legal, seja um novo relator devidamente sorteado. A nova lei somente não atingirá os processos em que já houve recebimento da peça acusatória. Esta é uma inafastável conclusão que decorre dos princípios que regem a sucessão das leis processuais penais (formais) no tempo.

Terceira: e as audiências de custódia? A dúvida que, certamente, ocorrerá diz respeito a quem caberá realizá-las, pois foi vetado o § 1º., do art. 3º.-B, cuja redação era a seguinte: “O preso em flagrante ou por força de mandado de prisão provisória será encaminhado à presença do juiz de garantias no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, momento em que se realizará audiência com a presença do Ministério Público e da Defensoria Pública ou de advogado constituído, vedado o emprego de videoconferência.” Acontece que tais audiências estão expressamente previstas no caput do art. 310 (também alterado), determinando-se que, após receber o auto de prisão em flagrante, no prazo máximo de até vinte e quatro horas após a realização da prisão, o Juiz deverá promover audiência de custódia com a presença do acusado, seu advogado constituído ou membro da Defensoria Pública e o membro do Ministério Público. Aliás, a autoridade que deu causa, sem motivação idônea, à não realização da audiência de custódia no prazo estabelecido responderá administrativa, civil e penalmente pela omissão, ensejando-se também, salvo se houver motivação idônea, a ilegalidade da prisão, a ser relaxada pela autoridade competente. O Juiz competente para a realização das audiências de custódia será aquele designado pela Lei de Organização Judiciária, estando ele, por óbvio, impedido de ser o Juiz da causa, pois já teria praticado algum ato relativo ao processo.

Rômulo de Andrade Moreira – Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia e Professor de Direito Processual Penal da Universidade Salvador – UNIFACS.

[1] Foi o que se deu, em 1973, em plena ditadura militar, quando o General Médici, o mais sádico de todos!, promulgou a Lei nº. 5941/73 (a Lei Fleury), alterando os arts. 408, 474, 594 e 596 do CPP, e garantindo ao réu primário e sem antecedentes o direito de responder ao processo em liberdade. Foi, à época, sem dúvidas, um avanço. Mas, como se sabe, teve o claro objetivo de impedir que o Delegado de Polícia, Sérgio Paranhos Fleury, do DOPS, fosse preso em razão do seu comprovado envolvimento com o Esquadrão da Morte. Ele era, certamente, o mais notório agente da repressão política, conhecido pela crueldade e truculência contra militantes da oposição. Ao lado dele, como exemplo de desumanidade, havia o Coronel Brilhante Ustra, tão reverenciado por alguns setores do atual governo brasileiro.

[2] O próprio Ministro da Justiça e Segurança Pública do Brasil posicionou-se firmemente contra a alteração legislativa o que, convenhamos, soa estranhíssimo, visto que a lei, pressupõe-se, seja do agrado do Presidente da República, que sancionou o respectivo projeto de lei, ainda que tenha vetado mais de duas dezenas de outros dispositivos.

[3] Veja-se, por exemplo, que a AMB e a AJUFE ajuizaram a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 6298, cujo relator é o Ministro Luiz Fux.

[4] DWORKIN, Ronald, Uma Questão de Princípio, São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 119. Para ele, “devemos distinguir entre o que podemos chamar de dano simples que uma pessoa sofre por meio da punição justa ou injusta, e os danos adicionais que se pode dizer que ela sofre sempre que sua punição é injusta, pelo simples fato dessa injustiça. Chamarei estes últimos de ´fator de injustiça` em sua punição, ou seu dano ´moral`.” (p. 117).

[5] BERTOLINO, Pedro J., El Juez de Garantías en el Código Procesal Penal de la Provincia de Buenos Aires, Buenos Aires: Ediciones Depalma, 2000, páginas 56 e 122 (tradução livre).

[6] FALCONE, Roberto A., El Principio Acusatorio – El Procedimiento Oral en la Provincia de Buenos Aires y en la Nación, Buenos Aires: Ad-Hoc, 2005, p. 19 (tradução livre).

[7] AROCA, Juan Montero, Sobre la Imparcialidad del Juez y la Incompatibilidad de Funciones Procesales, Valencia: Tirant lo Blanch, 1999, p. 186 (tradução livre).

[8] FERRAJOLI, Luigi, Derecho y Razón – Teoría del Garantismo Penal, Madrid: Editorial Trotta, 1998, 3ª. edição, páginas 580, 582 e 583 (tradução livre).

[9] https://jornalggn.com.br/justica/no-pais-das-resolucoes-e-dos-enunciados-quem-precisa-de-lei-por-romulo-de-andrade-moreira/, acessado em 26 de dezembro de 2019.

[10] Observa-se que as disposições da Lei nº. 9.099/95 não se aplicam às infrações penais praticadas em situação de violência doméstica e familiar (art. 41 da Lei nº. 11.340/06), tampouco aos crimes militares (art. 90-A, da Lei nº. 9.099/95).

[11] JARDIM, Afrânio Silva, e AMORIM, Pierre Souto Maior Coutinho de, Direito Processual Penal – Estudos e Pareceres, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013, 12ª. edição, p. 221.

[12] ESCALANTE, Mijail Mendoza, Conflictos entre Derechos Fundamentales – Expresión, Información y Honor, Lima: Palestra Editores, 2007, p. 117 (tradução livre).

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