Reforma administrativa é a estratégia do bode na sala, por Flávio Germano de Sena Teixeira Júnior

A “Reforma Administrativa” de Guedes, recheada de “novos” princípios como “inovação” e “boa governança pública”, mas que não atinge militares, magistrados, promotores e parlamentares, é mais do novo que já nasceu velho. É o bode na sala.

Reforma administrativa é a estratégia do bode na sala

por Flávio Germano de Sena Teixeira Júnior[1]

Muito se tem discutido, recentemente, acerca da “Reforma Administrativa” encaminhada pelo Governo Federal, ao Congresso Nacional, por intermédio de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC). Penso que essa PEC se trata, na verdade, da utilização da Estratégia do Bode na Sala.

No mundo político, sempre que se pretende alcançar um objetivo polêmico e apagar da memória das pessoas as atuações desastrosas de um governo que anda (e sempre andou) mal das pernas, busca-se diluir controvérsias inventando uma outra bem maior, ou seja, um bode. São propostas inimagináveis, “foras-de-tempo”, com forte apelo popular e que direcionam a atenção do debate público para algo que, nem de longe, é o ponto mais importante para uma mudança estrutural do país rumo à diminuição das desigualdades materiais.

O funcionalismo não é inimigo, muito pelo contrário. Há distorções? Sim. Foram enfrentadas na dita reforma? Claro que não. Apenas a título de exemplo, a média salarial no Poder Judiciário é quatro vezes maior do que no Executivo. Agora, me pergunte: os magistrados foram afetados pela dita “reforma”? Não, assim como militares e parlamentares[2].

A “Reforma Administrativa” de Guedes, recheada de “novos” princípios como “inovação” e “boa governança pública”, mas que não atinge militares, magistrados, promotores e parlamentares, é mais do novo que já nasceu velho. É o bode na sala. Mas que teoria é essa do bode na sala?

Há quem sustente que essa metáfora do bode na sala começou como parábola na China. E tem bode lá? Não sei ao certo, mas há também quem a descreva como algo da sabedoria política nordestina.

A parábola é mais ou menos assim.

O camarada reclamou ao companheiro que sua vida em casa estava um inferno. “Sabe aquela coisa de mesa onde falta comida, todos brigam e ninguém tem razão?” Aí o companheiro perguntou: “camarada, você cria um bode, né?” E o camarada respondeu que sim. “Então, camarada, leva o teu bode para a sala da sua casa, que teu problema se resolverá”, sugeriu o companheiro. Ele não entendeu ao certo o porquê daquele conselho, mas seguiu a sugestão (levando o bode e colocando-o no meio da sala) e não deu outra: a reação de todos foi péssima, os conflitos familiares aumentaram diante do incômodo causado pelo bode que berrava alto, espirrava feio e exalava um mau cheiro insuportável. A situação piorou exponencialmente.

O camarada aborrecidíssimo procura o companheiro e o indaga: “ô cara, você é meu amigo ou amigo da onça? Por que fez isso comigo? Você me aconselhou a pôr o bode na sala e a minha situação lá em casa só piorou”. Dando uma de guru, responde o sábio companheiro: “tira o bode da sala e depois volta aqui para me contar o resultado”.

Dias depois o camarada voltou. “E aí?” Quis saber o companheiro. “Deu certo”, respondeu o camarada”. “O bode causou tanto problema que até esquecemos os outros (problemas). Agora que o bode não está mais na sala, está tudo bem, todos estão mais felizes”. Quando se diz sobre uma situação que vai dar bode é porque o que vem por aí pode ser infernal.

A estratégia do Bode na Sala parece ser amplamente utilizada pelo atual governo. Diante de um problema e da incapacidade de resolvê-lo ou ao menos mitigá-lo (negacionismo científico, crise sanitária, econômica, queda brusca do PIB e corrupção endêmica, ausência de liderança técnica no Ministério da Saúde, militarização do governo, desmatamento e desmonte dos órgãos de polícia ambiental), frequentemente, a opção é por criar um problema maior, uma cortina de fumaça, causar ainda mais mal estar e depois eliminá-lo (buscando colher os louros de uma vitória que não existiu).

Assim, todos ficam felizes pela eliminação do problema criado artificialmente (que, no caso, é o funcionalismo) e esquecem da verdadeira adversidade, das verdadeiras distorções que sequer foram enfrentadas.

[1] Mestrando em Direito do Estado e Regulação pela Universidade Federal de Pernambuco. Membro do Grupo de Pesquisa Direito e Desenvolvimento, da Universidade Federal de Pernambuco. Advogado.

[2] https://oglobo.globo.com/economia/reforma-administrativa-proposta-nao-altera-regras-para-juizes-parlamentares-militares-24621802

Redação

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