Reforma da Previdência: o que mudará para as pessoas com deficiência? – Parte II
por Ana Cláudia M. de Figueiredo
Parte II – Benefício de Prestação Continuada – BPC
Amparo constitucional e legal do benefício
A garantia de um salário mínimo mensal às pessoas com deficiência e idosos necessitados é um dos objetivos da Assistência Social (artigo 203, inciso V, da CF/88), que deve ser prestada a quem dela precisar, independentemente de contribuição. A previsão desse benefício objetiva promover um mínimo de dignidade a pessoas em situação de extrema vulnerabilidade econômica e social.
Essa garantia, denominada de Benefício de Prestação Continuada (BPC), encontra-se detalhada na Lei nº 8.742/1993, a Lei Orgânica da Assistência Social (Loas). O critério para seu recebimento é o financeiro/econômico, qual seja, incapacidade de sustento das pessoas destinatárias do benefício por si mesmas ou inviabilidade de serem mantidas por suas famílias. Conforme a Lei, essas situações resultam caracterizadas quando a renda familiar mensal per capita (por cabeça) é inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo.
Ao apreciar o dispositivo legal em que estabelecido esse critério, a Suprema Corte afirmou, em 2013, sua inconstitucionalidade, por considerá-lo inadequado para aferir a “miserabilidade das famílias destinatárias do benefício assistencial” e insuficiente à efetivação do objetivo constitucional da Assistência Social.
A inclusão do BPC na Proposta de Emenda Constitucional nº 6/2019
Apesar da inconstitucionalidade identificada pelo Supremo Tribunal Federal, o referido critério econômico foi incluído no texto original da Reforma da Previdência, enviado à Câmara pelo Presidente Jair Bolsonaro. Previa essa versão que era considerada “condição de miserabilidade” a demonstração de renda mensal integral per capita familiar inferior a ¼ do salário-mínimo e de patrimônio familiar inferior ao valor definido em lei. Com isso, além de constitucionalizar o parâmetro constante da Loas, a proposta do Executivo exigia também a comprovação de que o patrimônio da família não ultrapassava importância determinada por lei (requisito inexistente hoje). Estabelecia transitoriamente, até que a lei fosse editada, que o valor do patrimônio não poderia superar R$ 98.000,00. Também vedava a acumulação do BPC com outros benefícios assistenciais e previdenciários (o que atualmente é permitido em alguns casos).
Embora o Relator da Reforma da Previdência, Deputado Samuel Moreira, tenha retirado, do voto inicial apresentado na Comissão Especial, os dispositivos relativos ao BPC, decidiu restabelecer a constitucionalização do critério de ¼ do salário mínimo, para acesso ao benefício, na complementação do seu voto. Nessa última versão, aprovada pelo Plenário da Câmara, em primeiro turno, não foram reincluídas as restrições adicionais impostas pelo Executivo e foi admitida “a adoção de critérios de vulnerabilidade social, nos termos da lei”, significando que lei futura poderá permitir a consideração de outros critérios para fins de concessão do benefício.
Descabimento da inclusão do BPC na Reforma da Previdência
A inclusão do Benefício de Prestação Continuada na PEC nº 6/2019 é injustificável por várias razões, cabendo destacar aqui três delas.
Em primeiro lugar, essa Proposta de Emenda Constitucional visa modificar o sistema de previdência social, que não se confunde com o sistema de assistência social, ao qual se vincula o BPC. Por ser um benefício assistencial, e não previdenciário, não deveria constar do texto da Reforma.
Em segundo lugar, as pessoas com deficiência – e também os idosos – que se candidatam ao recebimento do benefício vivem em situação de extrema pobreza, necessitando do amparo do Estado para ter acesso a direitos básicos e usufruir o mínimo para sua existência. Compõem uma população que experimenta privações de toda ordem e enfrenta, em razão da deficiência, inúmeras barreiras que impedem sua participação na vida comunitária em igualdade de condições com as demais pessoas.
Em terceiro lugar, várias normas legais passaram a fixar, como condição de acesso a programas sociais do governo, um teto superior ao previsto na Loas. Constitui, assim, um verdadeiro retrocesso social o estabelecimento, no texto da Lei Máxima, do critério de renda inferior a ¼ do salário mínimo, já tido pelo STF como inconstitucional. Embora admitida “a adoção de critérios de vulnerabilidade social, nos termos da lei”, sabemos o quanto pode demorar a edição de lei nesse sentido, se é que um dia chegará a ser editada.
A inclusão do parâmetro econômico da Loas na Constituição Federal, enfim, apenas aprofundará a carência em que vivem as pessoas com deficiência e idosas muitíssimo pobres, que anseiam simplesmente pela satisfação de necessidades essenciais a todos os seres humanos, o que não poderia ser negado ou dificultado pelo Estado.
Ana Cláudia M. de Figueiredo – Advogada e Conselheira no Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência
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