Sobre leões e hienas, por Ricardo Cappelli

Jair Messias venceu por se apresentar simbolicamente como a negação do sistema, de instituições incapazes de apresentar respostas para os problemas da Dona Maria.

Sobre leões e hienas

por Ricardo Cappelli

Bolsonaro pode ser acusado de tudo, menos de incoerência. Sempre defendeu a ditadura militar. Publicamente, chegou a considerar a tortura necessária.
Deixou claro antes do pleito que representava as viúvas dos anos de chumbo. Seu desprezo pela democracia e pela Nova República não é nenhuma novidade. Sua família condecorava milicianos muito antes do Capitão subir a rampa do Planalto.
O presidente espancou a Globo nas eleições usando o apoio de Roberto Marinho ao Golpe de 64. Disse em alto e bom som que iria acabar com a Folha de São Paulo para uma Avenida Paulista eufórica.
Diante destes fatos, não é natural que seu filho considere a edição de um novo AI-5?
Mais importante que o protesto – a normalização precisa ser fustigada -, é tentar descobrir como, jogando deste jeito, o time adversário venceu a partida. O que fez o povo votar nele “com ditadura, tortura e milícia no pacote”?
Jair Messias venceu por se apresentar simbolicamente como a negação do sistema, de instituições incapazes de apresentar respostas para os problemas da Dona Maria.
Alguns profetizam – movidos pelo sempre necessário otimismo da vontade – que o isolamento crescente levará ao impeachment. Sua excelência, o povo, assiste a tudo de longe. Queda de presidente sem gente na rua seria uma tremenda novidade.
No Congresso, eventual palco da queda, a agenda de Guedes reina absoluta.
Deputados e senadores nunca tiveram tantas emendas, impositivas e “extras”. O Capitão criou o “presidencialismo de emendão”. Tirou a confusão da Esplanada e empurrou para parlamentares e prefeitos. Vem funcionado bem, apesar de ter potencial para virar o próximo escândalo nacional.
Os liberais que dirigem o Congresso demarcam com os arroubos autoritários, mas aplaudem a agenda econômica. Não há sinal de que a verborragia vai atrapalhar o andamento das reformas. Com emendas pagas e a Bolsa batendo recordes, a roda vai girando.
Se a economia não decola, também não afunda. O mais provável é que a situação do povo continue congelada. Até onde irá sua paciência? A agenda de costumes e valores será suficiente para manter uma base unida e mobilizada? Qual a capacidade da oposição de ressignificar a esperança e mobilizar a população?
Quando o bolsonarismo rouba da esquerda a bandeira do “Abaixo a Rede Globo!”, fica ainda mais difícil para o Seu João distinguir quem luta contra o sistema.
Num país que, segundo o IBGE, caminha para se tornar uma nação evangélica, como a esquerda pretende se reconectar com o povo? A defesa do passado recente é suficiente? Que posição assumir na disputa simbólica entre o novo e o velho, entre o passado e o futuro?
No debate sobre o Estado, que reformas sistêmicas a oposição propõe? A luta de resistência na defesa deste sistema é o melhor caminho?
Na política, muitas vezes a dificuldade está em aceitar a realidade e fazer as perguntas corretas. As bolhas seduzem e o ego nos empurra para dentro delas.  É preciso tomar cuidado para não vestir a fantasia de Hiena imaginando estar posando de Leão.
Redação

3 Comentários

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  1. “O que fez o povo votar nele “com ditadura, tortura e milícia no pacote”?”

    Sinceramente, é isso que cansa. Perderam a comunicação por W.O. Passaram décadas e décadas com uma defesa pífia, pra não dizer infantil, da acusação de que são defensores de vagabundos, de bandidos. O que aconteceu com o tal kitgay foi a mesmisdima coisa. Até hoje não são capazes de fazer uma defesa minimamente eficiente da gestão no período 2002, 2014… Aí, botam a mão no queixo e se perguntam em tom circunspecto “o que aconteceu?”

    Sao incapazes até hoje de produzir conteúdo para ser compartilhado. Os sites oficiais dos diversos partidos da esquerda parecem coisa meninada de gremio estudantil. Quem quiser alguma estatística ou gráfico tem que se danar pra achar. Enquanto isso, tome bombardeio de memes, charges, piadas e todo tipo de fake news pelas redes sociais e pelo zap…

    Ah, descubriram o Twitter… Agora vai.

    1. LUCINEI: você aponta para um aspecto fundamental – a Comunicação. É ela que permite esclarecer ou manipular as consciências dos cidadãos.
      Um fato que julgo esclarecedor, contado em várias oportunidades por Roberto Requião.
      Requião foi até o Presidente Lula e enfatizou a necessidade do governo ter um canal de comunicação com o povo. Lula mandou Requião falar com Zé Dirceu. Requião foi até Dirceu e, após apresentar seus fundamentados argumentos, Zé Dirceu respondeu: “Requião, nós já temos uma TV para isso”. “Qual ?”, perguntou Requião. “A TV Globo”, respondeu Dirceu.
      Sem comentários…

  2. A eleição deste traste se deveu àqueles eleitores que se omitiram na ultima eleição. O apoio deste individuo se situa entre 25 e 30% da população.
    O grupo que se omitiu é o que deverá ser trabalhado já a partir de agora, para que em 2022 não se caia na mesma esparrela.

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