Jorge Alexandre Neves
Jorge Alexandre Barbosa Neves professor Titular de Sociologia da UFMG, Ph.D. pela Universidade de Wisconsin-Madison, nos EUA. Professor Visitante da Universidade do Texas-Austin, também nos EUA, e da Universidad del Norte, na Colômbia.
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Uma ilusão que se desfaz, por Jorge Alexandre Neves

 A verdade é que a educação privada no Brasil é um desastre! Nosso sistema particular de ensino oferece uma péssima relação custo-benefício.

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Uma ilusão que se desfaz

por Jorge Alexandre Neves

Como ocorre quase sempre, a liberação de novos dados do Pisa leva a um importante, porém muito mal informado, debate sobre a baixa qualidade da educação pública, no Brasil. Algo que tende a ser bem menos ressaltado, contudo, é a baixíssima qualidade média da educação privada.

A verdade é que a educação privada no Brasil é um desastre! Nosso sistema particular de ensino oferece uma péssima relação custo-benefício. As famílias pagam valores exorbitantes – inclusive quando se leva em consideração comparações internacionais, em particular com países com nível de desenvolvimento socioeconômico semelhante – para receber pouco ou nada em troca. Muitas vezes, essas famílias confundem qualidade do ensino com nível de exigência. Ora, um dos indicadores do desastre da educação privada, no Brasil, é justamente este. Estudantes de escolas particulares ficam, de modo geral, apenas um expediente na escola e levam uma enorme quantidade de deveres para serem feitos em casa. Essas escolas, assim, empurram boa parte do problema do aprendizado acadêmico para as famílias, que, por sua vez, têm que se desdobrar e fazer enormes investimentos adicionais de todas as formas de capital a elas disponíveis: humano (o conhecimento acadêmico redundante da formação educacional prévia dos membros mais velhos da família), social (tempo de dedicação desses membros mais velhos à criança ou ao adolescente que traz as atividades acadêmicas para casa), cultural (a bagagem de cultura não escolar desses mesmos membros) e financeiro (gastos adicionais com aulas particulares, por exemplo). Ao mesmo tempo, na sua esmagadora maioria, essas escolas não oferecem, por exemplo, laboratórios de ciências para aulas práticas. Como se pode gostar de ciência e aprender ciência sem experimentação? Talvez valha a pena essas famílias se perguntarem: afinal, estamos pagando uma fortuna em troca de que?

Essa descrição da realidade escolar dos alunos do ensino privado nos ajuda a entender porque, no Brasil, a diferença de desempenho entre alunos de escolas públicas e privadas se deve, fundamentalmente, à diferença no nível socioeconômico das famílias, como mostrei em outra coluna (1), a partir de um estudo de José Francisco Soares e Renato Judice de Andrade (2). Os resultados do PISA-2018, que foram divulgados esta semana, mostram como os filhos da nossa elite têm, em termos relativos (ou seja, quando comparados com os adolescentes dos demais países estudados, e que também estão no topo da estratificação social em seus países), um desempenho educacional ainda pior do que os filhos das famílias pobres (3). O mesmo já havia sido observado a partir do Pisa-2015, levando Maria Rehder (Coordenadora de Projetos da Campanha Nacional pelo Direito à Educação) a afirmar que: “imaginar que a escola privada é muito melhor no Brasil é uma ilusão” (4).

Outro ponto que deve ser ressaltado é que, enquanto houve dedicação e investimento do Estado em uma política educacional de caráter público e conectada com as políticas sociais, tivemos avanços maiores no desempenho dos adolescentes mais pobres do que dos mais ricos, como mostrou Martin Carnoy e seus colaboradores, da Universidade Stanford, da Califórnia-EUA (5). Essa era mais uma das desigualdades que vinham sendo reduzidas, no Brasil.

A educação vai mal, no Brasil. Passou por um período de significativa evolução (principalmente no que diz respeito aos alunos de famílias mais pobres), que foi até o início da atual década. Essa evolução esteve longe de ser ideal, mas indicou um caminho que poderia ser seguido. Hoje, vivemos um completo caos na educação. Alguns querem se aproveitar desse momento para privatizar a educação básica brasileira (como ressaltei na minha coluna indicada na nota 1). Pelo péssimo desempenho relativo de nossas escolas privadas, fica claro que esse seria um enorme erro!

 

 

P.S.: Esses dados sobre a péssima qualidade das escolas privadas, no Brasil, servem para que nós compreendamos a existência, hoje, de figuras da elite com baixíssimo nível intelectual, como é o caso dos ministros Sérgio Moro e Abraham Weintraub. Como o nível intelectual depende, fundamentalmente, de investimentos adicionais da família (o caso do capital social intrafamiliar é particularmente relevante), não basta ter tido acesso a boas escolas privadas, é preciso dedicação dos pais ou outros membros mais velhos da família. Talvez, em ambos os casos, isso tenha faltado aos dois.

Jorge Alexandre Neves – Ph.D, University of Wisconsin – Madison, 1997. Pesquisador PQ do CNPq. Pesquisador Visitante University of Texas – Austin. Professor Titular do Departamento de Sociologia – UFMG – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas

Jorge Alexandre Neves

Jorge Alexandre Barbosa Neves professor Titular de Sociologia da UFMG, Ph.D. pela Universidade de Wisconsin-Madison, nos EUA. Professor Visitante da Universidade do Texas-Austin, também nos EUA, e da Universidad del Norte, na Colômbia.

3 Comentários

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  1. A minha opinião, baseado em experiência pessoal, é de que toda escola ou universidade, pública ou privada, é uma merda.
    Todas usam, com exceções que são apenas traço, o método de um professor, em frente a um grupo, tentando passar conceitos com baixíssima eficiência. Mais horas nessas condições seria pior.
    Os que reúnem todas as qualidades esperadas de um bom professor – conhecimento, clareza de raciocínio, habilidade para se fazer compreender, inteligência emocional, capacidade de cativar os alunos, paciência, ser uma boa influência na formação do caráter, etc. – são tão raros quanto um bilhete premiado da mega-sena.
    Ainda, a escolha do conhecimento a ser passado é péssima, chega a ser ridículo o método usado. Vou usar física para exemplificar, mas ocorre o mesmo em todas as matérias. Para definir o conteúdo da matéria física no ensino médio, os iluminados pegam o conteúdo do bacharelado em física e vão simplificando, cortando e atalhando e está pronto.
    Resultado, os estudantes são obrigados a engolir e decorar, teorias e fórmulas que não são capazes de entender, deduzir, verificar ou mesmo aceitar. Por que? Simplesmente porque esse é o caminho inverso do método científico! Primeiro deveria haver apenas a observação dos fenômenos, depois a reprodução em experiências, a seguir a liberdade de propor teorias, então a tentativa de estabelecimento de modelos, com a matemática que o aluno possa compreender, em seguida a volta ao laboratório para a validação experimental, depois a crítica e o debate e coletivo sobre os resultados.
    Não, o que ocorre é, por exemplo: decoreba de fórmulas pertinentes a fenômenos que ele nunca viu, muitas vezes surgidas de uma matemática incompreensível para ele (como cálculo diferencial e integral), na solução de problemas que ele não tem e nem imagina que pode ter.
    Isso é de uma estupidez revoltante.

  2. Gostaria de frisar o seguinte ponto: vivemos em uma sociedade pós-colonial na qual a elite econômica se reproduz não por meio de uma ilusória meritocracia, mas pelo compadrio e apadrinhamento. Weintraub e Moro são casos bastante exemplares disso. Um aluno de elite cujo futuro já está garantido de antemão pouco se importa com os estudos, até porque nosso sistema educacional é pouco atrativo e enciclopédico e o smartphone é muito mais atraente. Nosso problema educacional não se resume à qualidade das escolas e dos professores. As escolas de nossa elite racista são caras para que os filhos dessa camada não se misturem com os pobres, pretos e pardos. Essa é a verdadeira “mercadoria” que vendem, mais significativa que uma “educação de qualidade”. Quanto à escola pública, apesar de iniciativas isoladas e meritórias, no Brasil existe como forma de “administrar” a pobreza, mantendo sob controle os filhos da classe trabalhadora, para que possam minimamente seguir servindo à classe dominante. Trata-se, portanto, de questão cultural própria de uma sociedade de privilégios herdeira do escravismo.

    1. Perfeito, Pacini. Eu havia chegado à mesma conclusão. Pagam para manter os filhos afastados dos pobres, para que estes vejam o quanto são iguais, se não inferiores. E meritocracia é apenas uma palavra para essa elite. Na verdade o que vigora no país é a titulocracia. Na contramão de Aristóteles, aqui vale a autoridade ( o título) , e não a obra. Ganham pelo título, e não pelo que fazem. Assim, não fazem nada; apenas esquentam o lugar para retirar o salário do fim do mês.

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