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Um pedido de socorro, por Daniel Consul

Jair Bolsonaro definitivamente perdeu o trem da glória. Um choque exógeno poderia ter conduzido o presidente a unir o país, seguindo a ciência.

Agência Brasil

Um pedido de socorro

por Daniel Consul

            A saída de Jair Bolsonaro da presidência da República não é condição suficiente para o Brasil retomar uma trajetória mais humana de crescimento e desenvolvimento, mas é condição mais do que necessária. Economia e saúde vão pautar a corrida eleitoral.

            O cenário atual de lenta recuperação econômica do choque exógeno oriundo da pandemia da Covid-19 e que combina problemas de natureza doméstica e internacional resultou em uma escalada inflacionária grave no Brasil. Bens e serviços básicos dispararam de preços em um país que já há alguns anos convive com alta taxa de desemprego, grau elevado de informalização da força de trabalho e baixo poder de barganha para reajustes salariais. Nesse ínterim, o Auxílio Emergencial, precocemente extinto e que em 2020-2021 evitou um desastre econômico-social ainda maior, acabou substituído, junto com o antigo Bolsa Família, por um novo programa de renda básica, o Auxílio Brasil. Além disso, o corte de gastos de enfrentamento à Covid, na comparação 2021-2020, foi extremo: dados da Instituição Fiscal Independente (IFI), instituição ligada ao Senado Federal, mostram que em 2020 o Brasil gastou 7% do PIB nessa rubrica; em 2021, a proporção caiu para apenas 1,4%. [1] Vale destacar que em 2021 aproximadamente 412 mil vidas foram perdidas para a Covid-19; em 2020 haviam sido 195 mil. [2]

            O pouco caso com o enfrentamento à pandemia foi explícito por membros dos mais diversos escalões do Governo Federal, a começar pelo trágico discurso de Jair Bolsonaro em março de 2020, quando caracterizou uma pandemia que já aterrorizava diversos países como uma “gripezinha”. Em novembro daquele ano, além disso, o Secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, Adolfo Sachsida, afirmou que a probabilidade de uma segunda onda de contaminações e mortes era baixa; [3] o horror que se verificou nos meses seguintes não fazia parte do cenário base de um Ministério que nem deveria fazer previsões sobre temas de saúde pública, mas sim estar atento às recomendações de cientistas de calibre de nossas instituições de renome internacional, como a Fiocruz, Instituto Butantan e universidades públicas e privadas.

            Nesse contexto pandêmico, o Brasil acabou se tornando um caso praticamente único no cenário internacional no que diz respeito ao movimento negacionista antivacina: enquanto na maioria dos outros países são pequenos grupos negacionistas que atuam visando desestabilizar as campanhas de vacinação de seus governos, no Brasil é o próprio governo federal – na figura máxima do presidente da República – o principal ator responsável por plantar a desconfiança acerca das vacinas na população. O alvo negacionista, neste momento, são as crianças – cujo direito à vacinação, caso autorizada pelas autoridades sanitárias do país, é garantido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.

            Às voltas com uma avassaladora onda de contágios oriunda da variante Ômicron, 2022 iniciou no campo econômico com uma tríade indigesta: juros, taxa de desemprego e inflação na casa dos dois dígitos – isto para não falarmos das projeções de baixo crescimento econômico para o ano. Não surpreende, portanto, que diversas pesquisas eleitorais apontem alto grau de rejeição a Jair Bolsonaro, embora ele tenha demonstrado força para ao menos galgar um lugar no segundo turno das eleições. Nesse cenário, é possível imaginar que fake news de outrora não conseguirão se impor frente à realidade nua e crua de inflação, desemprego e baixo crescimento – adicione-se a isso a invasão russa à Ucrânia, fator de incerteza e desestabilização a ser ainda contabilizado. Na melhor das hipóteses chegaremos a outubro com o país já tendo expurgado todos ou quase todos os efeitos pandêmicos na economia, retornando aos níveis verificados em 2019. Mas estávamos bem em 2019? Baixo crescimento e desemprego elevado eram lugares comuns àquela época.

            Jair Bolsonaro definitivamente perdeu o trem da glória. Um choque exógeno poderia ter conduzido o presidente a unir o país, seguindo a ciência. O presidente certamente surfaria em grande popularidade, calando a oposição; por incapacidade política, mau assessoramento e desumanidade, entretanto, preferiu seguir um caminho negacionista e solitário entre praticamente todos os líderes mundiais, ao questionar vacinas e promover a utilização de remédios com ineficácia comprovada contra Covid-19. Nem mesmo o sucesso da vacinação, graças à construção histórica do Sistema Único de Saúde e à forte adesão do povo brasileiro, Bolsonaro conseguiu apregoar para si e, mesmo com resultados benéficos já explícitos da vacinação, continua a desestimular aquela que é a melhor e mais eficaz forma de combater uma pandemia viral. Ter vacinado a imensa maioria da população não poderá ser utilizado como trunfo pelo presidente na corrida presidencial – o que o faria cair em contradição a essa altura do campeonato. Além disso, isso não seria capaz de distingui-lo dos demais candidatos. Não é difícil imaginar que qualquer um/a dos/as diversos/as candidatos/as à presidência em 2018 teria agido de forma mais humana, ágil e científica no trato para com a pandemia.

            Com tantos problemas econômicos, sociais, de saúde pública e ambientais (a “boiada” segue passando livre, com apoio de parcela significativa do Congresso Nacional), e um governo que já deu provas explícitas de ser incapaz de lidar positivamente com isso, é possível ter esperanças de que o tempo de Jair Bolsonaro à frente do poder Executivo brasileiro chegue ao fim em dezembro deste ano. Uma eventual escolha democrática pela manutenção desse modo de governar levaria a mais quatro anos perdidos, às voltas com um processo de fraco crescimento econômico que já se arrasta desde o início de 2014. Nesse sentido, esperamos que ecoe das urnas em outubro um pedido fortalecido de socorro para a partir dali começarmos a construção de uma sociedade que combine crescimento com desenvolvimento econômico, social e humano e valorização cultural e ambiental.

Daniel Consul – Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal Fluminense. Pesquisador do @finde_uff

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[1] IFI. Relatório de Acompanhamento Fiscal, janeiro de 2022.

[2] Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/saude/brasil-encerra-2021-com-412-880-mortes-por-covid-19/. Acesso em: 04 fev. 2022.

[3] Disponível em: https://exame.com/economia/probabilidade-de-segunda-onda-de-covid-19-no-brasil-e-baixa-diz-sachsida/. Acesso em: 04 fev. 2022.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN

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