Voltando ao mapa da conspiração desenhado pela CIA, por J. Carlos de Assis

O jornalista Sérgio Léo fez um longo comentário sobre meu artigo anterior a respeito de um eventual incentivo do governo norte-americano à promoção de um golpe jurídico-midiático no Brasil. Nele me contesta em basicamente dois pontos: primeiro, no que diz respeito à participação dos Estados Unidos no golpe que derrubou Allende há 41 anos; segundo, o que é mais importante, negando a relevância dos BRICS para a estratégia norte-americana, o que afastaria qualquer interesse da parte dos EUA em desestabilizar o Brasil.

Vamos por partes. A participação direta dos EUA na deposição e assassinato de Allende, assim como na carnificina posterior sob o comando de Pinochet, está demonstrada de forma inequívoca no artigo de Peter Kornbluh da edição de setembro/outubro da “Foreign Affairs”. Esse artigo desmonta ponto por ponto o publicado anteriormente por essa mesma revista, sob o título “What Really Happened in Chile”, pelo antigo espião da CIA Jack Devine que estava baseado em Santiago na época dos eventos, encarregado de pagar propina ao principal jornal do país, “El Mercurio”.

Sérgio Léo cita o artigo de Devine em apoio a sua tese de inocência americana no golpe final contra Allende, mas aparentemente desconhece o artigo retificador de Kornbluh, baseado todo ele em documentos desclassificados do Departamento de Estado e da Assessoria de Segurança Nacional dos EUA. Aliás, o que a CIA fez na preparação do golpe – por exemplo, no assassinato do comandante do Exército, General Schneider, a fim de remover um obstáculo no caminho dos golpistas – seria suficiente para inculpá-la totalmente no desfecho.

Relativamente ao eventual desinteresse norte-americano em relação aos BRICS, Léo talvez não preste muita atenção nos desdobramentos estratégicos das articulações desse grupo. Se ele concorda que o centro dos interesses estratégicos dos EUA é, em primeiro lugar, como eu próprio tentei demonstrar relativamente à crise da Ucrânia, conter a Rússia e, secundariamente, conter a China, qualquer coisa que fortaleça os BRICS coloca um aliado até há pouco incondicional do país, o Brasil, numa rota contrária aos interesses norte-americanos.

Algum tempo atrás, ainda antes da decisiva reunião que formalizou a criação do Banco dos BRICS, a embaixadora Maria Edileuza, então encarregada no Itamaraty da área dos BRICS, me relatou o incômodo que os países ocidentais manifestavam com relação à criação do banco. A União Europeia pediu uma reunião especial com o Brasil para conhecer o projeto; na reunião representantes dos grandes países não se manifestaram abertamente; mas as objeções vinham sintomaticamente dos pequenos. “Por que, em lugar de criar um banco, não fortalecer as instituições existentes, como o Banco Mundial?”, perguntavam.

A resposta poderia ser encontrada, agora, em recente artigo de Eric Toussaint, na série “Os setenta anos de Bretton Woods, do Banco Mundial e do FMI (parte 12)”, sob o título “As mentiras teóricas do Banco Mundial”. Trata-se de um libelo irrespondível sobre a atuação do Banco, que, ao longo do tempo, atendeu principalmente aos interesses dos Estados Unidos e dos países desenvolvidos em lugar de favorecer o desenvolvimento dos pobres. Se alguém tem dúvida, consulte o Relatório de 1914 do banco, sob o título “Risco e Oportunidade”: é puro charlatanismo ideológico em favor do livre-cambismo e do Consenso de Washington.

O Banco dos BRICS, ao contrário do que pensa ingenuamente Sérgio Léo, é a primeira grande tentativa em 70 anos de se romper com a estrutura financeira internacional criada no pós-guerra com foco nos interesses dos ricos. É evidente que o banco terá condicionalidades financeiras rígidas, pois afinal é um banco, não uma agência de fomento a fundo perdido; mas a simples ausência de condicionalidades políticas ou macroeconômicas será suficiente para dar-lhe um caráter desenvolvimentista real, ao contrário do Banco Mundial e do FMI.

Finalmente, Sérgio Léo alega que, se há risco de promoção de golpe no Brasil, deve ser procurado nas forças internas, e não na CIA. É outra ingenuidade. Não há diferença entre forças golpistas internas e externas. São as mesmas. A primeira coisa que algum golpista interno faz é buscar apoio externo. E a primeira coisa que uma força externa pró-golpe faz é buscar forças internas para que assumam um papel ostensivo e aparentemente hegemônico. O que a “Veja” faz é puro golpismo, eventualmente amparada financeiramente pela CIA, como foi o caso de “El Mercurio” no golpe contra Allende. Os que tem olhos para ver, vejam.

Quanto ao suposto desinteresse dos EUA de ver desestabilizada uma área tão tranquila, como o Brasil, volta-se de novo ao terreno da ingenuidade. São forças internas, no nosso caso da mídia, que preparam a intervenção externa. A Ucrânia estava tranquila antes que ONGs financiadas pelos EUA iniciassem o processo de sua desestabilização. Não há, nesse jogo, espaço para escrúpulos de qualquer natureza. O que importa para a política externa norte-americana são os seus interesses estratégicos de curto e longo prazos. Para isso são capazes de tudo. Inclusive de violar a democracia que pregam em seus discursos e fragmentar os países em lutas fratricidas, como ocorreu em quatro países na chamada “Primavera Árabe” e no golpe ucraniano.

J. Carlos de Assis – Economista, doutor pela Coppe/UFRJ, professor da Economia Internacional da UEPB.

Redação

19 Comentários

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  1. Tão insignificante que até espionaram os e-mails da presidenta!

    Perfeito Assis!

    FIca mais fácil insuflar o reinvindicalismo sem pé nem cabeça quanto mais próximo dos 50% for o resultado das urnas.

    Estamos nesta situação! Toda atenção é necessária para descortinar os passos deste grupo entreguista nacional, cabeça de ponte dos intervencionistas, que adoraria que o país se alinhasse e se ajoelhasse sob a tutela norte-americana.

  2. Por fim, há as coincidências

    Por fim, há as coincidências cruéis: a embaixada estadunidense no Brasil é ocupada pela mesma senhora que ocupava a  embaixada estadunidense no Paraguai quando do golpe contra Lugo. Golpe Jurídico, limpo e indolor, realizado em duas horas!

  3. Do livro “Tancredo fala de

    Do livro “Tancredo fala de Getúlio”, de Valentina da Rocha Lima e Plínio de Abreu Ramos Ed. L&PM, 1986 (Entrevista feita em 10 de julho de 1984 para o programa de História Oral do CPDOC da FGV).

     “Nós não supúnhamos que esses interesses (contrariados pelas reformas propostas) pudessem se articular com a rapidez com que se articularam e formar a frente política que acabaram formando para derrubar Vargas.” P. 34

               

      “Em 5 de agosto a crise deixou de ser uma crise política e passou a ser uma crise militar. Aí realmente nós encontramos algumas semelhanças com todos os projetos que a CIA adotou na América do Sul em face de governos que ela desejava combater. Você vê, no Chile foi o assassinato do Schneider, que antecedeu à queda do Allende. Aqui no Brasil pegaram o Major Vaz. Quer dizer, houve realmente assim uma certa…Era preciso ajuntar ao quadro o ingrediente emocional. E o ingrediente emocional se atinge com um cadáver. Então foi o Major Vaz, lamentavelmente, quem teve que dar essa contribuição.” P. 35

       ” …as forças interessadas na queda de Vargas criaram no País um clima de terror. Nos últimos dias de Vargas, para apoiar o Vargas era preciso muita coragem.” P. 36

     

  4. Existe uma “filosofia” perene…

    … nas relações dos EEUU com o Brasil. E está bem clara na frase de Nixon (?) nos anos setenta: “Para onde o Brasil se inclinar, inclina-se a América do Sul”.

    É evidente o desgosto americano com os caminhos trilhados pelos países sul-americanos nos últimos 10/15 anos. Os documentos da WikiLeaks mostam quem são os “jornalistas” recebidos pela Embaixada, tanto aqui como na Argentina.  Neste blog mesmo, basta acompanhar os comentário do A.A/Motta – que o Nassif mesmo disse ser a opinião americana aqui no blog. Vejam os insultos dele ao “índio boliviano”, à “viúva argentina”, ao “padreco paraguai” e outros desafetos.

    Alguém já leu algum comentário dele a respeito da prisão de militares torturadores no Chile? Ou de países dominados pelo narco-crime como México e Colõmbia? …  Não, as críticas dele são sempre contra o Paraguai (antes, agora não mais), Bolívia, Equador, Uruguai, Venezuela e Argentina.

    1. Sabe de nada, inocente ………….

      Flics, é melhor voce não criticar muito o AA, pois o mesmo tem amigos sócios pertencentes a agentes da CIA.

      Voce deve ter lido que o W. Wack também faz parte do grupo, não ? Segundo o Snowd !!

      Então………..

  5. Uma certa ingenuidade na nossa esquerda…

    Existe uma certa ingenuidade entre nós, fruto talvez da pouca importancia que sempre demos para os assuntos externos. será que alguém imagina que o ex-presidente Fernando henrique Cardoso se relaciona coma CIA e Departamento de Estado? Noentanto seu intituto iFHC dá cursos para jovens líderes venezuelanos (golpistas/) e traduz para o português a revista do national Endopwment for Democracy (o mesmo NED tão presente nos golpes na Venezuela, Ucrânia, Geórgia).

    Muito bem colocada a questão por J. Assis e muito importantes esses artigos do Nassif – quem viver verá!!

  6. Leo não leu

    Assis quando li as argumentações do Leo pensei, eis o perfeito troll com argumentações para os desinformados. Tivesse eu muitos anos a menos, pouquíssima vontade de verificar os fatos acontecido e tudo isto, tal qual fantasia de novela seria crível. O mesmo Leo ainda não se deu ao trabalho de ver a documentação liberada pelo departamento de Estado USA confirmando que a greve dos caminhoneiros que precipitou o golpe foi financiada pela CIA com autorização do todo poderoso Kissinger.

    Troll evidentemente desempregado após o desastre Aécio, fim de feira xepa podre e fedida, impressiona que alguém ainda seja disposto pagar estes coisos.

  7. Realmente a Cia NÃO quer

    Realmente a Cia NÃO quer derrubar a Dilma. Acredito até é por isso, existir umas certa tranquilidade no executivo frente as varias ameaças domesticas. 

  8. Ingenuidade ou ignorancia ?

    O Assis matou a cobra e mostrou o pau. O Sergio Leo ta’ muito mal informado, ou entao e’ de uma ingenuidade tremenda. Quero crer que seja so’ isto. Muito grato Assis, por suas esclarecedoras contribuicoes ao blog.

  9. O pessoal precisa ir com mais calma.

    Até já tem aí comentarista chamando o Sergio de “energúmeno ou agente da CIA”.

    Pessoal, nada a ver, vão lá ler de novo o que ele escreveu antes de postar barbaridades.

    No comentário ao (ótimo) artigo do Assis, o Sérgio nunca escreveu que Washington não esteve envolvida no golpe do Allende, fato muito mais do que comprovado e que não merece comentários.

    Se entendi direito, o Léo apontou outra coisa: Que o artigo do Assis não pode e não deve ser considerado posição formal da revista FP, porque a revista publica artigos sem necessáriamente concordar com eles. O (horroroso, ridículo) artigo do Devine é a constatação disso, toda vez que a revista nunca deu suporte a essa idéia maluca de que Washington foi pego de surpresa pelo golpe.

    Daí a dizer que o Léo defende a tese de que Washington não esteve envolvido é uma doidera, o pessoal tem que ir com calma e tentar entender antes de sair babando. Eu mesmo já lí barbaridades na FP e sempre a revista, uns números depois, publica um outro artigo com una visão diferente (igualzinho faz aqui um grande semanário….)

    A outra observação do Sergio é (cito):

    “o Brasil não está “criando uma alternativa de desenvolvimento” no mundo com os Brics. Quando muito, está criando uma alternativa de análise dos poucos projetos de desenvolvimento que serão financiados pelo acanhado Banco dos Brics, cujo funcionamento ainda depende de delicadas e difíceis negociações entre os cinco países do grupo, cada um com seu projeto próprio e não coletivo de inserção internacional”.

    Mesmo que eu discorde dele em parte, o parágrafo é impecável e acho que dá para discutir o conceito embutido nele sem acusar o autor de ser um energúmeno ou um agente da CIA.

    Ao contrário do Sérgio, eu acho que o BRICS ainda não é uma prioridade absoluta para Washington mas não vai demorar a ser, até pelo simples fato de ter no grupo a Rússia e a China. Somando China, Russia e Índia, o grupo representa um naco gigantesco do PIB mundial, além dos dois maiores mercados consumidores do mundo. Com o Brasil tem um equivalente sulamericano, e a África do Sul é o quivalente no continente africano.

    Ainda não é um bloco de coordenação política e -muito menos- uma aliança militar nos moldes fo falecido Pacto de Varsóvia, mas o Banco dos BRICS poderá vir a ser (um dia…) uma alternativa para financiamento de projetos de desenvolvimento para países aliados que estejam em dificuldades com o Banco Mundial e o FMI (Argentina, por exemplo, é um candidato perfeito).

    Eu concordo com o Assis quando coloca o BRICS como “a primeira grande tentativa em 70 anos de se romper com a estrutura financeira internacional criada no pós-guerra com foco nos interesses dos ricos”, mas devemos convir que ainda está longe, muito longe, de ser um novo Bretton Woods.

    Agora, para quem acompanha o Departamento de Estado fica claro que a última coisa que Washington quer agora é um Brasil em crise de instabilidade política. Eles podiam até ter preferido o Aécio no Planalto, mas em qualquer cenário, o fundamental é ter um Brasil estável e firme, porque na visão deles serve para conter a Bolívia, Equador e a Venezuela. E cuando digo “serve” não é porque essa seja a “ordem” vinda de Washington: é porque esse papel sirve ao papel protagónico que o Brasil, como grande potência regional, deve cumprir. Esse “serve” deve ser tido no contexto de “serve ao próprio Brasil”.

    Pensar que hoje Washington tem interesse num Brasil em caos simplesmente é insustentável.

  10. Quem vive de teorias de

    Quem vive de teorias de conspiração acredita em bruxas e duendes.

    1.No contexto de Guerra Fria EUA e URSS, através da KGB e da CIA operavam em certos cenarios.

    2.Com o fim da Guerra Fria essas operações, a não ser em zonas de conflitos, acabaram.

    3.Cita-se aqui fatos historicos antigos, seria como dizer que a Inglaterra tinha piratas assaltando as colonias espanholas e hoje continua tendo,  não tem mais sentido isso aqui. Quem quer usar a Historia como testemunha precisa dar corda no relogio e ver o tempo passando, o relogio não fica parado, o se fazia em 1960 não se pode fazer hoje nem que se  quizesse fazer, mas o EUA não tem nenhuma razão para entrar em mais problemas do que ja tem.

    4.Compreender esses fatos exige alguma visão de mundo, de Historia, de filosofia.

  11. E então……………………

    Assis, por favor, não perca seu tempo rebantendo as asneira do Léo!!!

    Sobre as supostas (como gostam os repórteres), e possiveis tentativas de golpe da Cia contra o governo Dilma, está mais que provado que o Império ( e suas Corporações), não estão nada satisfeito com os governos do PT e por extensão de todos os governos progressitas da AL!

    Os que aquí postam elogiando, enaltecendo, advogando em defesa, fazendo apologia ao Império do Norte, são possivelmente e provavelmente agentes do mesmo!!

    Negar que não há interesse externo em nossas reservas mineirais, petrolíferas, amazônicas, etc, etc e etc, não é ser ingenuo ou inocente uteis, mas entreguista, privatista, quinta-coluna, aécista e todos os istas possíveis de imaginar !!!

    É só, pois comentar mais sobre estes fulanos, é dar-lhes a importância que não merecem !!!!!!!!!!!!!!!!!!! 

  12. Perfeito

    Creio que o Sérgio Léo está contaminado com a visão americanizada da mídia brasileira, em acordo com a internacional, editada por Washington.  Chegaram a inventar um isolamento de Putin no G20, mas ele teve reunião de 3h com Merkel. Como explicar?

  13. O que é espantoso é existir

    O que é espantoso é existir pessoas que parecem ser vividas com uma percepção  tão desfocada da realidade atual.

    Qual é o tipo de golpe que os EUA podem apoiar e porque o fariam?  Não basta os problemas que já tem?

    É muita imaginação, muito James Bond, que coisa impressionante, o Brasil é um enorme Pais, não é a Jamaica.i.

    Com tantas universdades, com tantos cursos, como o Brasil ainda tem gente tão tosca?

  14. BANCO DOS BRICS – Mas será

    BANCO DOS BRICS – Mas será que o autor tem alguma noção de grandeza em economia? Um banco de fomento, há 36 no mundo, com capital de 100 bilhões de dolares tem que impacto? Na lista dos 50 maiores bancos do mundo, o Banco do Brasil está no penultimo lugar e tem ativos de 536 bilhões de dolares, portanto 5 vezes o banco dos BRICS.

    E o capital de 100 bilhões de dolares é para ser integralizado em DEZ ANOS.

    Um banco desse tamanho não tem impacto algum no conjunto das 5 economias, onde o autor viu essa grandeza para desafiar o Banco Mundial e o FMI juntos?

    Há bancos de fomento pequenos maiores que esse banco quando ele estiver com seu capital integralizado, como o Banco Africano de Desenvolvimento e a Corporacion Andina de Fomento-CAF, onde o Banco dos BRICS vai mudar a geopolitica do mundo? É criança bricando de Super Man.

     

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