O segredo chinês para tornar-se uma potência em reservas, por J. Carlos de Assis

 

O segredo chinês para tornar-se uma potência em reservas, por J. Carlos de Assis

A fórmula chinesa de acumulação de reservas internacionais (quase 4 trilhões de dólares) só dá certo porque o país tem, ao lado do sistema mercantilista, controle de capitais e regulação do câmbio. Do contrário aconteceria uma de duas coisas: uma explosão monetária interna, como contrapartida do superávit comercial que está na origem da acumulação de reservas, ou uma inflação interna gerada pela escassez de produtos e serviços que estão sendo exportados. A administração cambial e de fluxo de capitais resolvem os dois problemas.

Frente à arquitetura financeira ocidental, o expediente dos controles parece artificial. Economistas dos EUA e da Europa ficam enfurecidos com ele acusando a China de uma política câmbio-comercial de explorar o vizinho. Esquecem-se do óbvio: a arquitetura financeira ocidental é, ela sim, um artifício para explorar em favor dos EUA todos os países que dependem do dólar em suas relações internacionais. Agora mesmo eles acabam de emitir 3,4 trilhões de dólares de forma totalmente irresponsável, disponibilizando-os para seus bancos a juros de zero por cento.

O comércio internacional real é totalmente favorável aos Estados Unidos. Eles compram produtos e serviços do mundo inteiro pagando com o papel que apenas pintam. Já os países superavitários com os Estados Unidos (ou com outros países) fazem um esforço real de produção e exportação de bens e serviços, subtraindo esses últimos do mercado interno. Se compram de outros países no mesmo montante, a balança comercial se equilibra, e o que perdem nas exportações é recuperado nas importações. Os EUA ganham a chamada senhoragem, ou seja, a base monetária da operação.

No entanto, no caso de déficit comercial, entram em crise. Sua moeda não é aceita no mercado internacional. São obrigados a recorrer ao FMI, e este último lhes impõe condicionalidades de política econômica para lhes emprestar recursos. Justamente por isso – para evitar as condicionalidades contracionistas do Fundo – a China e outros países asiáticos, estes últimos depois das crises financeiras dos anos 90, resolveram acumular reservas cambiais através de uma política mercantilista. Assim escapam da interferência draconiana do FMI.

É bom lembrar que o  grande economista do século XX, John Maynard Keynes, propôs, na reunião de Bretton Woods (1944), um sistema internacional bem mais racional e justo. Ele partia do conceito de que o comércio internacional, equilibrado por definição, deveria ser equilibrado também na prática. Países deficitários deveriam ser induzidos a exportar mais, e os países superavitários deveriam ser induzidos a importar mais. A moeda dessas transações seria um ente contábil, o bankor, que não geraria poder de compra, mas simples compensação.

Os Estados Unidos, condicionados por Wall Street, rejeitaram esse esquema. Claro, já no fim da guerra, da qual estavam emergindo como a principal potência mundial, preferiram um sistema mais simples que agradava aos banqueiros e a eles próprios. Tivemos, assim, uma grande oportunidade de ver construído um sistema internacional mais justo. Talvez agora, em plena crise financeira, o tema volte à baila. Até lá, o melhor que devemos fazer é olhar com bastante atenção a China e a Ásia a fim de colher seus bons exemplos no campo internacional.

J. Carlos de Assis – Economista, doutor pela Coppe/UFRJ, autor, entre outros livros de política econômica, de o recém-lançado “Os Sete Mandamentos do Jornalismo Investigativo”, Ed. Textonovo, SP. 

Redação

2 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Post difícil de comentar pelo assunto abordado

    Mas vou dar meus dois tostões nesta.

    Primeiro que nenhum Estado do planeta é só mercantilista ou liberal, todos, em maior o menor grau apresentam estas caracteristicas em suas economias.

    Segundo que a China não sofreu da doença holandeza, que deveria ter sido combatida por aqui com um imposto de exportação, pois lá não existe sobra de alimentos exportáveis nem pré-sal com reservas de trilhões de barris.

    Some-se a isto a extrema pobreza da maioria de sua população, a necessidade é a mãe da invenção. Os pontos elencados no excelente artigo do Assis são relevantes, mas não dão a real explicação para as enormes reservas chinesas.

    Fora que sempre tenho minhas dúvidas sobre os aspectos misteriosos das políticas públicas chinesas, que sempre estão a nos surprender, com aquelas casas no meio das estradas e coisas que tais.

    Hong Kong é china e aquela favela fortificação que existiu lá  deve ter-lhes ensinado poucas e boas.

    Existem China Town mundo a fora.

    Proverbios chineses estão em uma classe só deles.

    E entre muitas outras coisas que poderia elencar, também produziram o Tao.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador