Paulo Nogueira Batista Jr.
Paulo Nogueira Batista é economista, foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai, de 2015 a 2017, e diretor executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países em Washington, de 2007 a 2015. Lançou no final de 2019, pela editora LeYa, o livro O Brasil não cabe no quintal de ninguém: bastidores da vida de um economista brasileiro no FMI e nos BRICS e outros textos sobre nacionalismo e nosso complexo de vira-lata. A segunda edição, atualizada e ampliada, foi publicada em 2021. E-mail: [email protected] X: @paulonbjr Canal YouTube: youtube.nogueirabatista.com.br Portal: www.nogueirabatista.com.br
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Paulo Nogueira Batista Jr.: americanos e europeus ainda estão acostumados a mandar

Enviado por bfcosta

Do O Globo

Sobrevivi

Americanos e europeus ainda estão acostumados a mandar

Paulo Nogueira Batista Jr.

Há poucos dias, o governo brasileiro, em nota oficial, divulgou a minha designação para vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento. Agora posso falar sobre o assunto. Na verdade, era um segredo de polichinelo; a informação já havia vazado para tudo quanto é lado. Quando veio a nota oficial, a repercussão foi bem modesta.

É sempre assim, leitor. O jornalista sempre quer publicar, de preferência, o que o governo não quer divulgar. O que é off the record ganha manchetes. O que é oficialmente divulgado permanece rigorosamente inédito.

Mas, enfim, estou de mudança para Xangai no início de julho, em menos de um mês portanto. Nelson Rodrigues dizia que brasileiro não pode viajar. O brasileiro, a caminho do Galeão, já na Avenida Brasil, adquire automaticamente um descarado sotaque espiritual. Se o grande cronista tinha razão, a minha nacionalidade deveria estar em avançado estado de decomposição.

Em março de 2007, quando estava preparando as malas para Washington, publiquei um artigo aqui mesmo neste espaço, sob o título “Escrevam, reclamem!”, no qual antecipava as dificuldades que teria no FMI e discorria sobre o adestramento das elites dos países em desenvolvimento na capital do Império — esta cidade de onde ora vos escrevo outra vez, mais de oito anos depois.

Sobrevivi. Não diria intacto, claro. Tive que enfrentar umas barras e tenho as minhas cicatrizes. Mas lutei. Lutei para que o Brasil, aquele Brasil idealizado, que só existe no coração de alguns brasileiros, pudesse se orgulhar um pouco de mim.

Exagero? Só quem passou alguns anos em Washington ou qualquer outra cidade importante no mundo desenvolvido pode ter noção completa das dificuldades com que se defronta um subdesenvolvido quando transplantado para o centro do sistema internacional de poder. A verdade, leitor, é a seguinte: americanos e europeus ainda estão acostumados a mandar, acreditam que têm o direito de mandar, que não há outra solução. E ponto final.

O subdesenvolvido quando chega por aqui se defronta, portanto, com a seguinte disjuntiva: ou adere, sem qualquer restrição e objeção, acompanhando mansamente as diretrizes do Ocidente, ou será considerado um elemento hostil, um estranho no ninho.

Alguém perguntará: mas não há meio-termo? Não, infelizmente não. Conformismo total é o que se espera de um periférico que aporta por aqui. E subdesenvolvido que não conhece o seu lugar é caçado a pauladas, feito ratazana prenhe, diria Nelson Rodrigues (outra vez esse homem fatal!).

Ah, mas o subdesenvolvido que se acomoda, este pode ter uma boa vida por aqui. Depois de um período de experiência, é acolhido como membro leal de um clube confortável, com saunas, piscinas e toalhas felpudas — membro de segunda classe, é verdade, sem direito de decidir, mas membro mesmo assim.

Quero acrescentar um elemento importante a essa pequena fábula. O brasileiro não é dos piores. A subserviência internacional encontra muitos representantes mais entusiasmados e mais convictos. O brasileiro tem os seus escrúpulos, os seus arroubos, os seus surtos de independência. O Brasil, afinal, é um grande país — ainda que nós, brasileiros, não estejamos sempre à sua altura.

Paulo Nogueira Batista Jr. é economista e diretor-executivo pelo Brasil e mais dez países no Fundo Monetário Internacional, mas expressa os seus pontos de vista em caráter pessoal

Paulo Nogueira Batista Jr.

Paulo Nogueira Batista é economista, foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai, de 2015 a 2017, e diretor executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países em Washington, de 2007 a 2015. Lançou no final de 2019, pela editora LeYa, o livro O Brasil não cabe no quintal de ninguém: bastidores da vida de um economista brasileiro no FMI e nos BRICS e outros textos sobre nacionalismo e nosso complexo de vira-lata. A segunda edição, atualizada e ampliada, foi publicada em 2021. E-mail: [email protected] X: @paulonbjr Canal YouTube: youtube.nogueirabatista.com.br Portal: www.nogueirabatista.com.br

12 Comentários

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  1. Patriotismo

    “Tive que enfrentar umas barras e tenho as minhas cicatrizes. Mas lutei. Lutei para que o Brasil, aquele Brasil idealizado, que só existe no coração de alguns brasileiros…” 

    Entre esses brasileiros estão o Lula, a Dilma e os mais de cinquenta milhões que a reelegeram.

  2. A solução é o desprezo e a independência

    Nas relações pautadas pelo poder, o mais frágil é sempre quem se propõe a liderar. Mas basta que os liderados desprezem o candidato a líder tanto para que se desfaça a relação quanto para que o candidato desmanche. É preciso, porém, cuidado. Por trás do desprezo não pode haver sentimento de revanche, vingança e menos ainda desejo de competir pela liderança. Competir pela liderança é tudo o que o candidato a líder deseja. E a resposta, principalmente quando se trata dos EUA, costuma ser bélica ou de corrupção e coptação dos desejosos de independência.

     

    De fato não há como convencer alguns europeus e todos os estadunidenses de que suas pretensões a donos do mundo são prejudiciais aos outros e, a longo prazo, vãs. Eles não estão nem aí se prejudicam os outros e nunca dirão nada parecido com “Ok, respeitamos suas soberanias.” Mas há uma saída, que é justamente a que está sendo buscada: desprezá-los. Por exemplo, quanto à economia mundial, fundando um Banco BRICS.

  3. Nova matriz econômica para o mundo?

    Falhou aqui, por que funcionaria fora?

    Este economista trabalha no governo Sarney quando o Brasil quebrou pela última vez (isto é, decretou default, como Argentina, Grécia e Venezuela).

  4. Paulo Nogueira Batista, Amir Khair…

    Lula, se desejamos realmente avançar de fato o Brasil, rumo a modernidade democrática e justa, está ai o cara para a economia, junto com Amir Khair, Coutinho e Marcio Pochmann, sem contar os craques Flanklin nas Comunicações e Wagner na Casa Civil.

    Para melhorar antecipadamente as condições, bem que Dilma poderia oferecer os passes de Mercadante e Cardozo, a candidata Martha, “de grátis”, e enviar o Levy à Casa das Graças, para descompatibilização e upgrade no trajar fino, antes de retornar ao dia a dia no bradescão.      

    1. Não poderia ser pior. Um

      Não poderia ser pior. Um anti-americano completo, dos pés à cabeça, emérito criador de casos, como fez com a Colombia

      que era reprsentada pelo Brasil na Diretoria Executiva do FMI, por uma picuinha com a vice-diretora combiana o Brasil perdeu a representação da Colombia, reduzindo à metade seus votos e fazendo hoje a Colombia ser representada por Jose Rojas, da Venezuela.

  5. O nosso problema não é que

    O nosso problema não é que americanos e europeus ainda estão acostumados a mandar, nosso problema é que nós estamos acostumados a obedecer. Ou melhor, a depender.

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