Observações sobre o neo-feudalismo hayekiano


Aqui mesmo no GGN fiz algumas observações sobre o neo-feudalismo https://jornalggn.com.br/opiniao/telecatch-2-0-democracia-cpfs-x-feudalismo-cnpjs/. Volto ao tema por causa de um Twitter do jurista Rubens Casara.

O binarismo simplório imposto pela guerra ideológica permanente promovida pelos defensores do “neoliberalismo a lá Bolsonaro” não deu trégua nem mesmo durante a pandemia. Muito pelo contrario: os bolsonaristas fascistoides ocupam as ruas para forçar os trabalhadores a desocuparem a segurança das suas casas.

A explicação para esse fenômeno não é muito complexa. No período em que o keynesianiamo ocupou uma posição central, como teoria econômica dominante, as teses de Friedrich August von Hayek eram consideradas imposturas teóricas e, como tal, relegadas à margem do debate público.

Na década de 1970, a teoria de Hayek começou a ser movida para o centro do palco em razão das políticas econômicas baseadas nas teses de Keynes não serem mais capazes de impedir o declínio da rentabilidade do capital. Nas décadas seguintes o neoliberalismo se tornou dominante.

A partir do momento em que a maioria dos líderes políticos, jornalistas e banqueiros (não necessariamente nessa ordem) passaram a exigir uma adesão automática às políticas neoliberais, as teses de Hayek se tornaram os fundamentos de uma verdadeira teologia.

Na Idade Média contrariar a teologia dominante era algo perigoso. Potencialmente mortal. Quando o Papa Inocêncio III ordenou a Cruzada Albigense (1209-1229 dC), os comandantes militares dele fizeram uma objeção plausível: não seria possível distinguir entre cristãos e hereges.

A resposta do Papa foi exemplar: matem todos, Deus saberá escolher os seus. A solução sugerida pelo presidente do Banco Central do Brasil para o dilema imposto pelo COVID-19 lembra muito as palavras do Papa Inocêncio III: reduzir mortes por coronavírus é pior para a economia.

Não há outra alternativa. O postulado neoliberal explica o desprezo do presidente do BC pela vida humana. É preciso deixar o vírus matar todos os que ele quiser matar, o deus dinheiro não se importa. A preservação da ortodoxia teológica é mais importante do que qualquer coisa.

Usando as teses de Hayek como vetor, o feudalismo retornou de maneira tão avassaladora que as pessoas são incapazes de perceber o que realmente está ocorrendo. A democracia foi assassianda, porque ela é incompatível com a hierarquia social do Estado feudal.

Os cidadãos são divididos em duas classes: senhores feudempresariais e servos do glebercado. Qualquer pessoa que desafie a neo-feudalização bancária do cotidiano é sumariamente expulso da nova sociedade feudal. Quem ficar fora das muralhas dogmáticas não merece qualquer proteção legal.

Vejam, eles não podem entrar no nosso castelo. Eles são perigosos. Eles são os outros. Inimigos irredutíveis da segurança que nós desfrutamos e merecemos. Nós somos fiéis ao capital. Eles são hereges, Cataros, comunistas, possivelmente sodomitas… E assim começou a nova Cruzada Albigense “high tech” em defesa da teologia de Hayek.

Fábio de Oliveira Ribeiro

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