Lava a Jato, um discurso do método

Criada para existir no abismo entre o Direito e o Espetáculo, a Lava Jato é um fenômeno jurídico-político-midiático cujo método que foi definido de maneira muito precisa num Acórdão do TRF-4. A operação trata-se de “uma situação inédita, a merecer um tratamento excepcional” em que há “situações inéditas, que escaparão ao regramento genérico, destinado aos casos comuns” https://www.conjur.com.br/2016-set-23/lava-jato-nao-seguir-regras-casos-comuns-trf.

O Direito foi criado para possibilitar segurança jurídica. Ele existe como um método impessoal de lidar com os conflitos em que os atores do processo (advogados, procuradores e juízes) não podem escolher o momento em que irão praticar atos com a finalidade de cumprir e fazer cumprir a Lei.

A Lava Jato foi concebida para destruir qualquer previsibilidade jurídica. A fim de potencializar os efeitos políticos do Espetáculo, o TRF-4 concedeu aos procuradores e juízes da operação um poder inédito: o de escolher o momento em que as situações excepcionais seriam criadas mediante o cumprimento ou não da Lei.

Eduardo Cunha não foi preso antes de iniciar e conduzir a fraude do Impedimento, pois os atores da Lava Jato escolheram derrubar Dilma Rousseff. Isso ficou bem claro quando Seŕgio Moro mandou grampear ilegalmente a presidenta da república e vazou o áudio para impedir a nomeação de Lula como Ministro da Casa Civil. Corrupto contumaz, Michel Temer só foi preso depois que teve a oportunidade de destruir a Controladoria Geral da União. É evidente que o retorno da corrupção durante o governo dele justificaria a perpetuação da Lava Jato.

Lula foi injustamente condenado e preso antes de poder disputar e ganhar a eleição. A eventual recriação da CGU e a retomada do combate à corrupção por um novo governo petista esvaziaria a Lava Jato. A prisão de Moreira Franco poderia não ter ocorrido antes por uma razão igualmente excepcional. Os agentes lavajateiros devem ter imaginado que iriam precisar jogar a opinião pública contra o STF no momento em que aquele Tribunal impedisse Deltan Dellagnol de ter acesso aos 2,5 bilhões de reais que a operação tentou expropriar da Petrobras.

A eleição e posse da familícia Bolsonaro parece não ter afetado os objetivos de longo prazo dos idealizadores da Lava Jato. A presença de Sérgio Moro no Ministério da Justiça evidencia que, se depender exclusivamente deles, Espetáculo somente irá terminar quando os principais atores da operação chegarem ao centro do poder. Não por acaso, antes da operação sofrer um imenso revés Deltan Dellagnol começou a ser cotado para ocupar o cargo de Procurador Geral da República.

No momento em que desativou a competência excepcional da Lava Jato (reconhecendo a competência da Justiça Eleitoral para julgar crimes de corrupção) e suspendeu o acesso de Deltan Dellagnol aos 2,5 bilhões de reais da Petrobras, o STF interrompeu abruptamente o Espetáculo. O retorno da previsibilidade jurídica do Direito explica o fato do método excepcional ter começado a se voltar contra os Ministros do STF.

As ações enérgicas de Dias Toffoli e Alexandre de Moraes para desmantelar a usina de Fake News (que levou Sérgio Moro ao Ministério da Justiça e passou a integrar o método Lava Jato) tem tudo para colocar um ponto final na operação. Mas isso somente se tornará realidade se algo excepcional não interromper a marcha da sensatez. Ninguém pode esquecer que Teori Zavascki morreu pouco antes de encerrar antecipadamente o Espetáculo.

É impossível saber o que vai ocorrer. Antes de terminar, porém, podemos fazer algumas observações gerais.

A situação de Deltan Dellagonl é desesperadora. Além de ficar cada vez mais longe do cargo que desejava, ele pode acabar perdendo o cargo que tinha. Se tivesse estudado menos estatística jurídica – sou advogado há quase 30 anos e só consigo rir quando leio algo sobre esse assunto – e mais mitologia grega, o procurador-pastor saberia distinguir Têmis de Nêmesis. Dellagnol não teve Μήτις (Métis) suficiente para não ser vítima da própria húbris.

O Ministro da Justiça já demonstrou que tem Μήτις. Sérgio Moro se desligou do Poder Judiciário antes de ser exonerado e ficar inabilitado para a vida pública. A situação dele nesse momento é mais ou menos tranquila. Moro teve o cuidado de não homologar pessoalmente o acordo que permitiria aos operadores da Lava Jato expropriar 2,5 bilhões de reais da Petrobras. Portanto, ele pode se distanciar discretamente do escândalo que envolveu Deltan Dellagnol e que irá interromper a carreira de Gabriela Hardt.

Marcelo Bretas não pertencia ao núcleo principal da Lava Jato. Ao prender Michel Temer e Moreira Franco ele conseguirá desfrutar 15 minutos de fama. Mas nada indica que ele tenha conseguido criar uma situação inédita realmente capaz de reativar a competência excepcional da Lava Jato. Para continuar, o Espetáculo terá que renovar seu método e começar a recorrer à violência. O terrorismo judicial se transformará em terrorismo político ao invadir e saquear o prédio do STF durante as comemorações dos 55 anos do golpe de 1964?

Fábio de Oliveira Ribeiro

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